Dizer o Direito

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

Entenda o debate jurídico que envolveu a candidatura de Rodrigo Maia à Presidência da Câmara dos Deputados



Histórico dos fatos
O ex-Deputado Federal Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que já estava afastado provisoriamente por decisão do STF, renunciou ao cargo de Presidente da Câmara dos Deputados em 07/07/2016.
Com isso, assumiu a função de Presidente interino o então Vice-Presidente, Deputado Federal Waldir Maranhão (PP-MA).
Faltavam apenas alguns meses para o término do mandato de Eduardo Cunha e, por isso, Waldir Maranhão convocou nova eleição para que o eleito completasse o restante do mandato.
A nova eleição foi realizada em 14/07/2016, tendo o Deputado Federal Rodrigo Maia (DEM-RJ) vencido o pleito, sendo eleito Presidente da Câmara para ocupar um mandato suplementar ("mandato tampão") de seis meses, ou seja, apenas para completar o período remanescente do biênio fevereiro/2015-janeiro/2017 (tempo de duração do mandato de Cunha, caso ele não tivesse renunciado).

MS contra a candidatura de Rodrigo Maia
À medida que foi chegando próximo do fim do mandato tampão, começaram a surgir rumores de que Rodrigo Maia iria concorrer à nova eleição marcada para o dia 02/02/2017.
Diante disso, diversos Deputados ingressaram com mandados de segurança pedindo que o STF impedisse a candidatura de Maia para um novo mandato de Presidente da Câmara.
Para os impetrantes, a eleição de Maia violaria o § 4º do art. 57 da CF/88:
Art. 57 (...)
§ 4º Cada uma das Casas reunir-se-á em sessões preparatórias, a partir de 1º de fevereiro, no primeiro ano da legislatura, para a posse de seus membros e eleição das respectivas Mesas, para mandato de 2 (dois) anos, vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente.

Desse modo, segundo este dispositivo, é terminantemente proibida a recondução do Presidente da Câmara para o mesmo cargo (Presidente da Câmara) na eleição imediatamente subsequente.

A questão foi analisada, de forma liminar e monocrática, pelo Relator Celso de Mello. O Ministro concordou com os argumentos da ação e suspendeu a eleição de Rodrigo Maia?
NÃO. No dia de hoje (01/02/2017) o Ministro Celso de Mello rejeitou o pedido de liminar formulado nas ações propostas e, com isso, permitiu a candidatura de Rodrigo Maia para um novo mandato de Presidente da Câmara.

Vedação do art. 57, § 4º da CF não se aplica para quem estava exercendo mandato tampão
O principal argumento invocado pelo Ministro Celso de Mello foi o de que a vedação do art. 57, § 4º da CF/88 não se aplica para quem estava exercendo mandato tampão de Presidente da Câmara ou do Senado.
Assim, se o Deputado estava como Presidente da Câmara apenas para cumprir um mandato residual em virtude de morte, renúncia ou cassação do Presidente eleito originariamente, então, neste caso, ele poderia concorrer normalmente para a mesma função na eleição seguinte da Mesa Diretora.

Inexistência de vedação expressa e deferência às decisões políticas da Casa
O art. 57, § 4º não proíbe de forma explícita a reeleição do Presidente da Câmara ou do Senado que está apenas cumprindo mandato-tampão.
Diante da ausência de vedação expressa, o STF deverá permitir que prevaleça a decisão produzida nas instâncias políticas, até como uma forma de autocontenção. Em outras palavras, como a Constituição Federal não proibiu de forma explícita, o Poder Judiciário deverá evitar se intrometer nos assuntos internos da Câmara dos Deputados, deixando que os próprios parlamentares decidam sobre a melhor interpretação do texto, neste caso.

