Imunidade tributária
Imunidade tributária consiste na
determinação feita pela Constituição Federal de que certas atividades, rendas,
bens ou pessoas não poderão sofrer a incidência de tributos.
Trata-se de uma dispensa constitucional
de tributo.
A imunidade é uma limitação ao
poder de tributar, sendo sempre prevista na própria CF.
Imunidades subjetiva, objetiva e
mista
Como vocês sabem, a doutrina
adora criar classificações sobre os institutos jurídicos.
As imunidades também são
classificadas segundo diversos critérios.
Uma das classificações diz que
existem três espécies de imunidades:
a) SUBJETIVA (PESSOAL)
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b) OBJETIVA (REAL)
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c) MISTAS
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Ocorre
quando a imunidade foi instituída em razão das características de uma determinada
pessoa.
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Ocorre
quando a imunidade foi instituída em função de determinados fatos, bens ou
situações.
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Verifica-se
quando ocorre uma combinação entre os dois critérios anteriores.
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Ex:
art. 150, VI, "a", "b" e "c", da CF/88.
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Ex:
art. 150, VI, "d", da CF/88.
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Ex:
art. 153, § 4º, II, da CF/88.
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Assim,
a imunidade que beneficia instituições de educação e de assistência social,
sem fins lucrativos é uma imunidade subjetiva, considerando que foi criada em
função da condição pessoal dessas instituições.
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A
imunidade que recai sobre livros, jornais, periódicos e o papel destinado a
sua impressão é objetiva porque não interessa quem seja a pessoa envolvida,
mas sim esta lista de bens.
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A
CF/88 prevê que o ITR não incide sobre pequenas glebas rurais, definidas em
lei, quando as explore o proprietário que não possua outro imóvel.
"Tal imunidade é mista porque depende de aspectos
subjetivos (o proprietário possuir apenas um imóvel) e objetivos (a área da
pequena gleba estar dentro dos limites da lei" (ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário, p. 206).
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Tributos indiretos
Tributos indiretos são aqueles
que permitem a transferência do seu encargo econômico para uma pessoa diferente
daquela definida em lei como sujeito passivo. Exemplos mais conhecidos: IPI,
ICMS, ISS e IOF.
Assim, quando você recebe a conta
de energia elétrica, por exemplo, vai ter um campo chamado detalhamento da
conta. Nele você irá encontrar a discriminação dos itens que você está pagando
enquanto consumidor:
Consumo: R$ xxx
ICMS: yyy
Total: xxx + yyy
Dessa forma, o "contribuinte
de direito" ("pela lei") do ICMS é a empresa concessionária de
energia elétrica. No entanto, ela oficialmente está autorizada a repassar este
tributo para o consumidor. Logo, o consumidor final é quem acaba sendo o
"contribuinte de fato".
Como explica Ricardo Alexandre:
"O ICMS é tributo indireto.
Todo o seu ônus econômico-financeiro é transferido para o consumidor que, ao
pagar o preço da mercadoria, paga também o valor do imposto que naquele preço
se acha embutido". (ob. cit., p.
225).
Tributos diretos são aqueles que,
oficialmente, não permitem tal transferência.
Contribuinte de direito e
contribuinte de fato
Assim, pode-se dizer que nos
tributos indiretos surgem as figuras do contribuinte de direito e do
contribuinte de fato:
a) Contribuinte de direito: é a
pessoa que realiza o fato gerador.
b) Contribuinte de fato: é a
pessoa que paga efetivamente o imposto considerando que o contribuinte de
direito transferiu para ele este encargo.
Quando a entidade imune é
contribuinte de direito, haverá imunidade?
Imagine a seguinte situação:
A CF/88 prevê que as entidades de
assistência social, sem fins lucrativos, na forma da lei, gozam de imunidade tributária
(art. 150, VI, "c").
Imagine que determinada entidade
de assistência social comercialize camisas. A venda de camisas está sujeita, em
tese, ao pagamento de ICMS.
Ocorre que esta entidade
argumentou que não deveria incidir ICMS neste caso porque ela goza de imunidade
tributária.
O
Fisco estadual, por sua vez, refutou o argumento afirmando que o ICMS é um
tributo indireto e que esta entidade iria repassar o encargo econômico do
imposto para o consumidor final (contribuinte de fato). Logo, para a Fazenda
Pública, deveria sim incidir o imposto já que quem iria pagar não era a
entidade imune.
Qual das duas teses foi acolhida
pelo STF?
A tese das entidades imunes, ou
seja, haverá imunidade neste caso.
E quando a entidade imune é
contribuinte de fato, haverá imunidade?
Vamos modificar o exemplo:
Determinada entidade de
assistência social adquire na loja um forno para preparar comida para pessoas
carentes.
