É possível que uma lei ou ato
normativo municipal seja impugnado por meio de ADI proposta no Supremo Tribunal
Federal?
NÃO. A CF/88 somente autoriza que
seja proposta ADI no STF contra lei ou ato normativo FEDERAL ou ESTADUAL. Veja:
Art. 102. Compete ao Supremo
Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
I - processar e julgar,
originariamente:
a) a ação direta de
inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou
estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato
normativo federal;
Vale ressaltar que é cabível ADPF
contra lei municipal.
É possível que uma lei ou ato
normativo municipal seja impugnado por meio de ADI proposta no Tribunal de
Justiça?
SIM. A CF/88 autorizou essa
possibilidade, determinando que o tema seja tratado nas Constituições
estaduais. Confira:
Art. 125. Os Estados
organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta
Constituição.
§ 1º - A competência dos
tribunais será definida na Constituição do Estado, sendo a lei de organização
judiciária de iniciativa do Tribunal de Justiça.
§ 2º - Cabe aos Estados a
instituição de representação de inconstitucionalidade de leis ou atos
normativos estaduais OU MUNICIPAIS em face da Constituição Estadual, vedada a
atribuição da legitimação para agir a um único órgão.
A CF/88 utilizou o termo
“representação de inconstitucionalidade”, mas é plenamente possível que a
chamemos de “ação direta de inconstitucionalidade estadual” (ADI estadual).
Parâmetro (ou norma de
referência)
Em controle de
constitucionalidade, quando falamos em "parâmetro", queremos dizer
quais serão as normas da Constituição que serão analisadas para sabermos se a
lei ou o ato normativo atacado realmente as violou. Em outras palavras,
parâmetro são as normas que servirão como referência para que o Tribunal
analise se determinada lei é ou não inconstitucional. Se a lei está em
confronto com o parâmetro, ela é inconstitucional.
Quando é proposta uma ADI no STF
contra lei federal ou estadual, qual é o parâmetro que será analisado pelo
Tribunal?
A Constituição Federal. Isso
inclui: normas originárias, emendas constitucionais, normas do ADCT e tratados
internacionais de direitos humanos aprovados por 3/5 dos membros de cada Casa
do Congresso Nacional, em dois turnos de votação.
Assim, quando o autor propõe uma
ADI no STF contra determinada lei, ele está dizendo que esta lei viola a CF/88
(parâmetro).
Quando é proposta uma ADI no TJ
contra lei municipal, qual é o parâmetro que será analisado pelo Tribunal?
A Constituição Estadual. Isso
está expressamente previsto no § 2º do art. 125 da CF/88: "§ 2º - Cabe aos
Estados a instituição de representação de inconstitucionalidade de leis ou atos
normativos estaduais ou municipais em face da Constituição Estadual
(...)".
Assim, em regra, quando o
Tribunal de Justiça julga uma ADI proposta contra lei ou ato normativo estadual
ou municipal, ele deverá analisar se esta lei ou ato normativo viola ou não
algum dispositivo da Constituição Estadual.
Quando o TJ julga uma ADI contra
lei estadual ou municipal, ele poderá declará-la inconstitucional sob o
argumento de que viola um dispositivo da Constituição Federal?
Em regra, não. Isso porque, como
vimos acima, o parâmetro da ADI proposta perante o TJ é a Constituição Estadual
(e não a Constituição Federal).
Assim, em regra, na ADI estadual,
o TJ irá analisar se a lei ou ato normativo atacado viola ou não a Constituição
Estadual. Este é o parâmetro da ação. O TJ não pode examinar se o ato impugnado
ofende a Constituição Federal. O STF, em reiteradas oportunidades, já decidiu
sobre o tema:
Não cabe a tribunais de
justiça estaduais exercer o controle de constitucionalidade de leis e demais
atos normativos municipais em face da Constituição Federal.
STF. Plenário. ADI 347,
Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgado em 20/09/2006.
Logo, o TJ não pode dizer o
seguinte: julgo a presente representação de inconstitucionalidade porque a Lei
municipal XX/2015 viola o art. YY da Constituição Federal de 1988.
Exceção
A regra acima exposta comporta
uma exceção.
Os Tribunais de Justiça, ao julgarem
a representação de inconstitucionalidade proposta contra lei municipal, poderão
declará-la inconstitucional utilizando como parâmetro dispositivos da
Constituição Federal, desde que eles sejam normas de
reprodução obrigatória pelos Estados.
Normas de reprodução obrigatória
Normas de reprodução obrigatória são
dispositivos da Constituição Federal de 1988 que, como o próprio nome indica,
devem ser repetidos nas Constituições Estaduais.
As normas de reprodução obrigatória
são também chamadas de "normas de observância obrigatória" ou "normas
centrais".
Importante esclarecer que, se uma
norma é de reprodução obrigatória, considera-se que ela está presente na
Constituição Estadual mesmo que a Carta estadual seja silente. Ex: a CF/88
prevê que os Municípios são autônomos (art. 18). Trata-se de norma de
reprodução obrigatória. Isso significa que, mesmo se a Constituição Estadual
não disser que os Municípios são autônomos, ainda assim considera-se que essa
regra está presente na Carta Estadual.
Confira a explicação do Ministro
Luis Roberto Barroso, para quem normas de reprodução obrigatória são:
"as
disposições da Carta da República que, por pré-ordenarem diretamente a
organização dos Estados-membros, do Distrito Federal e/ou dos Municípios,
ingressam automaticamente nas ordens jurídicas parciais editadas por esses
entes federativos. Essa entrada pode ocorrer, seja pela repetição textual do
texto federal, seja pelo silêncio dos constituintes locais – afinal, se sua
absorção é compulsória, não há qualquer discricionariedade na sua incorporação
pelo ordenamento local." (Rcl 17954 AgR/PR).
