Dizer o Direito

quarta-feira, 9 de novembro de 2016

MP pode requisitar informações da OAB sobre processos disciplinares envolvendo determinado advogado que está sendo investigado?



Imagine a seguinte situação adaptada:
O Ministério Público federal instaurou procedimento administrativo para investigar determinado indivíduo, que é advogado.
Diante disso, o Procurador da República requisitou do Conselho Seccional da OAB informações sobre todos os procedimentos disciplinares existentes contra este advogado.
A requisição do MPF foi fundamentada no art. 8º, II, § 2º, da LC 75/93 (Estatuto do MPU):
Art. 8º Para o exercício de suas atribuições, o Ministério Público da União poderá, nos procedimentos de sua competência:
II - requisitar informações, exames, perícias e documentos de autoridades da Administração Pública direta ou indireta;
(...)
§ 2º Nenhuma autoridade poderá opor ao Ministério Público, sob qualquer pretexto, a exceção de sigilo, sem prejuízo da subsistência do caráter sigiloso da informação, do registro, do dado ou do documento que lhe seja fornecido.

A OAB recusou-se a cumprir a determinação afirmando que as informações requisitadas estão protegidas pelo direito à privacidade e pelo sigilo das informações.

A recusa da OAB em fornecer as informações foi legítima?
SIM.

Estatuto da OAB garante o sigilo desses procedimentos
Segundo o § 2º do art. 72 da Lei nº 8.906/94 (Estatuto da OAB):
Art. 72. (...)
§ 2º O processo disciplinar tramita em sigilo, até o seu término, só tendo acesso às suas informações as partes, seus defensores e a autoridade judiciária competente.

Há, no presente caso, um conflito aparente de normas entre o art. 8º, II, § 2º, da LC 75/93 e o art. 72, § 2º da Lei nº 8.906/94.
Como não existe hierarquia entre lei complementar e lei ordinária, este conflito aparente deverá ser resolvido de forma a garantir a convivência harmônica entre os dois dispositivos no ordenamento jurídico, desde que observadas as limitações de cada uma.
Desse modo, o STJ interpretou que o poder de requisição do MPF, previsto no Estatuto do MPU, não pode se sobrepor ao sigilo dos procedimentos disciplinares que tramitam na OAB. Assim, é como se o § 2º do art. 72 da Lei nº 8.906/94 fosse uma exceção (limitação) ao art. 8º, II, § 2º, da LC 75/93.

Cláusula de reserva de jurisdição
O STJ entendeu que a obtenção de cópia dos processos ético-disciplinares que tramitam na OAB é matéria submetida à reserva de jurisdição, de modo que pessoas estranhas ao processo somente poderão ter acesso mediante autorização judicial.
O poder de requisição do Ministério Público encontra limites nas hipóteses em que o legislador expressamente afirmou que somente poderia haver a quebra do sigilo por decisão judicial.
Assim, mesmo o MPF sendo órgão de persecução dotado de poderes de requisição somente poderá obter tais informações com autorização do Poder Judiciário.
Para o STJ, é possível aplicar aqui o mesmo raciocínio construído para proibir o MP de requisitar diretamente (sem autorização judicial) informações protegidas pelo sigilo bancário:
(...) Segundo entendimento desta Corte Superior, os poderes conferidos ao Ministério Público pelo art. 129 da Carta Magna e pelo art. 8.º da Lei Complementar n.º 75/93, dentre outros dispositivos legais aplicáveis, não são capazes de afastar a exigibilidade de pronunciamento judicial acerca da quebra de sigilo bancário ou fiscal de pessoa física ou jurídica, mormente por se tratar de grave incursão estatal em direitos individuais protegidos pela Constituição da República no art. 5º, incisos X e XII. (...)
STJ. 5ª Turma. AgRg no HC 234.857/RS, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 24/04/2014.

A redação do art. 72, § 2º, da Lei nº 8.906/94 é muito clara e somente poderia ser autorizada a requisição diretamente pelo MP caso este dispositivo fosse declarado inconstitucional. Ocorre que não há inconstitucionalidade porque este sigilo legal é baseado na tutela da intimidade.

Tal interpretação não inviabiliza o trabalho do MP
O STJ ressaltou que não se está aqui de forma alguma inviabilizando a obtenção dos documentos e dados pelo Ministério Público, uma vez que é perfeitamente viável para o órgão requerer autorização judicial para obter estas informações.
A exigência de autorização judicial, no caso, além de assegurar a plena vigência de um sistema de freios e contrapesos, próprios do regime republicano, também afasta o risco de que as informações sigilosas juntadas aos autos do procedimento instaurado no MP sejam no futuro consideradas nulas, contaminando todo o procedimento investigatório e uma eventual ação judicial.

Resumindo:
O acesso do MPF às informações inseridas em procedimentos disciplinares conduzidos pela OAB depende de prévia autorização judicial.
O fundamento para esta decisão encontra-se no § 2º do art. 72 da Lei nº 8.906/94, que estabelece que a obtenção de cópia dos processos ético-disciplinares é  matéria submetida à reserva de jurisdição, de modo que somente mediante autorização judicial poderá ser dado acesso a terceiros.
STJ. Corte Especial. REsp 1.217.271-PR, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 18/5/2016 (Info 589).



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