Dizer o Direito

quinta-feira, 22 de setembro de 2016

Se o portador ingressa com ação cobrando o valor do cheque, qual é o termo inicial da correção monetária e dos juros de mora?



NOÇÕES GERAIS SOBRE O CHEQUE

Conceito
O cheque é...
- uma ordem de pagamento à vista
- que é dada pelo emitente do cheque
- em favor do indivíduo que consta como beneficiário no cheque (ou seu portador)
- ordem essa que deve ser cumprida por um banco
- que tem a obrigação de pagar a quantia escrita na cártula
- em razão de o emitente do cheque ter fundos (dinheiro) depositados naquela instituição financeira.

“Trata-se de uma ordem de pagamento, na medida em que seu criador não promete efetuar pessoalmente o pagamento, mas promete que terceiro irá efetuar esse pagamento. Esse terceiro deverá ser um banco, no qual o criador do cheque deverá ter fundos disponíveis. À luz desses fundos, o banco efetuará o pagamento das ordens que lhe forem sendo apresentadas, vale dizer, o cheque se tornará exigível sempre no momento em que for apresentado ao sacado (vencimento sempre à vista).” (TOMAZETTE, Marlon. Curso de Direito Empresarial. Vol. 2. São Paulo: Atlas, 2011, p. 218).

Personagens
a) emitente (sacador): aquele que dá a ordem de pagamento;
b) sacado: aquele que recebe a ordem de pagamento (o banco);
c) beneficiário (tomador, portador): é o favorecido da ordem de pagamento, ou seja, aquele que tem o direito de receber o valor escrito no cheque.

Natureza jurídica
Para a doutrina majoritária, trata-se de um título de crédito.

Legislação aplicável
O cheque é regido atualmente pela Lei n.º 7.357/85.

O que é o chamado “prazo de apresentação do cheque”?
É o prazo de que dispõe o portador do cheque para apresentá-lo ao banco sacado a fim de receber o valor determinado na cártula.
Ex: João passa um cheque de 2 mil reais para Eduardo. O prazo de apresentação é o tempo que Eduardo tem para levar o cheque ao banco e receber o valor.
O prazo de apresentação começa a ser contado da data da emissão do cheque.
Data de emissão do cheque é o dia que foi preenchido no campo específico da cártula destinado para isso. É o dia que foi escrito no cheque.

De quanto é o prazo de apresentação?

30 dias
Se o cheque é da mesma praça do pagamento (município onde foi assinado é o município da agência pagadora).
60 dias
Se o cheque for de praça diferente
 (município onde foi assinado é diferente do município da agência pagadora).
O prazo será de 30 dias se o local da emissão do cheque (preenchido pelo emitente) for o mesmo lugar do pagamento (local da agência pagadora impressa no cheque). Nesse caso, diz-se que o cheque é da mesma praça (mesmo município).
Ex: em um cheque de uma agência de São Paulo (SP), o emitente datou e assinou São Paulo (SP) como local da emissão.
O prazo será de 60 dias se o local da emissão do cheque (preenchido pelo emitente) for diferente do lugar do pagamento (local da agência pagadora impressa no cheque). Nesse caso, diz-se que o cheque é de outra praça.
Ex: em um cheque de uma agência de São Paulo (SP), o emitente datou e assinou Manaus (AM) como local da emissão.

Se o beneficiário apresenta o cheque ao banco mesmo após esse prazo, haverá pagamento?
SIM, mesmo após o fim do prazo de apresentação, o cheque pode ser apresentado para pagamento ao sacado, desde que não esteja prescrito.

Então para que serve esse prazo de apresentação?
A doutrina aponta três finalidades:
1) O fim do prazo de apresentação é o termo inicial do prazo prescricional da execução do cheque.

2) Só é possível executar o endossante do cheque se ele foi apresentado para pagamento dentro do prazo legal. Se ele foi apresentado após o prazo, o beneficiário perde o direito de executar os codevedores. Poderá continuar executando o emitente do cheque e seus avalistas.
Súmula 600-STF: Cabe ação executiva contra o emitente e seus avalistas, ainda que não apresentado o cheque ao sacado no prazo legal, desde que não prescrita a ação cambiária.