Não existe um artigo da
Constituição Federal que diga quais são as normas de reprodução obrigatória.
Isso foi uma "construção" da jurisprudência do STF, ou seja, em
diversos julgados o Tribunal foi mencionando quais as normas seriam de
reprodução obrigatória.
Como exemplos de normas de
reprodução obrigatória podemos citar as regras da Constituição Federal que
tratam sobre organização político-administrativa, competências, separação dos
Poderes, servidores públicos, processo legislativo, entre outras.
Veja a importante lição de
Marcelo Novelino sobre o tema:
"(...) Diversamente
da Carta anterior, que as relacionava expressamente (CF/1967-1969, art. 13, I,
III e IX), na Constituição de 1988 as normas
de observância obrigatória não foram elencadas de forma textual. Adotou-se
uma formulação genérica que, embora teoricamente conferira maior liberdade de
auto-organização aos Estados-membros, cria o risco de possibilitar
interpretações excessivamente amplas na identificação de tais normas. (...)
(...)
As normas de
observância obrigatória são diferenciadas em três espécies. Os princípios constitucionais sensíveis
representam a essência da organização constitucional da federação brasileira e
estabelecem limites à autonomia organizatória dos Estados-membros (CF, art. 34,
VII). Os princípios constitucionais
extensíveis consagram normas organizatórias para a União que se estendem
aos Estados, por previsão constitucional expressa (CF, arts. 28 e 75) ou
implícita (CF, art. 58, § 3.°; arts. 59 e ss.). Os princípios constitucionais estabelecidos restringem a capacidade
organizatória dos Estados federados por meio de limitações expressas (CF, art.
37) ou implícitas (CF, art. 21)." (NOVELINO, Marcelo. Curso de Direito Constitucional. Salvador: Juspdodivm, 2015, p.
82).
Resumindo:
·
Em regra, quando os Tribunais de Justiça exercem
controle abstrato de constitucionalidade de leis municipais deverão examinar a
validade dessas leis à luz da Constituição Estadual.
·
Exceção: os Tribunais de Justiça podem exercer
controle abstrato de constitucionalidade de leis municipais utilizando como
parâmetro normas da Constituição Federal, desde que se trate de normas de reprodução
obrigatória pelos Estados.
Exemplos da exceção:
Ex1: Município do Paraná aprovou
lei tratando sobre direito do trabalho; foi proposta uma ADI estadual no TJ
contra esta lei; o TJ poderá julgar a lei inconstitucional alegando que ela
viola o art. 22, I, da CF/88 (mesmo que a Constituição do Estado não tenha
regra semelhante); isso porque essa regra de competência legislativa é
considerada como norma de reprodução obrigatória. Nesse sentido: STF. 1ª Turma.
Rcl 17954 AgR, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 21/10/2016.
Ex2: Município do Rio Grande do
Sul editou lei criando gratificação para o Prefeito fora do regime de subsídio,
o que violaria o art. 39, § 4º, da CF/88; o TJ/RS poderá julgar a lei municipal
inconstitucional utilizando como parâmetro este dispositivo da Constituição
Federal; isso porque a regra sobre o subsídio para membros de Poder e
detentores de mandato eletivo é considerada norma de reprodução obrigatória.
Nesse sentido: STF. Plenário. Rel. originário Min. Marco Aurélio, Rel. para
acórdão Min. Roberto Barroso, julgado em 01/02/2017 (repercussão geral).
Tese fixada pelo STF
O tema acima exposto foi
enfrentado pelo STF em um recurso extraordinário julgado sob a sistemática da
repercussão geral, tendo sido fixada a seguinte tese:
Tribunais de Justiça podem exercer controle abstrato de
constitucionalidade de leis municipais utilizando como parâmetro normas da
Constituição Federal, desde que se trate de normas de reprodução obrigatória
pelos estados.
STF. RE 650898-RS, Plenário. Rel.
originário Min. Marco Aurélio, Rel. para acórdão Min. Roberto Barroso, julgado
em 01/02/2017 (repercussão geral).
Obs: a tese acima fala em
"leis municipais", mas ela também pode ser aplicada para representações
de inconstitucionalidade propostas no TJ contra "leis estaduais". A
tese falou apenas de leis municipais porque foi o caso analisado no recurso
extraordinário.
Recurso
Vale destacar uma última
informação muito importante: se a representação de inconstitucionalidade
sustentar que a norma apontada como violada (parâmetro) é uma norma de
reprodução obrigatória, então, neste caso, caberá recurso extraordinário para o
STF contra a decisão do TJ.
Sobre o tema:
(...) Tratando-se de ação
direta de inconstitucionalidade da competência do Tribunal de Justiça local –
lei estadual ou municipal em face da Constituição estadual –, somente é
admissível o recurso extraordinário diante de questão que envolva norma da
Constituição Federal de reprodução obrigatória na Constituição estadual. (...)
STF. 2ª Turma. RE 246903
AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 26/11/2013.
Desse modo, Tribunais de Justiça
podem exercer controle abstrato de constitucionalidade de leis municipais
utilizando como parâmetro normas da Constituição Federal, desde que se trate de
normas de reprodução obrigatória pelos Estados. Contra esta decisão, cabe
recurso extraordinário.
Vale ressaltar que a decisão do
STF neste recurso extraordinário terá eficácia erga omnes porque foi proferida em um processo objetivo de controle
de constitucionalidade.