Imagine a seguinte situação
hipotética:
Determinado Município do interior
queria fazer a festa de carnaval da cidade. Para isso, contratou, mediante
licitação, uma empresa privada produtora de eventos.
A empresa realizou a festa de
carnaval da cidade, que teve a participação de algumas bandas musicais.
Diante disso, o Escritório
Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD) ajuizou ação de cobrança contra o Município
alegando que não foram pagos os valores relativos aos direitos autorais das
músicas executadas durante a festa.
Em resposta, o Município alegou
que:
1) o evento era público, na rua,
e que não havia intuito de lucro; logo, não seria possível a cobrança de direitos
autorais.
2) foi contratada uma empresa privada
para a realização de todo o evento, tendo ela recebido para isso; desse modo,
ela é que seria responsável pelo pagamento dos direitos autorais, caso se
considere que estes são devidos.
1) O ECAD poderia cobrar direitos
autorais relacionados com a realização deste evento?
SIM.
É possível a cobrança de direitos
autorais, pelo ECAD, na hipótese de execução de obras musicais protegidas em eventos realizados por entes
públicos, independentemente da existência de fins lucrativos.
A utilização de obras musicais em
espetáculos carnavalescos gratuitos promovidos pela municipalidade enseja a
cobrança de direitos autorais à luz da Lei nº 9.610/98, que não mais está
condicionada à auferição de lucro direto ou indireto pelo ente promotor do evento.
STJ. 3ª Turma. REsp
1.444.957-MG, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 9/8/2016 (Info
588).
A Lei nº 9.610/98 (Lei de
Direitos Autorais), em regra, não exige que o evento tenha finalidade lucrativa
(direta ou indireta) para que seja obrigatório o pagamento dos direitos
autorais. Em outras palavras, em regra, mesmo que a exibição da obra não tenha
objetivo de lucro, ainda assim é devido o pagamento da retribuição autoral.
O fato gerador do pagamento dos
direitos autorais é a exibição pública da obra artística, em local de
frequência coletiva.
2) Em princípio, a
responsabilidade pelo pagamento dos direitos autorais era do Município?
NÃO.
Se o Município contratou, mediante licitação, uma empresa para a
realização do evento, será dela a responsabilidade pelo pagamento dos direitos
autorais.
Exceções: esta responsabilidade poderá ser transferida para o Município
em duas hipóteses:
1) se ficar demonstrado que o Poder Público colaborou direta ou
indiretamente para a execução do espetáculo; ou
2) se ficar comprovado que o Município teve culpa em seu dever de
fiscalizar o cumprimento do contrato público (culpa in eligendo ou in vigilando).
STJ. 3ª Turma. REsp
1.444.957-MG, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 9/8/2016 (Info
588).
Por que o dever de pagar os
direitos autorais é da empresa contratada para realizar o evento?
De acordo com o § 4º do art. 68
da Lei nº 9.610/98, antes da realização do evento em que haverá a execução
pública de obras musicais, o "empresário" deve apresentar ao ECAD a
comprovação dos recolhimentos relativos aos direitos autorais. Se houver o
descumprimento desta obrigação, cabe ao ECAD cobrar a dívida, judicial ou
extrajudicialmente.
Desse modo, quando o § 4º do art.
68 fala em "empresário", entende-se a pessoa responsável pela
realização do evento.
E qual é o fundamento para não se
cobrar, a princípio, do Município?
O fundamento para esta conclusão
encontra-se no art. 71 da Lei nº 8.666/93:
Art. 71. O contratado é
responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais
resultantes da execução do contrato.
§ 1º A inadimplência do contratado, com referência aos encargos
trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à Administração Pública a
responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou
restringir a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o
Registro de Imóveis.
§ 2º A Administração
Pública responde solidariamente com o contratado pelos encargos previdenciários
resultantes da execução do contrato, nos termos do art. 31 da Lei nº 8.212, de
24 de julho de 1991.
A doutrina assevera ao comentar o
tema:
"(...) quando a
Administração contrata e paga a empresa ou o profissional para o fornecimento
de bens, para a prestação de serviços ou para a execução de obras, ela
transfere ao contratado toda e qualquer responsabilidade pelos encargos
decorrentes da execução do contrato. Ao ser apresentada a proposta pelo
licitante, ele, portanto, irá fazer incluir em seu preço todos os encargos, de
toda e qualquer natureza.
Desse modo, quando o poder
público paga ao contratado o valor da remuneração pela execução de sua parte na
avença, todos os encargos assumidos pelo contratado estão sendo remunerados.
Não cabe, portanto, querer responsabilizar a Administração, por exemplo, pelos
encargos assumidos pelo contratado junto aos seus fornecedores. (...)"
(FURTADO, Lucas Rocha. Curso de
licitações e contratos. 6ª ed., Belo Horizonte: Fórum, 2015, p. 599).
A única exceção está
expressamente prevista no § 2º do art. 71 da Lei nº 8.666/93, segundo o qual a
Administração Pública responde solidariamente com o contratado pelos encargos
previdenciários resultantes da execução do contrato. Fora dessa específica
hipótese, não há que se falar em responsabilidade solidária do ente público.
No julgamento da ADC nº 16/DF, o STF
declarou a constitucionalidade do referido art. 71.
Desde então, a jurisprudência
entende que o ente público, em regra, não responde pelos débitos da empresa
contratada, salvo se provado que contribuiu culposamente para o resultado
danoso. Confira:
(...) Na ADC 16, este
Tribunal afirmou a tese de que a Administração Pública não pode ser
responsabilizada automaticamente por débitos trabalhistas de suas contratadas
ou conveniadas. Só se admite sua condenação, em caráter subsidiário, quando o
juiz ou tribunal conclua que a entidade estatal contribuiu para o resultado
danoso ao agir ou omitir-se de forma culposa (in eligendo ou in vigilando).
(...)
STJ. 1ª Turma. Rcl 16.846
AgR, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 19/5/2015.
Os valores pagos a título de
direito autoral estão incluídos nos encargos de que trata o art. 71?
SIM. Os direitos autorais
cobrados pelo ECAD possuem natureza jurídica eminentemente privada e, portanto,
consideram-se inseridos no conceito de "encargos comerciais".