3) O portador que não apresentar o cheque em tempo hábil ou não comprovar a recusa de pagamento perde o direito de execução contra o emitente, se este tinha fundos disponíveis durante o prazo de apresentação e os deixou de ter, em razão de fato que não lhe seja imputável (art. 47, § 3º, da Lei nº 7.357/85).

Qual é o prazo prescricional para a execução do cheque?
6 meses, contados do fim do prazo de apresentação do cheque.
Atente-se que o prazo prescricional somente se inicia quando termina o prazo de apresentação, e não da sua efetiva apresentação ao banco sacado.

Mesmo estando o cheque prescrito, ainda assim será possível a sua cobrança?
SIM. Com o fim do prazo de prescrição, o beneficiário não poderá mais executar o cheque. Diz-se que o cheque perdeu sua força executiva. No entanto, mesmo assim, o beneficiário poderá cobrar o valor desse cheque por outros meios, quais sejam:

1) Ação de enriquecimento sem causa (“ação de locupletamento”): prevista no art. 61 da Lei do Cheque (Lei nº 7.357/85). Essa ação tem o prazo de 2 anos, contados do dia em que se consumar a prescrição da ação executiva.

2) Ação de cobrança (ação causal): prevista no art. 62 da Lei do Cheque. O prazo é de 5 anos, nos termos do art. 206, § 5º, I, CC.

3) Ação monitória (Súmula 503-STJ: O prazo para ajuizamento de ação monitória em face do emitente de cheque sem força executiva é quinquenal, a contar do dia seguinte à data de emissão estampada na cártula).


JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA NA COBRANÇA DE CHEQUE

Se o devedor não paga na data prevista o valor que estava previsto no cheque como sendo de sua obrigação, o credor poderá cobrá-lo e terá direito de receber a quantia acrescida de juros moratórios e correção monetária por conta do atraso.
A dúvida que existia dizia respeito ao termo inicial desses juros e correção monetária. A partir de quando eles deveriam ser contados e calculados: a partir da data de emissão, da data de apresentação ou do dia da citação?

Vejamos o seguinte exemplo:
Em 15/01/2012, João emitiu um cheque de R$ 5 mil em favor de Pedro.
Em 02/02/2012, Pedro foi até o banco descontar o cheque, mas este não tinha fundos.
Em 2016, Pedro ajuíza ação monitória contra João, que é citado no dia 04/04/2016.
O juiz julgou procedente o pedido, condenando o réu a pagar o valor cobrado.
Na sentença, o magistrado consignou que os juros moratórios e a correção monetária deveriam ser contados desde a data da citação inicial do réu (04/04/2016), nos termos do art. 405 do CC e art. 240 do CPC/2015:
Art. 405. Contam-se os juros de mora desde a citação inicial.

Art. 240. A citação válida, ainda quando ordenada por juízo incompetente, induz litispendência, torna litigiosa a coisa e constitui em mora o devedor, ressalvado o disposto nos arts. 397 e 398 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil).

O juiz acertou no momento da fixação do termo inicial dos juros de mora e da correção monetária?
NÃO.

Qual é o termo inicial da CORREÇÃO MONETÁRIA na cobrança de cheque?
A data de emissão estampada na cártula.

Em qualquer ação utilizada pelo portador para cobrança de cheque, a correção monetária incide a partir da data de emissão estampada na cártula.
STJ. 2ª Seção. REsp 1.556.834-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 22/6/2016 (recurso repetitivo) (Info 587).

A possibilidade de o credor cobrar correção monetária está disciplinada na Lei do Cheque (Lei nº 7.357/85), que prevê que o portador pode exigir a compensação pela perda do valor aquisitivo da moeda. Veja:
Art. 52 portador pode exigir do demandado:
I - a importância do cheque não pago;
(...)
IV - a compensação pela perda do valor aquisitivo da moeda, até o embolso das importâncias mencionadas nos itens antecedentes.

