Dizer o Direito

sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

Novo salário mínimo é de 937 reais. Entenda por que ele foi estabelecido por meio de decreto


Olá amigos do Dizer o Direito,

O Governo Federal já estabeleceu o valor do novo salário mínimo válido a partir de 1º de janeiro de 2017: 937,00 (novecentos e trinta e sete reais), segundo o Decreto 8.948/2016. Isso representa um reajuste de 6,47% em relação ao salário mínimo anterior (R$ 880,00).

Por que a fixação do valor do salário mínimo nos últimos anos não gera mais grandes debates, discursos e polêmicas no Congresso Nacional?

Porque o salário mínimo, desde 2012, é estabelecido por meio de um simples decreto presidencial e não por lei em sentido formal. Desse modo, não houve votação do novo valor entre os deputados e senadores.

E o salário mínimo pode ser estabelecido por decreto?

Vejamos o que diz a Constituição Federal:
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
(...)
IV - salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim; (grifou-se)

Desse modo, o art. 7º, IV, da CF/88 prevê que o salário mínimo deve ser estipulado por lei (em sentido formal, estrito).

Ocorre que, em 25 de fevereiro de 2011, foi publicada a Lei 12.382 por meio da qual foram previstos critérios para a fixação do salário mínimo nos anos de 2012, 2013, 2014 e 2015.

Em 2015, por sua vez, foi editada a Lei 13.152/2015, por meio da qual foram novamente fixados critérios para a estipulação do salário mínimo por meio de simples Decreto nos anos de 2016, 2017, 2018 e 2019.

Preconiza o art. 1º da mencionada Lei:

Art. 1º São estabelecidas as diretrizes a vigorar entre 2016 e 2019, inclusive, a serem aplicadas em 1º de janeiro do respectivo ano, para:
I - a política de valorização do salário-mínimo; e
(...)
§ 1º Os reajustes para a preservação do poder aquisitivo do salário-mínimo corresponderão à variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), calculado e divulgado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), acumulada nos 12 (doze) meses anteriores ao mês do reajuste.

§ 4º A título de aumento real, serão aplicados os seguintes percentuais:

I - em 2016, será aplicado o percentual equivalente à taxa de crescimento real do Produto Interno Bruto (PIB), apurada pelo IBGE, para o ano de 2014;

II - em 2017, será aplicado o percentual equivalente à taxa de crescimento real do PIB, apurada pelo IBGE, para o ano de 2015;

III - em 2018, será aplicado o percentual equivalente à taxa de crescimento real do PIB, apurada pelo IBGE, para o ano de 2016; e

IV - em 2019, será aplicado o percentual equivalente à taxa de crescimento real do PIB, apurada pelo IBGE, para o ano de 2017.

Desse modo, a fixação do salário mínimo, pelo menos até 2019, será feita mediante a aplicação da seguinte fórmula:
Salário mínimo atual + variação do INPC + taxa de crescimento real do PIB no ano anterior.

A Lei prevê ainda que os reajustes e aumentos fixados segundo esta fórmula serão estabelecidos pelo Poder Executivo, por meio de decreto.

Essa forma de estipulação é constitucional ou seria uma burla ao art. 7º, IV da CF/88?

O STF decidiu que é constitucional

Tal sistemática de instituição do salário mínimo foi questionada no Supremo por meio da ADI 4568/DF e a Corte julgou improcedente o pedido, entendendo que não há qualquer inconstitucionalidade nesta previsão.

Os argumentos mencionados no julgamento pela Min. Cármen Lúcia, Relatora, foram, em síntese, os seguintes:
a) A Lei 12.382/2011 contém a definição legal e formal do salário mínimo, a fixação do seu montante em 2011 e a forma de sua valorização, no sentido de sua quantificação para períodos subsequentes (até 2015).
b) Essa Lei adotou critérios objetivos para valer no intervalo de 2012 a 2015, segundo índices estipulados pelo Congresso Nacional (variação do INPC, calculado e divulgado pelo IBGE, acumulada nos 12 meses anteriores ao mês do reajuste).
c) O legislador determinou que, na ausência de divulgação do INPC os índices serão estimados pelo Poder Executivo com base em parâmetros definidos na lei.
d) Ao assim estatuir, o legislador retirou do Presidente da República qualquer discricionariedade relativa à fórmula para apuração do quantum a ser adotado, bem como no que concerne à possibilidade de revisão ou de compensação de supostos resíduos.
e) Salientou-se, ainda, que o legislador estatuíra que o valor a prevalecer no lapso de 2012 a 2015 seria o valor do salário mínimo válido em 2011 mais o reajustamento conforme índice do INPC, prevendo aumento real a ser conferido segundo o PIB. Diante desse contexto, rejeitou-se o argumento de que a lei conteria delegação para que o Presidente da República fixasse o valor do salário mínimo.
f) Reiterou-se que haveria mera aplicação aritmética dos índices, fórmulas e periodicidade fixados pelo Congresso Nacional, a serem expostos por decreto presidencial, que não inovaria a ordem jurídica, sob pena de abuso do poder regulamentar, passível de fiscalização e controle pela via legislativa ou judicial.
g) Dessa forma, frisou-se que a lei impusera ao Chefe do Poder Executivo apenas a divulgação do montante do salário mínimo, obtido pelo valor reajustado e aumentado consoante os índices fixados pelo Congresso Nacional na própria lei adversada.
h) Advertiu-se que, ainda que se retirasse do mundo jurídico a referência ao modo de se decretar a divulgação do quanto a vigorar como salário mínimo no interregno estipulado — mediante incidência dos índices dispostos no art. 2º da Lei 12.382/2011 —, isso não implicaria mudança na fixação de seu valor, que continuaria a ser o mesmo.
i)  Ademais, mencionou-se que o Congresso Nacional poderia revogar a lei quando entendesse conveniente e oportuno, sem interferência do Poder Executivo.
j) O Min. Luiz Fux acrescentou que a espécie caracterizaria o fenômeno da deslegalização.

Ficaram vencidos os Ministros Ayres Britto e Marco Aurélio, que julgavam o pleito procedente ao fundamento de que a fixação do salário mínimo deveria ser feita por lei em sentido formal e material.

O Min. Marco Aurélio enfatizou que os parâmetros determinados na lei e projetados no tempo ocasionariam automaticidade, engessamento incompatível com a mobilidade encerrada no art. 7º, IV, da CF, bem como transferência a outro Poder do que a Constituição outorgara ao Congresso Nacional.

O Min. Ayres Britto afirmou que, ao se agregar ao salário mínimo vigente aumento ou reajuste, estabelecer-se-ia um novo salário e o precedente morreria, de maneira que passaria a vigorar um outro salário mínimo, o qual não poderia ser estatuído pelo Presidente da República, em sub-rogação da competência exclusiva do Congresso de quantificar, de monetarizar o salário mínimo, atualizando-o anualmente.

A ação mencionada é a ADI 4568/DF, rel. Min. Cármen Lúcia, julgada em 3.11.2011.



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