Dizer o Direito

terça-feira, 14 de março de 2017

Os bancos podem cobrar tarifa bancária pelos saques efetuados pelos clientes?



O cliente paga alguma tarifa bancária quando ele saca dinheiro de sua conta corrente?
Os bancos adotam a seguinte prática contratual: o cliente pode fazer até quatro saques por mês sem pagar nada. A partir do quinto saque, é cobrada uma tarifa bancária.
Vale ressaltar que esta prática é prevista no contrato que quase todos nós, ao abrirmos uma conta, assinamos no banco sem ler direito.

O Ministério Público do Distrito Federal questionou a prática afirmando que a cobrança dessa tarifa seria abusiva. Isso porque onera o consumidor com o pagamento de uma tarifa para que ele possa reaver o que é seu de direito. Sustentou, portanto, que tal procedimento gera enriquecimento sem causa aos bancos. O STJ concordou com a tese do MP?
NÃO.
É legítima a cobrança, pelas instituições financeiras, de tarifas relativas a saques quando estes excederem o quantitativo de quatro realizações por mês.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.348.154-DF, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 13/12/2016 (Info 596).

Tarifas bancárias
“Tarifa bancária” é o nome dado para a remuneração cobrada pelas instituições financeiras como contraprestação pelos serviços bancários prestados aos clientes. Ex: caso o cliente solicite do banco o fornecimento de cópia ou de segunda via de algum comprovante ou documento, terá que pagar a tarifa bancária por este serviço.

Quem autoriza ou proíbe que as instituições financeiras cobrem dos usuários tarifas bancárias?
O Conselho Monetário Nacional (CMN).
O Conselho Monetário Nacional (CMN) é um órgão federal, classificado como "órgão superior do Sistema Financeiro Nacional". Suas competências estão elencadas no art. 4º da Lei nº 4.595/64, sendo ele responsável por formular a política da moeda e do crédito, objetivando o progresso econômico e social do País (art. 3º da Lei).
O CMN é composto por três autoridades:
·       Ministro da Fazenda (que é o Presidente do Conselho);
·       Ministro do Planejamento;
·       Presidente do Banco Central.

As reuniões do CMN acontecem, em regra, uma vez por mês. As matérias são aprovadas por meio de "Resoluções".

Por que o CMN é quem define as tarifas bancárias que podem ser cobradas? Qual é o fundamento legal para isso?
Essa competência do CMN encontra-se prevista na Lei nº 4.595/64.
A Lei nº 4.595/64 trata sobre as instituições monetárias, bancárias e creditícias, sendo conhecida como "Lei do Sistema Financeiro nacional".
Vale ressaltar que a Lei nº 4.595/64, apesar de ser formalmente uma lei ordinária, foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988 com status de lei complementar. Isso porque o art. 192 da CF/88 preconiza que o sistema financeiro nacional "será regulado por leis complementares".

CMN tem competência para limitar a remuneração que os bancos recebem pelas operações realizadas e pelos serviços prestados
Veja o que diz o art. 4º, VI, da Lei nº 4.595/64:
Art. 4º Compete ao Conselho Monetário Nacional, segundo diretrizes estabelecidas pelo Presidente da República:
(...)
IX - Limitar, sempre que necessário, as taxas de juros, descontos, comissões e qualquer outra forma de remuneração de operações e serviços bancários ou financeiros, inclusive os prestados pelo Banco Central da República do Brasil (...)

Assim, é o CMN que define se os bancos podem cobrar ou não pelos serviços oferecidos.
A disciplina e os limites impostos pelo CMN são realizados por decisões instrumentalizadas por meio de "resoluções". Assim, quando o CMN decide proibir que as instituições financeiras cobrem determinada tarifa, ele o faz por meio de uma "resolução".

