Imagine a seguinte situação
hipotética:
Ricardo, adolescente de 17 anos,
agrediu outro adolescente com socos e pontapés.
O Ministério Público ofereceu
remissão pré-processual cumulada com medida socioeducativa de semiliberdade,
como forma de exclusão do processo.
O que é remissão?
Remissão, no ECA, é o ato de
perdoar o ato infracional praticado pelo adolescente e que irá gerar:
1) a exclusão;
2) a extinção; ou
3) a suspensão do processo, a
depender da fase em que esteja.
A remissão não significa
necessariamente que esteja se reconhecendo que o adolescente praticou aquela
conduta nem serve para efeito de antecedentes.
Fundamento convencional
A remissão é um instituto
recomendado pelas Nações Unidas em um documento internacional chamado de "Regras
mínimas das Nações Unidas para administração da Justiça da Infância e da
Juventude" (Regras de Beijing).
Essa recomendação existe porque
se entende que, sempre que possível, deve-se evitar que o adolescente seja
submetido a uma ação socioeducativa na qual ele passaria pelo estigma de ter
sido submetido a um processo judicial infracional.
Na versão original das Regras de
Beijing, escrita em inglês, a expressão utilizada para o instituto foi
"diversion" que acabou sendo traduzido como "remissão". A
doutrina especializada, no entanto, critica esta tradução e afirma que remissão
é chamada no inglês de "remission" (perdão). Logo, a tradução mais
correta de "diversion" seria algo como "encaminhamento diferente
do original". (ROSSATO, Luciano Alves; LÉPORE, Paulo Eduardo; CUNHA,
Rogério Sanches. Estatuto da Criança e do
Adolescente. Comentado artigo por artigo. 6. ed. São Paulo: RT, 2014, p. 385).
A remissão está prevista na
legislação brasileira?
SIM. A remissão está prevista nos
arts. 126 a 128 e também no art. 188 do ECA.
Características da remissão
a) A remissão não implica
necessariamente o reconhecimento ou comprovação da responsabilidade. em outras
palavras, caso o adolescente aceite, isso não significa que ele estará
reconhecendo que praticou ou que é "culpado" pelo ato infracional que
lhe é imputado. A remissão é para evitar que o processo inicie ou continue;
b) A remissão não prevalece para
efeito de antecedentes, ou seja, se o adolescente tiver sido beneficiado com
uma, duas ou várias remissões, isso não significa "maus antecedentes"
não podendo prejudicá-lo se vier a ser julgado em uma ação socioeducativa ou
uma ação penal no futuro;
c) O adolescente que receber a
remissão pode ser obrigado a cumprir qualquer medida socioeducativa, com
exceção de duas: colocação em regime de semiliberdade e internação.
Espécies de remissão:
Remissão como forma de
EXCLUSÃO do processo
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Remissão como forma de
SUSPENSÃO ou EXTINÇÃO do processo
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É
pré-processual (antes do processo iniciar).
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É
processual, ou seja, depois que a ação socioeducativa foi proposta.
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Concedida
pelo MP.
Concedida
a remissão pelo representante do MP os autos serão conclusos ao juiz para
homologar ou não (art. 181 do ECA).
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Concedida
pelo juiz.
O
Ministério Público deverá ser ouvido, mas sua opinião não é vinculante. Quem
decide se concede ou não a remissão é o magistrado.
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Também
chamada de remissão ministerial.
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Também
chamada de remissão judicial.
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Prevista
no art. 126, caput, do ECA:
Art. 126. Antes de iniciado o procedimento judicial
para apuração de ato infracional, o representante do Ministério Público
poderá conceder a remissão, como forma de exclusão do processo, atendendo às
circunstâncias e consequências do fato, ao contexto social, bem como à
personalidade do adolescente e sua maior ou menor participação no ato
infracional.
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Prevista
no art. 126, parágrafo único, do ECA:
Art.
126 (...)
Parágrafo
único. Iniciado o procedimento, a concessão da remissão pela autoridade
judiciária importará na suspensão ou extinção do processo.
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Remissão como própria e imprópria
A remissão pode ser classificada
em:
PRÓPRIA
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IMPRÓPRIA
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Ocorre
quando é concedido perdão puro e simples ao adolescente, sem qualquer
imposição.
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Ocorre
quando é concedido o perdão ao adolescente, mas com a imposição de que ele
cumpra alguma medida socioeducativa, desde que esta não seja restritiva de
liberdade.
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A
doutrina afirma que, neste caso, não é necessário o consentimento do
adolescente nem a presença de advogado.
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É
indispensável o consentimento do adolescente e de seu responsável, além da
assistência jurídica de um advogado ou Defensor Público.
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Vale ressaltar mais uma vez que
não é possível a aplicação de remissão imprópria pelo MP sem que haja
homologação judicial. Isso restou consignado em uma súmula editada pelo STJ:
Súmula 108-STJ: A
aplicação de medidas socioeducativas ao adolescente, pela prática de ato
infracional, é da competência exclusiva do juiz.
