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sexta-feira, 10 de março de 2017

Os requisitos para o gozo de imunidade devem estar previstos em lei complementar


Imunidade tributária
Imunidade tributária consiste na determinação de que certas atividades, rendas, bens ou pessoas não poderão sofrer a incidência de tributos.
Trata-se de uma dispensa constitucional de tributo.
A imunidade é uma limitação ao poder de tributar, sendo sempre prevista na própria CF.

Onde estão previstas as hipóteses de imunidade tributária?
Como já dito, a imunidade tributária deverá ser sempre prevista na Constituição Federal.
As hipóteses mais conhecidas estão listadas no art. 150, VI, da CF/88.
Existem, contudo, inúmeras outras imunidades previstas ao longo do texto constitucional. Veja alguns exemplos:
§  Art. 5º, XXXIV, “a” e “b”, LXXIII, LXXIV, LXXVI e LXXVII: imunidade que incide sobre “taxas”.
§  Art. 149, § 2º, I: imunidade referente a “contribuições sociais” e CIDE.
§  Art. 195, § 7º: imunidade incidente sobre “contribuições sociais”.

Imunidade para entidades beneficentes de assistência social
A Constituição Federal conferiu imunidade para as entidades beneficentes de assistência social afirmando que elas estão dispensadas de pagar contribuições para a seguridade social. Veja:
Art. 195 (...)
§ 7º - São isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei.

Obs: apesar de a redação falar em “isentas”, a doutrina afirma que se trata, efetivamente, de uma hipótese de imunidade. Não é um caso de “isenção”.

O § 7º do art. 195 da CF/88 traz dois requisitos para o gozo da imunidade:
a) que se trate de pessoa jurídica que desempenhe atividades beneficentes de assistência social; e
b) que esta entidade atenda a parâmetros previstos na lei.

A lei a que se refere o § 7º é lei complementar ou ordinária?
COMPLEMENTAR. Esse assunto era extremamente polêmico na doutrina e na jurisprudência, mas o STF apreciou o tema sob a sistemática da repercussão geral e fixou a seguinte tese:
Os requisitos para o gozo de imunidade hão de estar previstos em lei complementar.
STF. Plenário. RE 566622, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 23/02/2017 (repercussão geral).

Como vimos acima, as imunidades tributárias são classificadas juridicamente como “limitações constitucionais ao poder de tributar” e a CF/88 exige que este tema seja tratado por meio de lei complementar. Confira:
Art. 146. Cabe à lei complementar:
(...)
II - regular as limitações constitucionais ao poder de tributar;

Isso gera alguma confusão porque aprendemos, logo no início da faculdade, que, quando a Constituição Federal fala apenas em "lei", sem especificar mais nada, ela está se referindo à lei ordinária. Ex: art. 5º, XXXII ("o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor"). Trata-se do Código de Defesa do Consumidor, uma lei ordinária (Lei nº 8.078/90).
Também aprendemos que a Constituição, quando quer exigir lei complementar, o faz expressamente. Ex: art. 18, § 2º ("Os Territórios Federais integram a União, e sua criação, transformação em Estado ou reintegração ao Estado de origem serão reguladas em lei complementar.").
O § 7º do art. 195, contudo, deve ser interpretado em conjunto com o art. 146, II. Assim, a Constituição exigiu sim lei complementar, mas não diretamente no § 7º do art. 195 e sim na previsão geral do art. 146, II.

Existe alguma lei que preveja os requisitos que deverão ser atendidos pela entidade para gozar da imunidade de que trata o § 7º do art. 195 da CF/88?
SIM. Segundo a jurisprudência, os requisitos são aqueles previstos no art. 14 do CTN
Assim, para gozarem da imunidade, as entidades devem obedecer às seguintes condições:
a) não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer título;
b) aplicarem integralmente, no País, os seus recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais;
c) manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão.

Mas o CTN (Lei nº 5.172/66) é uma lei ordinária ou complementar?
O CTN foi editado em 1966 como sendo uma lei ordinária. No entanto, ele foi "recepcionado com força de lei complementar pela Constituição Federal de 1967, e mantido tal status com o advento da Constituição Federal de 1988, visto que, tanto esta quanto aquela Magna Carta reservavam à lei complementar a veiculação das normas gerais em matéria tributária, a regulação das limitações ao poder de tributar e as disposições sobre conflitos de competência." (ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário. Salvador: Juspodivm, 2017, p. 249).
Em suma, atualmente, o CTN possui status de lei complementar e, portanto, atende o requisito do art. 146, II, da CF/88.

A Lei nº 9.732/98 alterou o art. 55 da Lei nº 8.212/91 criando requisitos mais rigorosos para que as entidades beneficentes de assistência social pudessem gozar da imunidade tributária do § 7º do art. 195 da CF/88. Esta Lei nº 9.732/98 (atualmente revogada) pode ser considerada constitucional? Os requisitos por ela criados foram válidos?
NÃO. Como já explicado, o § 7º do art. 195 da CF/88 exige lei complementar. A Lei nº 9.732/98 extrapolou os requisitos estabelecidos no art. 14 do CTN criando obstáculos novos, adicionais aos já previstos na lei complementar, sendo, portanto, formalmente inconstitucional por afronta ao art. 146, II, da CF/88.
Assim, as entidades beneficentes que preenchiam os requisitos do art. 14 do CTN, mas que não tiveram direito à imunidade por conta das exigências mais rigorosas da Lei nº 9.732/98 ganharam no STF a possibilidade de reaver o valor que pagaram a título de contribuições para a seguridade social.

Cuidado
Havia um precedente do STF em sentido contrário no qual se afirmava que o § 7º do art. 195 da CF/88 se contentava com lei ordinária. Veja:
(...) 20. A Suprema Corte já decidiu que o artigo 195, § 7º, da Carta Magna, com relação às exigências a que devem atender as entidades beneficentes de assistência social para gozarem da imunidade aí prevista, determina apenas a existência de lei que as regule; o que implica dizer que a Carta Magna alude genericamente à “lei” para estabelecer princípio de reserva legal, expressão que compreende tanto a legislação ordinária, quanto a legislação complementar (ADI 2.028 MC/DF, Rel. Moreira Alves, Pleno, DJ 16-06-2000). (...)
STF. Plenário. RE 636941, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 13/02/2014 (Info 735).

Este argumento está superado. O que vale atualmente é o seguinte:
Os requisitos para o gozo de imunidade hão de estar previstos em lei complementar.
STF. Plenário. RE 566622, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 23/02/2017 (repercussão geral).

Observação:
Este entendimento do acima explicado (RE 566622) vale também para a imunidade prevista no art. 150, VI, "c", da CF/88:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
VI - instituir impostos sobre:
(...)
c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei;

Assim, a lei de que trata o art. 150, VI, "c", da CF/88 é uma lei complementar (atualmente, é o art. 14 do CTN).



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