Autorização expressa na Resolução 3.919/2010
O tema acima é, atualmente, disciplinado pela Resolução 3.919/2010, que permite que os bancos cobrem tarifa a partir do quinto saque nos caixas eletrônicos. Confira:
Art. 2º É vedada às instituições mencionadas no art. 1º a cobrança de tarifas pela prestação de serviços bancários essenciais a pessoas naturais, assim considerados aqueles relativos a:
I - conta de depósitos à vista:
(...)
c) realização de até quatro saques, por mês, em guichê de caixa, inclusive por meio de cheque ou de cheque avulso, ou em terminal de autoatendimento;

Segundo entende o CVM, existem alguns serviços bancários que são considerados essenciais e, portanto, não podem ser cobrados. Eles estão neste art. 2º. Para o CVM, até quatro saques por mês é considerado essencial, mas a partir do quinto saque, o serviço perde essa característica de essencialidade e, portanto, pode ser cobrado.

Resolução 3.919/2010 não viola o CDC
Vale ressaltar que não se está dizendo que a Resolução do CVM deve estar acima do CDC. Na verdade, cada um desses atos normativos possui o exato campo de atuação, devendo haver entre eles coexistência harmônica.
No caso concreto, o STJ entendeu que não há qualquer incompatibilidade entre a tarifa sobre o serviço de saque excedente prevista em Resolução acima com os preceitos do CDC, tampouco com a natureza do contrato de conta-corrente de depósito à vista.
O MP alegava que no contrato de depósito o cliente tem o direito de reaver o seu dinheiro a qualquer tempo, não sendo possível que o banco imponha a cobrança de tarifas para que o consumidor possa exercer esse direito.
O STJ, contudo, não concordou com a argumentação.
Por meio do contrato de conta-corrente de depósito à vista, a instituição financeira contratada mantém e conserva o dinheiro do correntista contratante, disponibilizando-o para transações diárias, por meio de serviços bancários como o são os saques, os débitos, os pagamentos agendados, os depósitos, a emissão de talonários de cheques etc. Tais serviços bancários, quando não são qualificados como essenciais (inerentes à espécie de contrato bancário), são remunerados por meio da cobrança de tarifas, desde que previamente estipuladas entre as partes contratantes e devidamente autorizadas pelo Banco Central do Brasil, por deliberação do Conselho Monetário Nacional.
Desse modo, a remuneração pelo serviço de saque excedente não se confunde com as obrigações das partes contratantes oriundas do contrato de depósito, que, embora, em regra, seja unilateral e gratuito, pode, sim, ser bilateral e oneroso diante de convenção das partes, atividade ou profissão do depositário (art. 628 do Código Civil).
A tarifa sob comento incide pela efetiva utilização de um serviço bancário posto à disposição do correntista, qual seja, a realização de saque excedente (ao número de quatro, no mês), e não como contraprestação ao depósito propriamente feito. É dizer: a cobrança da tarifa sobre saques excedentes não está destinada a remunerar o depositário pelo depósito em si, mas sim a retribuir o depositário pela efetiva prestação de um serviço bancário não essencial.
Para garantir os saques aos clientes, os bancos devem manter uma ampla rede de terminais de autoatendimento, com emprego de tecnologia, de estrutura física e de mecanismos de segurança. Isso tudo tem custos e representa a prestação de um serviço bancário posto à disposição do correntista, sendo passível, portanto, de cobrança.

Poupança
Atenção. No caso de conta poupança, o cliente pode fazer apenas dois saques por mês. A partir do terceiro já terá que pagar tarifa bancária. O argumento do CVM é o de que a poupança é uma forma de investimento, não sendo para ficar sendo sacada a todo momento. Veja o texto da Resolução 3.919/2010:

Art. 2º É vedada às instituições mencionadas no art. 1º a cobrança de tarifas pela prestação de serviços bancários essenciais a pessoas naturais, assim considerados aqueles relativos a:
(...)
II - conta de depósitos de poupança:
(...)
c) realização de até dois saques, por mês, em guichê de caixa ou em terminal de
autoatendimento;

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