Dizer o Direito

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

Agente que pratica delitos da Lei de Drogas envolvendo criança ou adolescente responde também por corrupção de menores?



DELITO ENVOLVENDO MENOR DE 18 ANOS E CONCURSO COM CORRUPÇÃO DE MENORES

Imagine a seguinte situação hipotética:
João (com 20 anos de idade) e Maikon (com 16 anos), mediante grave ameaça, subtraem a carteira de uma vítima.
Vale ressaltar que, antes desse evento, Maikon já respondia a cinco ações socioeducativas pela participação em outros atos infracionais equiparados a roubo.
O Promotor de Justiça oferece denúncia contra João pela prática de dois crimes em concurso:
• Roubo circunstanciado (art. 157, § 2º, II, do CP); e
• Corrupção de menores (art. 244-B do ECA).

Veja os dispositivos legais:
Art. 157. Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência:
Pena - reclusão, de quatro a dez anos, e multa.
(...)
§ 2º - A pena aumenta-se de um terço até metade:
II - se há o concurso de duas ou mais pessoas;

Art. 244-B. Corromper ou facilitar a corrupção de menor de 18 (dezoito) anos, com ele praticando infração penal ou induzindo-o a praticá-la:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos.

Agiu corretamente o Ministério Público? O agente que utiliza uma criança ou adolescente para a prática de crime poderá responder pelo delito praticado em concurso com a corrupção de menores?
SIM.

A defesa de João pediu a sua absolvição quanto ao delito do art. 244-B do ECA, argumentando que o tipo penal fala em “corromper” menor de 18 anos. No entanto, no caso concreto, o adolescente já estaria “corrompido”, considerando que tinha participado de outros atos infracionais equiparados a crime (era infrator contumaz). Logo, disse o advogado, não foi o réu (João) quem corrompeu o menor. A tese defensiva é aceita pela jurisprudência?
NÃO. A configuração do crime previsto no artigo 244-B do Estatuto da Criança e do Adolescente independe da prova da efetiva corrupção do menor, por se tratar de delito formal (Súmula 500 do STJ). Assim, pouco importa se houve ou não a corrupção efetiva do menor.


CRIMES DA LEI DE DROGAS ENVOLVENDO MENOR DE 18 ANOS E INEXISTÊNCIA DE CORRUPÇÃO DE MENORES

Imagine agora a seguinte situação hipotética:
Pedro, conhecido traficante do bairro, convenceu Lucas (17 anos) a entregar, de bicicleta, 100g de cocaína na casa de Maurício, que havia encomendado a droga do traficante.
Pedro foi denunciado pela prática de dois crimes em concurso:
• Tráfico de drogas (art. 33 c/c art. 40, VI, da Lei nº 11.343/2006); e
• Corrupção de menores (art. 244-B do ECA).

Relembre a redação da Lei de Drogas:
Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.

Art. 40. As penas previstas nos arts. 33 a 37 desta Lei são aumentadas de um sexto a dois terços, se:
(...)
VI - sua prática envolver ou visar a atingir criança ou adolescente ou a quem tenha, por qualquer motivo, diminuída ou suprimida a capacidade de entendimento e determinação;

Agiu corretamente o Ministério Público? O agente que utiliza uma criança ou adolescente para a prática do crime do art. 33 da Lei nº 11.343/2006 poderá responder pelo tráfico praticado em concurso com a corrupção de menores?
NÃO. Não cabe concurso neste caso porque senão haveria bis in idem.
Quando o agente envolve uma criança ou adolescente na prática de:
·       tráfico de drogas (art. 33);
·       tráfico de maquinários para drogas (art. 34);
·       associação para o tráfico (art. 35);
·       financiamento do tráfico (art. 36); ou
·       informante do tráfico (art. 37).

... o legislador estabeleceu que ele deverá responder pelo crime praticado com a pena aumentada de 1/6 a 2/3 pelo fato de ter se utilizado de um menor de 18 anos para o cometimento do delito. Isso foi previsto expressamente no art. 40, VI, da Lei nº 11.343/2006.

Se o julgador, além de aplicar a causa de aumento do art. 40, VI, da Lei de Drogas, condenar o réu também pela prática do crime de corrupção de menores (art. 244-B do ECA), estará punindo duas vezes o agente pela mesma circunstância (utilizar menor de 18 anos na prática de um crime).

Qual deverá ser a imputação neste caso?
O agente responderá apenas pelo crime previsto na Lei de Drogas com a causa de aumento do art. 40, VI.
Em nosso exemplo, Pedro responderia apenas pelo art. 33 c/c art. 40, VI, da Lei nº 11.343/2006.

Por que o art. 244-B do ECA deverá ser afastado?
Como vimos acima, o juiz não pode aplicar o art. 40, VI, da LD e também o art. 244-B do ECA porque estaria punindo duas vezes o réu pela mesma circunstância. Logo, só uma delas deverá prevalecer. No caso, deverá incidir o art. 40, VI, por ser esta previsão específica para os crimes envolvendo drogas. Assim, prevalece o art. 40, VI, em atenção ao princípio da especialidade.

Resumindo:
• Réu praticou arts. 33, 34, 35, 36 ou 37 da LD envolvendo menor de 18 anos: ele não responderá também pelo art. 244-B do ECA. Isso porque o fato de haver criança ou adolescente é punido pelo art. 40, VI, da LD
• Réu praticou outro crime que não seja dos arts. 33 a 37 da LD envolvendo menor de 18 anos: ele responderá pelo crime praticado e mais por corrupção de menores (art. 244-B do ECA).

Na hipótese de o delito praticado pelo agente e pelo menor de 18 anos não estar previsto nos arts. 33 a 37 da Lei de Drogas, o réu poderá ser condenado pelo crime de corrupção de menores, porém, se a conduta estiver tipificada em um desses artigos (33 a 37), não será possível a condenação por aquele delito, mas apenas a majoração da sua pena com base no art. 40, VI, da Lei nº 11.343/2006.
STJ. 6ª Turma. REsp 1.622.781-MT, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 22/11/2016 (Info 595).



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