No momento de pagar o valor, ao
conferir a nota fiscal, o diretor da entidade percebe que está sendo cobrado
dele o ICMS sobre a mercadoria vendida. Ele não se conforma e alega que não deverá
pagar o imposto porque a entidade é imune.
A tese da entidade foi acolhida
pelo STF?
NÃO. Segundo entende o STF, mesmo
que o comprador da mercadoria seja uma entidade que goza de imunidade
tributária, ainda assim deverá haver a normal incidência do imposto.
As
imunidades deverão ser interpretadas sob o aspecto formal (e não econômico).
Dessa forma, tem-se que:
·
se a entidade imune for contribuinte de direito,
o imposto não incidirá;
·
se a entidade imune for apenas contribuinte de
fato, o imposto incidirá normalmente.
O STF apreciou o tema sob a
sistemática da repercussão geral e fixou a seguinte tese:
A imunidade tributária subjetiva aplica-se a seus beneficiários na
posição de contribuinte de direito, mas não na de simples contribuinte de fato,
sendo irrelevante, para a verificação da existência do beneplácito
constitucional, a repercussão econômica do tributo envolvido.
STF. Plenário. RE 608872/MG, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 22 e
23/2/2017 (repercussão geral) (Info 855).
Assim, a imunidade tributária
subjetiva aplica-se ao ente beneficiário se ele for o contribuinte de direito,
não importando discutir se o tributo em questão pode ou não ter repercussão
econômica para terceiros.
Não se pode estender ao
particular vendedor (contribuinte de direito) a imunidade tributária subjetiva
que detém o adquirente de mercadoria (contribuinte de fato).
O STF possui um enunciado antigo
que transmite essa mesma ideia:
Súmula 591-STF: A
imunidade ou a isenção tributária do comprador não se estende ao produtor,
contribuinte do imposto sobre produtos industrializados.
Sobre o tema, já explicou Leandro
Paulsen:
“Importa, para a verificação da
existência ou não da imunidade, a posição de contribuinte, nos moldes do
raciocínio que inspirou a Súmula nº 591 do STF. Conforme orientação atual do
STF, seguindo a linha da referida súmula, descabe verificar se o ente imune é
ou não contribuinte de fato, pois a repercussão econômica não está em questão.
Ora, se a Constituição diz que é vedado cobrar impostos das entidades de
assistência social, é porque nega competência para tanto, não sendo dado ao
intérprete perquirir quanto à repercussão econômica do tributo para efeito de
decidir se é devido ou não." (PAULSEN, Leandro. Curso de direito tributário. 2ª ed. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2008, p. 106).
No exemplo que demos acima em que
a entidade beneficente compra o forno, tal pessoa jurídica irá realmente arcar
com o ônus financeiro dos impostos envolvidos nessa venda (IPI e ICMS) caso
tenham sido realmente transferidos pelo vendedor (contribuinte de direito). No
entanto, este valor que será pago pela entidade não possui natureza jurídica de
tributo, mas sim de "preço", decorrente de uma relação contratual. Em
outras palavras, a entidade está pagando apenas o preço total no qual,
obviamente, o vendedor embutiu todos os seus custos (a fim de que ele possa ter
lucro). Vale reiterar, porém, que o valor pago pela entidade não é tributo, mas
sim preço.
Hugo de Brito Machado trata sobre
o tema com maestria, dando o exemplo de uma entidade do Poder Público (que é
imune, nos termos do art. 150, VI, "a") que compra uma mercadoria.
Veja:
“O argumento de que o imposto
sobre produtos industrializados (IPI) assim como o imposto sobre operações
relativas à circulação de mercadorias (ICMS) não incidem na saída de
mercadorias que o particular (industrial, comerciante ou produtor) vende ao
Poder Público, porque o ônus financeiro respectivo recai sobre este, não tem
qualquer fundamento jurídico. Pode ser válido no âmbito da Ciência das Finanças.
Não no Direito Tributário. A relação tributária instaura-se entre o industrial,
ou comerciante, que vende, e por isto assume a condição de contribuinte, e a
Fazenda Pública, ou fisco, credor do tributo. Entre o Estado comprador da
mercadoria e o industrial, ou comerciante, que a fornece, instaura-se uma
relação jurídica inteiramente diversa, de natureza contratual. O Estado
comprador paga simplesmente o preço da mercadoria adquirida. Não o tributo.
Este pode estar incluído no preço, mas neste também está incluído o salário dos
empregados do industrial, ou comerciante, e nem por isto se pode dizer que há
no caso pagamento de salários. Tal inclusão pode ocorrer, ou não. É
circunstancial e independe de qualquer norma jurídica. Em última análise, no preço
de um produto poderão estar incluídos todos os seus custos, mas isto não tem
relevância para o Direito, no pertinente à questão de saber quem paga tais
custos” (MACHADO, Hugo de Brito. Curso de
Direito Tributário. 30ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2009, p.
