Dizer o Direito

terça-feira, 8 de novembro de 2016

A incorporadora, ao vender um apartamento na planta, pode determinar que o pagamento da comissão de corretagem será feito pelo consumidor?



O que é um contrato de corretagem?
Pelo contrato de corretagem, o corretor obriga-se a obter para uma pessoa que o contrata (denominada “cliente” ou “comitente”) um ou mais negócios, conforme as instruções recebidas.
O contrato de corretagem está previsto, de forma genérica, nos arts. 722 a 729 do CC.
Quando se fala neste contrato, normalmente as pessoas só se lembram da corretagem de imóveis. No entanto, existem outras espécies de corretagem, como é o caso do corretor de ações na Bolsa de Valores ou o corretor de mercadorias (bens móveis).
No caso do corretor de imóveis, a profissão está regulamentada pela Lei n.° 6.530/78 e pelo Decreto n.° 81.871/78. Para exercer a profissão de corretor de imóveis, exige-se a aprovação em curso técnico de Transações Imobiliárias ou curso superior em Gestão Imobiliária, com registro no Conselho Regional de Corretores de Imóveis (CRECI).

Comissão de corretagem
Como remuneração pelo serviço prestado, o corretor receberá o pagamento de uma quantia, que é chamada de “comissão de corretagem”.
A remuneração é devida ao corretor uma vez que tenha conseguido o resultado previsto no contrato de mediação, ou ainda que este não se efetive em virtude de arrependimento das partes (art. 725).

Qual é o valor da comissão de corretagem?
O valor da comissão de corretagem deverá estar previsto na lei ou no contrato firmado entre as partes.

E se não estiver previsto na lei nem no contrato?
Neste caso, este valor será arbitrado segundo a natureza do negócio e os usos locais (art. 724 do CC).
Não há lei estipulando o valor da comissão de corretagem na venda de imóveis. Aplica-se, portanto, os usos e costumes. No dia-a-dia imobiliário, quando não há previsão contratual, deverá ser pago ao corretor 6% sobre o valor do imóvel urbano vendido, conforme prevê a tabela do CRECI.

Incorporação imobiliária
É a atividade desenvolvida por um incorporador (pessoa física ou jurídica) por meio da qual ele planeja a construção de um condomínio com unidades autônomas (ex: um prédio com vários apartamentos) e, antes mesmo de iniciar a edificação, já aliena as unidades para os interessados e, com os recursos obtidos, vai construindo o projeto.
Nas palavras do Min. Luis Felipe Salomão, "a expressão incorporação imobiliária designa a iniciativa do empreendedor que, com a venda antecipada das unidades autônomas, obtém capital necessário para  construção de edifício de apartamentos, sob o regime condominial" (REsp 1.399.024-RJ).
Normalmente, a pessoa que adquire unidade autônoma em regime de incorporação imobiliária, o faz de forma parcelada, por meio de um contrato de promessa de compra e venda.

O que é uma promessa de compra e venda?
A promessa de compra e venda (ou compromisso de compra e venda) é...
­ uma espécie de contrato preliminar
­ por meio do qual uma pessoa (promitente vendedor) se compromete a vender o seu bem
­ ao promissário comprador, após este pagar integralmente o preço que foi ajustado.

Pagamento da comissão de corretagem na incorporação imobiliária
Na prática, é extremamente comum que os contratos de promessa de compra e venda de incorporação imobiliária contenham uma cláusula prevendo que o promitente-comprador será o responsável pelo pagamento da comissão do corretor.

Exemplo
João, ao parar seu carro no semáforo, recebeu um panfleto de um novo edifício de apartamentos que estava sendo lançado “na planta”. Foi até o estande de vendas, sendo atendido por Luciana, corretora de imóveis.
Decidiu na hora que iria comprar uma unidade.
Foi, então, apresentado a ele um contrato de promessa de compra e venda com a imobiliária.
Por meio do contrato, a imobiliária (promitente vendedora) comprometeu-se a vender a João a unidade 1502, da Torre B, do Edifício “Morar Bem”.
Em contrapartida, João obrigou-se a pagar o valor de R$ 1 milhão, parcelado em 60 meses.
Além disso, havia uma cláusula (8.1) no contrato prevendo que João teria que pagar 6% do valor do imóvel para Luciana, a título de comissão de corretagem.
Algum tempo depois, João ingressou com ação judicial pedindo que esta cláusula 8.1 fosse declarada nula de pleno direito porque seria abusiva já que ele, como consumidor, não poderia ser obrigado a pagar a corretora, a qual esta presta serviços no interesse da incorporadora, razão pela qual a empresa deveria arcar com este custo.