Ao oferecer proposta de remissão,
o MP pode incluir a obrigação de que o adolescente cumpra alguma medida
socioeducativa?
SIM. Na proposta, o MP poderá
exigir que o adolescente cumpra uma medida socioeducativa, desde que não seja
semiliberdade ou internação. Dessa forma, é plenamente possível a remissão
ministerial imprópria. Essa possibilidade encontra-se disciplinada no art. 127
do ECA:
Art. 127. A remissão não
implica necessariamente o reconhecimento ou comprovação da responsabilidade,
nem prevalece para efeito de antecedentes, podendo incluir
eventualmente a aplicação de qualquer das medidas previstas em lei, exceto a
colocação em regime de semi-liberdade e a internação.
A remissão ministerial (pré-processual)
imprópria é compatível com a CF/88?
SIM. Existe precedente do STF
neste sentido:
(...) 3. A remissão pré-processual concedida pelo Ministério Público,
antes mesmo de se iniciar o procedimento no qual seria apurada a
responsabilidade, não é incompatível com a imposição de medida sócio-educativa
de advertência, porquanto não possui esta caráter de penalidade. Ademais, a
imposição de tal medida não prevalece para fins de antecedentes e não pressupõe
a apuração de responsabilidade. (...)
STF. 2ª Turma. RE 248018,
Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgado em 06/05/2008.
Voltando ao caso concreto:
A proposta, oferecida pelo
Ministério Público, foi aceita pelo adolescente, por sua genitora e pelo
advogado que os acompanhava, os quais assinaram o termo do acordo e
solicitaram, juntamente com o Parquet,
a homologação judicial.
O juiz, no momento da
homologação, discordou da cumulação pretendida e a decotou.
Em outras palavras, o magistrado
excluiu a obrigação do adolescente de cumprir a medida socioeducativa alegando
que esta violava a parte final do art. 127 do ECA e homologou a remissão pura e simples.
Em nosso exemplo hipotético, a remissão
concedida pelo MP foi correta?
NÃO. Isso porque, conforme vimos
acima, na remissão, o Promotor de Justiça não poderá exigir que o adolescente
cumpra medida socioeducativa em regime de semiliberdade ou internação (art. 127
do ECA).
Então o magistrado agiu
corretamente?
Também NÃO.
Se
o representante do Ministério Público ofereceu a adolescente remissão pré-processual
(art. 126, caput, do ECA) cumulada com medida socioeducativa e o juiz discordou
dessa cumulação, ele não pode excluir do acordo a aplicação da medida
socioeducativa e homologar apenas a remissão.
STJ. 6ª Turma. REsp 1.392.888-MS,
Rel. Min. Rogerio Schietti, julgado em 30/6/2016 (Info 587).
Remissão pré-processual é
atribuição do MP
A remissão pré-processual é atribuição
legítima do Ministério Público, como titular da representação por ato
infracional e diverge daquela prevista no art. 126, parágrafo único, do ECA,
dispositivo legal que prevê a concessão da remissão pelo juiz, depois de
iniciado o procedimento, como forma de suspensão ou de extinção do processo.
O juiz não era parte do acordo e
não poderia oferecer ou alterar a remissão, como forma de exclusão do processo,
pois a titularidade da representação por ato infracional pertence, com
exclusividade, ao Ministério Público, a quem é facultado formular o perdão
administrativo, por razões de conveniência e política de proteção às crianças e
aos adolescentes.
O que o juiz deveria ter feito
por discordar da proposta?
Se o juiz discordou da proposta,
deveria ter remetido os autos ao Procurador-Geral de Justiça, mediante despacho
fundamentado, e este teria as seguintes opções:
a) poderia oferecer a
representação;
b) designar outro membro do
Ministério Público para apresentá-la; ou
c) ratificar o arquivamento ou a
remissão, hipótese na qual o juiz estaria obrigado a homologar.
Esse é o texto do § 2º do art.
181 do ECA:
§ 2º Discordando, a autoridade
judiciária fará remessa dos autos ao Procurador-Geral de Justiça, mediante
despacho fundamentado, e este oferecerá representação, designará outro membro
do Ministério Público para apresentá-la, ou ratificará o arquivamento ou a
remissão, que só então estará a autoridade judiciária obrigada a homologar.
Apenas a eficácia da remissão
depende da homologação judicial. Se a autoridade judiciária discorda, ainda que
parcialmente, dos termos do perdão, por entender que a cumulação é
inconstitucional ou desnecessária, não pode adequar o acordo de vontades, já
assinado pelo adolescente e por sua genitora, em supressão à competência do
Ministério Público, pois nem sequer houve a instauração de procedimento
judicial.
Assim, havendo discordância,
total ou parcial, da remissão, deve ser observado o rito do art. 181, § 2º do
ECA, sob pena de suprimir do órgão ministerial, titular da representação por
ato infracional, a atribuição de conceder o perdão administrativo como forma de
exclusão do processo, faculdade a ele conferida legitimamente pelo art. 126 do
ECA.