286/287)
Resumindo:
• Se a entidade imune for
contribuinte de direito: incide a imunidade subjetiva.
• Se a entidade imune for
contribuinte de fato: não incide a imunidade subjetiva.
Pagamento indevido de ICMS nas
contas de energia elétrica e legitimidade para pedir a restituição
Como vimos acima, tributos
indiretos são aqueles que permitem a transferência do seu encargo econômico
para uma pessoa diferente daquela definida em lei como sujeito passivo.
Exemplos mais conhecidos: IPI, ICMS, ISS e IOF.
Tributos diretos são aqueles que,
oficialmente, não permitem tal transferência.
Se houver pagamento indevido de
tributo, o sujeito passivo tem direito, independentemente de prévio protesto, à
restituição total ou parcial do tributo (art. 165 do CTN). A isso se dá o nome
de repetição de indébito.
Nos tributos diretos, a regra
relativa às restituições é simples: quem pagou um valor indevido ou maior que o
devido tem direito à restituição.
Nos tributos indiretos, a questão
é um pouco mais complexa.
Se o contribuinte de direito
repassou oficialmente o encargo econômico do tributo a um terceiro e, mais
tarde, percebeu-se que tal ônus não correspondia ao previsto na lei, havendo
direito à restituição, seria justo restituir o excesso ao primeiro? Em outras
palavras, sendo o tributo indireto, quem detém a legitimidade ativa ad causam
para pleitear a restituição do indébito?
Trata-se de questão difícil e
polêmica. O STJ estabeleceu a seguinte distinção:
1) REGRA GERAL: a legitimidade para pleitear a restituição é do CONTRIBUINTE
DE DIREITO.
Argumento: o contribuinte de fato não integra a relação jurídica
tributária.
Ex: no caso de pagamento indevido
de IPI sobre a fabricação de bebidas, o STJ decidiu que a legitimidade ativa ad causam para pleitear a restituição do
indébito é do fabricante de bebida (contribuinte de direito) (REsp 903.394/AL,
DJe de 26/04/2010).
2) No caso de tributos pagos indevidamente por CONCESSIONÁRIA DE
ENERGIA ELÉTRICA: a legitimidade para pleitear a restituição é do
CONTRIBUINTE DE FATO (consumidor).
Argumentos: a concessionária
sempre evitará embates desgastantes com o Poder Público. Além disso, em caso de
aumento de tributos, poderá repassar esse valor nas tarifas. Logo, o STJ
concluiu que não haveria interesse das concessionárias em pleitear a
restituição do indébito em caso de terem sido tributadas indevidamente. Desse
modo, o consumidor iria arcar com a repercussão econômica do tributo pago a
maior e, como a concessionária não iria pleitear a repetição do indébito, essa
situação de abusividade na cobrança iria se perpetuar, em prejuízo ao usuário
dos serviços públicos.
Veja as palavras do Min. Cesar
Asfor Rocha:
“Sem dúvida, no caso das concessionárias do serviço público, diante de
tudo o que foi dito acima, entendo que a legitimidade do consumidor final
permanece. Decidir de forma diversa impede
qualquer discussão, por
exemplo, sobre a
ilegalidade – já reconhecida neste
Tribunal Superior –
da incidência do
ICMS sobre a
demanda "contratada e não
utilizada", contrariando as
normas que disciplinam
as relações envolvidas nas
concessões de serviço
público. Isso porque,
volto a afirmar,
em casos como o presente,
inexiste conflito de interesses entre a Fazenda Pública, titular do tributo, e
as concessionárias, que apenas repassam o custo tributário à tarifa por força
do art. 9º, §§ 2º e 3º, da Lei n.
8.987/1995.
(...)
Situação diversa é a da fabricação e do comércio de bebidas, objeto do
REsp 903.394/AL (repetitivo), não aplicável ao caso em
debate. Se o fabricante simplesmente
repassar ao preço
do seu produto
de venda o
valor do ICMS
cobrado indevidamente, as suas
vendas poderão cair.
Em virtude da concorrência no setor privado – o que dificilmente ocorre
no fornecimento de energia elétrica –, o distribuidor (adquirente da bebida)
poderá buscar outro fabricante, com produtos inferiores ou importados, com
preços menores. Para compensar o ICMS pago a mais e a fim de não reduzir as
vendas, terá o fabricante que reduzir custos e lucros, ao menos até que volte a
dominar o mercado. Sem dúvida, portanto, nessa situação, há conflitos de
interesses entre o credor do tributo e o fabricante, o que viabiliza o ingresso
de ações na Justiça por parte deste.” (REsp 1.299.303/SC).
Este entendimento do STJ
permanece válido mesmo com a decisão do STF acima explicada.