A tese de João é aceita pelo STJ? É abusiva a cláusula prevista em promessa de compra e venda que transfira para o promitente-comprador a responsabilidade pelo pagamento da comissão de corretagem?
NÃO. Esta cláusula não é abusiva.

Corretagem na compra e venda de unidades autônomas em incorporação imobiliária
Na venda de imóveis mediante incorporação imobiliária, a atuação do corretor tem ocorrido, em regra, da seguinte forma: o corretor é contratado pela incorporadora para ficar em estandes situados no próprio local onde será construído o edifício de apartamentos. Lá, esta equipe de corretores recebe os consumidores interessados, mostra a planta, as maquetes, as vantagens do empreendimento, tira dúvidas e concretiza o negócio.
Alcançado êxito na intermediação, a incorporadora, ao celebrar o contrato de promessa de compra e venda, transfere para o promitente-comprador a obrigação de pagar a comissão de corretagem diretamente ao corretor, seja mediante cláusula expressa no instrumento contratual, seja por pactuação verbal ou mediante a celebração de um contrato autônomo entre o consumidor e o corretor.

Não há prejuízo aos consumidores porque o custo disso já seria embutido no preço
Entende-se que não há prejuízo aos consumidores nesta prática porque se a incorporadora pagasse a comissão de corretagem, ela iria embutir este custo no preço final do produto.
Dessa forma, na prática, mostra-se irrelevante se o consumidor pagará diretamente ao corretor ou não, considerando que ele já arcaria com esse pagamento porque se trata de um dos custos do imóvel vendido e que comporia seu preço.
Desse modo, em princípio, é válida a cláusula que transfere para o consumidor a obrigação de pagar a comissão de corretagem.
São necessárias, contudo, algumas cautelas.

Dever de informação
O fornecedor possui o dever de informar o consumidor. Esse dever inclui que seja explicado o que o consumidor está efetivamente pagando.
Por conta disso, é necessário que o contrato preveja de forma muito clara que a obrigação de pagar a comissão de corretagem será do promitente-comprador (consumidor).
Dessa feita, a incorporadora deverá informar ao consumidor, antes do momento da celebração do contrato de promessa de compra e venda, o preço total de aquisição da unidade imobiliária, especificando o valor da comissão de corretagem, ainda que esta venha a ser paga destacadamente.

Se a incorporadora não informar previamente
Uma reclamação constante dos consumidores é a de que as incorporadoras não informam previamente os clientes de que eles são responsáveis pelo pagamento da comissão de corretagem.
Os consumidores alegam que somente após celebrado o contrato, com o pagamento do sinal, é que são informados sobre este custo adicional.
Essa prática de não explicar previamente viola os deveres de informação e de transparência que devem pautar as relações de consumo.
Se isso acontecer, o consumidor poderá recusar-se a pagar a comissão de corretagem, exigindo o cumprimento da proposta pelo preço ofertado.
Toda informação ou publicidade suficientemente precisa vincula o fornecedor, conforme expresso no CDC:
Art. 30. Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado.

Desse modo, a cláusula que transfere a obrigação de pagar a comissão para o consumidor é, a princípio, lícita, mas o promitente-vendedor, na fase pré-negocial, deverá informar, de forma clara e precisa, que haverá esta transferência.

Tese fixada pelo STJ:
É válida a cláusula contratual que transfere ao promitente-comprador a obrigação de pagar a comissão de corretagem nos contratos de promessa de compra e venda de unidade autônoma em regime de incorporação imobiliária, desde que previamente informado o preço total da aquisição da unidade autônoma, com o destaque do valor da comissão de corretagem.
STJ. 2ª Seção. REsp 1.599.511-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 24/8/2016 (recurso repetitivo) (Info 589).

Sobre o tema, vale a pena relembrar o seguinte entendimento do STJ:
De quem é a responsabilidade pelo pagamento da comissão de corretagem: do vendedor ou do comprador?
• Regra: a obrigação de pagar a comissão de corretagem é daquele que efetivamente contrata o corretor (não importa se é o comprador ou o vendedor).
• Exceção: o contrato firmado entre as partes e o corretor poderá dispor em sentido contrário, ou seja, poderá prever que comprador e vendedor irão dividir o pagamento, que só o comprador irá pagar etc.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.288.450-AM, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 24/2/2015 (Info 556).



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