A correção monetária não representa acréscimo ao valor devido, mas mera recomposição inflacionária. Assim, ela deve ser exigida desde a data de emissão do cheque a fim de recompor inteiramente o valor que seria devido ao beneficiário da cártula.

Qual é o termo inicial dos JUROS na cobrança de cheque?
A data da primeira apresentação.

Em qualquer ação utilizada pelo portador para cobrança de cheque, os juros de mora começam a ser contados da primeira apresentação à instituição financeira sacada ou câmara de compensação.
STJ. 2ª Seção. REsp 1.556.834-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 22/6/2016 (recurso repetitivo) (Info 587).

Os juros de mora sobre a importância de cheque não pago são contados da primeira apresentação pelo portador ao banco, e não da citação do sacador. Logo, em nosso exemplo, os juros deveriam ser contados desde 02/02/2012.
Os juros de mora decorrem do inadimplemento da obrigação pelo devedor, ou seja, os juros de mora são consequência da mora do devedor da obrigação (art. 395 do CC). Dessa forma, nada mais lógico que a sua contagem se inicie exatamente a partir do momento em que surge a mora.
Além disso, a Lei do Cheque (Lei nº 7.357/85) possui regra expressa que disciplina os juros relacionados com a cobrança de crédito estampado em cheque.
Segundo a referida Lei, os juros de mora devem ser contados desde a data da primeira apresentação do cheque pelo portador à instituição financeira, conforme previsto no art. 52, II:
Art. 52 portador pode exigir do demandado:
(...)
II - os juros legais desde o dia da apresentação;

Não se aplica, portanto, a regra do art. 405 do CC, que conta os juros a partir da citação inicial.

Obs: a Lei do Cheque veda a cobrança de juros compensatórios (art. 10). Nesse sentido:
"Juros moratórios e correção monetária
Fixe-se, porém, que os juros vedados nesse artigo não se confundem com os juros moratórios previstos nos arts. 45º e 46º da Lei Uniforme (arts. 52 e 53 da Lei Interna), que independem de inserção, aliás, cláusula igualmente proibida, no cheque.
O art. 10 da Lei Interna sufraga o princípio proibitório de vencimento de juros compensatórios (e não de juros moratórios), por incompatibilidade absoluta entre a fruição de rendimento de capital aplicado a crédito com o cheque, representativo de ordem de pagamento à vista. Qualquer cláusula infringente é considerada não escrita, isto é, recebe sanção de inexistência, e por isso há de ser ignorada pelo banco sacado.
Os juros moratórios são devidos na ação de cobrança que se seguir em qualquer dívida inadimplida; e, quanto ao cheque, desde a frustração do pagamento, que se caracteriza, por isso, diz o art. 52, II, "desde o dia da apresentação"; além da correção monetária (art. 53, IV), que é simples recomposição do patrimônio corroído pelo decurso do tempo, até o efetivo recebimento." (RESTIFFE NETO, Paulo; RESTIFFE, Paulo Sérgio. Lei do cheque e novas medidas de proteção aos usuários. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 138)

No exemplo dado acima, o credor ajuizou ação monitória. Haveria diferença do termo inicial caso ele tivesse proposto uma ação de locupletamento ou uma ação de cobrança?
NÃO. Não haveria diferença. O termo inicial continuaria sendo o mesmo. Isso porque a data de início da fluência da correção monetária e dos juros de mora está relacionada com a relação de direito material (e não com o instrumento processual utilizado para cobrança). O que importa é a natureza da obrigação inadimplida, e não o tipo da ação proposta.

Resumindo:
Em qualquer ação utilizada pelo portador para cobrança de cheque, a correção monetária incide a partir da data de emissão estampada na cártula, e os juros de mora a contar da primeira apresentação à instituição financeira sacada ou câmara de compensação.
STJ. 2ª Seção. REsp 1.556.834-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 22/6/2016 (recurso repetitivo) (Info 587).





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