DELITO ENVOLVENDO MENOR DE 18 ANOS E CONCURSO COM CORRUPÇÃO DE MENORES
Imagine a seguinte situação
hipotética:
João (com 20 anos de idade) e
Maikon (com 16 anos), mediante grave ameaça, subtraem a carteira de uma vítima.
Vale ressaltar que, antes desse
evento, Maikon já respondia a cinco ações socioeducativas pela participação em
outros atos infracionais equiparados a roubo.
O Promotor de Justiça oferece
denúncia contra João pela prática de dois crimes em concurso:
• Roubo circunstanciado (art.
157, § 2º, II, do CP); e
• Corrupção de menores (art.
244-B do ECA).
Veja os dispositivos legais:
Art. 157. Subtrair coisa
móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a
pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de
resistência:
Pena - reclusão, de quatro
a dez anos, e multa.
(...)
§ 2º - A pena aumenta-se
de um terço até metade:
II - se há o concurso de
duas ou mais pessoas;
Art. 244-B. Corromper ou
facilitar a corrupção de menor de 18 (dezoito) anos, com ele praticando
infração penal ou induzindo-o a praticá-la:
Pena - reclusão, de 1 (um)
a 4 (quatro) anos.
Agiu corretamente o Ministério
Público? O agente que utiliza uma criança ou adolescente para a prática de
crime poderá responder pelo delito praticado em concurso com a corrupção de
menores?
SIM.
A defesa de João pediu a sua absolvição
quanto ao delito do art. 244-B do ECA, argumentando que o tipo penal fala em
“corromper” menor de 18 anos. No entanto, no caso concreto, o adolescente já
estaria “corrompido”, considerando que tinha participado de outros atos
infracionais equiparados a crime (era infrator contumaz). Logo, disse o
advogado, não foi o réu (João) quem corrompeu o menor. A tese defensiva é
aceita pela jurisprudência?
NÃO. A configuração do crime
previsto no artigo 244-B do Estatuto da Criança e do Adolescente independe da
prova da efetiva corrupção do menor, por se tratar de delito formal (Súmula 500
do STJ). Assim, pouco importa se houve ou não a corrupção efetiva do menor.
CRIMES DA LEI DE DROGAS ENVOLVENDO
MENOR DE 18 ANOS E INEXISTÊNCIA DE CORRUPÇÃO DE MENORES
Imagine agora a seguinte situação
hipotética:
Pedro, conhecido traficante do
bairro, convenceu Lucas (17 anos) a entregar, de bicicleta, 100g de cocaína na
casa de Maurício, que havia encomendado a droga do traficante.
Pedro foi denunciado pela prática
de dois crimes em concurso:
• Tráfico de drogas (art. 33 c/c
art. 40, VI, da Lei nº 11.343/2006); e
• Corrupção de menores (art.
244-B do ECA).
Relembre a redação da Lei de
Drogas:
Art. 33. Importar,
exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à
venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar,
prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que
gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou
regulamentar:
Pena - reclusão de 5
(cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e
quinhentos) dias-multa.
Art. 40. As penas
previstas nos arts. 33 a 37 desta Lei são aumentadas de um sexto a dois terços,
se:
(...)
VI - sua prática envolver
ou visar a atingir criança ou adolescente ou a quem tenha, por qualquer motivo,
diminuída ou suprimida a capacidade de entendimento e determinação;
Agiu corretamente o Ministério
Público? O agente que utiliza uma criança ou adolescente para a prática do
crime do art. 33 da Lei nº 11.343/2006 poderá responder pelo tráfico praticado
em concurso com a corrupção de menores?
NÃO. Não cabe concurso neste caso
porque senão haveria bis in idem.
Quando o agente envolve uma
criança ou adolescente na prática de:
·
tráfico de drogas (art. 33);
·
tráfico de maquinários para drogas (art. 34);
·
associação para o tráfico (art. 35);
·
financiamento do tráfico (art. 36); ou
·
informante do tráfico (art. 37).
... o legislador estabeleceu que
ele deverá responder pelo crime praticado com a pena aumentada de 1/6 a 2/3
pelo fato de ter se utilizado de um menor de 18 anos para o cometimento do
delito. Isso foi previsto expressamente no art. 40, VI, da Lei nº 11.343/2006.
Se o julgador, além de aplicar a
causa de aumento do art. 40, VI, da Lei de Drogas, condenar o réu também pela
prática do crime de corrupção de menores (art. 244-B do ECA), estará punindo
duas vezes o agente pela mesma circunstância (utilizar menor de 18 anos na
prática de um crime).
Qual deverá ser a imputação neste
caso?
O agente responderá apenas pelo
crime previsto na Lei de Drogas com a causa de aumento do art. 40, VI.
Em nosso exemplo, Pedro
responderia apenas pelo art. 33 c/c art. 40, VI, da Lei nº 11.343/2006.
Por que o art. 244-B do ECA
deverá ser afastado?
Como vimos acima, o juiz não pode
aplicar o art. 40, VI, da LD e também o art. 244-B do ECA porque estaria
punindo duas vezes o réu pela mesma circunstância. Logo, só uma delas deverá
prevalecer. No caso, deverá incidir o art. 40, VI, por ser esta previsão
específica para os crimes envolvendo drogas. Assim, prevalece o art. 40, VI, em
atenção ao princípio da especialidade.
Resumindo:
• Réu praticou arts. 33, 34, 35,
36 ou 37 da LD envolvendo menor de 18 anos: ele não responderá também pelo art.
244-B do ECA. Isso porque o fato de haver criança ou adolescente é punido pelo
art. 40, VI, da LD
• Réu praticou outro crime que
não seja dos arts. 33 a 37 da LD envolvendo menor de 18 anos: ele responderá
pelo crime praticado e mais por corrupção de menores (art. 244-B do ECA).
Na hipótese de o delito praticado pelo agente e pelo menor de 18 anos
não estar previsto nos arts. 33 a 37 da Lei de Drogas, o réu poderá ser
condenado pelo crime de corrupção de menores, porém, se a conduta estiver
tipificada em um desses artigos (33 a 37), não será possível a condenação por
aquele delito, mas apenas a majoração da sua pena com base no art. 40, VI, da
Lei nº 11.343/2006.
STJ. 6ª Turma. REsp
1.622.781-MT, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 22/11/2016 (Info
595).