Na época em que era advogado, o hoje Ministro Luis Roberto Barroso exarou um parecer no qual defendeu justamente esta tese. Este parecer foi fartamente citado no voto do Ministro Celso de Mello. Veja alguns trechos:
“O art. 57, § 4º da Constituição Federal não é explícito acerca da possibilidade ou não da reeleição de quem tenha sido eleito para completar o mandato de Presidente que renunciou. Do relato da norma, é possível afirmar que ambas as interpretações são plausíveis e razoáveis. (…)
A matéria em discussão não envolve princípio fundamental do Estado brasileiro, não cuida de aspecto essencial para o funcionamento do regime democrático nem tampouco interfere com direitos fundamentais da cidadania. Isso significa que ela está mais próxima do universo das escolhas políticas do que da interpretação constitucional.
Diante das premissas estabelecidas – existência de mais de uma interpretação plausível e não fundamentalidade da norma –, é razoável supor que o Supremo Tribunal Federal, na linha de sua jurisprudência tradicional, deverá ser deferente para com a decisão política tomada pela Casa Legislativa.
(...)
Em face das premissas alinhavadas acima, é possível extrair algumas consequências. Não será incompatível com o art. 57, § 4º da Constituição a interpretação que considere possível ao Presidente do Senado, eleito para completar mandato anterior, candidatar-se a um mandato autônomo. Não se trata, contudo, de uma imposição direta do texto constitucional. Cuida-se, afinal, de um espaço de decisão política aberto pela Constituição. Não custa lembrar que a Carta funciona como um código mínimo de regulação da vida política, mas não esgota necessariamente todas as questões possíveis. Ao contrário, o normal e desejável é que as Constituições estabeleçam princípios básicos, em cujos limites as maiorias de cada tempo terão liberdade de conformação, respeitados os direitos das minorias.
Em casos como o presente, em que a Constituição admite duas interpretações possíveis, o normal é que prevaleça a decisão produzida nas instâncias políticas. O Senado Federal, inclusive, já exerceu essa competência ao definir, sobre a interpretação do mesmo art. 57, § 4º, que os eleitos para a composição da Mesa Diretora no segundo biênio da legislatura não ficam impedidos de concorrer aos mesmos cargos na eleição seguinte, uma vez que o funcionamento congressual seria segmentado em legislaturas. Em se tratando de questão afeta ao funcionamento do Congresso Nacional, a solução constitucionalmente adequada será privilegiar a interpretação conferida à norma pela própria Casa Legislativa, em respeito à sua independência orgânica. O STF, tradicionalmente, reconhece a primazia das Casas na resolução de questões ‘interna corporis’, respeitadas as balizas constitucionais. A hipótese de que se trata parece se inserir nesse contexto.”

O Prof. Heleno Taveira Torres também exarou um parecer sobre o tema defendendo que o § 4º do art. 57 não proíbe que o Deputado Federal que ocupa o cargo de Presidente da Câmara em mandato-tampão concorra novamente para o cargo de Presidente. Confira:
“Em conformidade com os valores democráticos, dentre outros, o princípio da igualdade, é normal e legítima a candidatura ao cargo de presidente da Câmara por qualquer membro eleito e empossado como deputado federal, do que só se excetua a candidatura para o mesmo cargo da Mesa por membro eleito no primeiro ano da legislatura para mandato de dois anos (artigo 57, parágrafo 4º da Constituição Federal).
(...)
A aplicação do parágrafo 4º do artigo 57 da CF está condicionada a pressupostos fáticos bem objetivos. Ora, o presidente atual não compunha a Mesa Diretora na condição de presidente (mesmo cargo), não exercia mandato de dois anos e não foi eleito no primeiro ano da legislatura. Logo, como normas de proibição não admitem analogia, qualquer tentativa de impedir sua candidatura resulta em puro arbítrio.
É matéria tipicamente ‘interna corporis’, estranha ao artigo 57, parágrafo 4º da Constituição Federal e de competência do Regimento Interno da Câmara dos Deputados (RICD)."

Assim, em tais situações, o Poder Judiciário deverá mostrar-se deferente (e respeitoso) para com as escolhas políticas adotadas pela instância parlamentar como forma de se respeitar a divisão dos poderes.

Falta de plausibilidade jurídica para deferir a liminar
Por conta desses argumentos, o Ministro Celso de Mello entendeu que não havia plausibilidade jurídica para que fosse deferida a liminar nos mandados de segurança impetrados contra a eleição de Rodrigo Maia.

Observações finais
A decisão acima foi proferida ainda de forma monocrática e liminar. No entanto, pelos argumentos expostos e pelo peso do Ministro Relator, é provável que o colegiado também siga o mesmo entendimento.
A eleição para Presidente da Câmara está marcada para amanhã (02/02 - quinta-feira), sendo o Deputado Rodrigo Maia o franco favorito para vencê-la.


Processos: 
MS 34602, MS 34603, MS 34574 e MS 34599.



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