Imagine a seguinte situação
hipotética:
Pedro teve um rápido
relacionamento com Luisa e, desse enlace, nasceu Lucas.
Ocorre que Pedro não reconheceu
voluntariamente o filho.
Lucas, representado por sua mãe,
propôs ação de investigação de paternidade contra Pedro.
Pedro se recusou a realizar o
exame de DNA e a ação foi julgada procedente, nos termos da súmula 301 do STJ,
declarando que ele é pai de Lucas. Houve trânsito em julgado.
Alguns meses depois, Pedro
faleceu. Como não tinha nenhum patrimônio em vida, não deixou herança.
Diante disso, Lucas ingressou com
ação de alimentos contra o Sr. Antônio, pai de Pedro, ou seja, seu avô paterno.
Na ação, provou que sua mãe Luisa e seus avós maternos não tinham condições de
sustentá-lo.
O Sr. Antônio alegou, como
questão prejudicial, que, como não fez parte da relação processual estabelecida
na ação de investigação de paternidade, não poderia sofrer os efeitos da coisa
julgada e, por consequência, ser demandado na ação alimentícia. Requereu que a
ação de alimentos, em razão disso, fosse julgada improcedente ou,
subsidiariamente, fosse realizado exame de DNA.
O dispositivo invocado pelo avô
foi o art. 506 do CPC/2015:
Art. 506. A sentença faz
coisa julgada às partes entre as quais é dada, não prejudicando terceiros.
O pedido do Sr. Antônio deverá
ser acolhido? Como ele não participou da ação de investigação de paternidade,
ficará livre dos efeitos do que ali foi decidido?
NÃO.
Os
efeitos da sentença transitada em julgado que reconhece o vínculo de parentesco
entre filho e pai em ação de investigação de paternidade alcançam o avô, ainda
que este não tenha participado da relação jurídica processual.
STJ. 4ª Turma. REsp 1.331.815-SC,
Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 16/6/2016 (Info 587).
Limites subjetivos da coisa
julgada
Quando se fala em limites
subjetivos da coisa julgada, isso significa: "a quem a coisa julgada
atinge", ou seja, "quem está submetido à coisa julgada" formada
naquele processo.
Em regra, os limites subjetivos
da coisa julgada são inter partes, ou
seja, estão limitados às partes do processo. Isso está previsto no art. 506 do
CPC/2015, transcrito acima.
Ao ler este artigo, você poderia
pensar: "então o avô está correto, já que ele não foi parte no processo de
investigação e não pode ser prejudicado".
Ocorre que é preciso diferenciar
"limites subjetivos da coisa julgada" de "efeitos da
sentença". São institutos diferentes.
Efeitos
da sentença
Os
efeitos da sentença são as alterações que a sentença produz sobre as relações
existentes fora do processo.
Os efeitos da sentença irradiam-se
com eficácia erga omnes, atingindo
mesmo aqueles que não figuraram como parte na relação jurídica processual.
Limites subjetivos da coisa
julgada X efeitos da sentença
Desse modo, é fundamental não
confundir limites subjetivos da coisa julgada com efeitos da sentença. Conforme
explica a doutrina:
"Importante
distinção diz respeito aos limites subjetivos da coisa julgada e os efeitos da
sentença. Apesar da coisa julgada só atingir as partes que litigaram no
processo (exatamente os limites subjetivos ora analisados), os efeitos da
sentença a todos atingem, independentemente da legitimidade ou participação no
processo.
Contudo, apenas foi possível
traçar essa distinção quando, com LIEBMAN, passou-se a diferenciar os efeitos
da sentença da coisa julgada. Assim, após a sistematização da posição dos
terceiros e dos efeitos advindos da sentença, admitiu-se que, em regra, os efeitos
da decisão podem atingir terceiros, ao passo que a coisa julgada atinge apenas
as partes." (DELLORE, Luiz. Estudos sobre coisa julgada e controle de
constitucionalidade. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 65-66.)
Coisa julgada não abrange o avô,
mas os efeitos da sentença o atingem
A
coisa julgada formada na ação de investigação de paternidade ajuizada pelo
filho em face do pai não atinge o avô, na medida em que esta primeira demanda
foi proposta exclusivamente contra seu filho (Pedro). No entanto, os efeitos da
sentença o atingem. Ex: se duas pessoas se divorciam em um processo judicial de
divórcio, a coisa julgada atinge apenas aos dois; no entanto, os efeitos dessa
sentença irradiam-se de forma erga omnes;
o ex-casal não está divorciado apenas entre eles, mas sim perante qualquer
pessoa.
Os
efeitos da sentença não encontram a mesma limitação subjetiva que o art. 506 do
CPC/2015 destina ao instituto da coisa julgada, de maneira que também podem
atingir, direta ou indiretamente, terceiros que não participaram da relação
jurídica processual. Os efeitos da sentença possuem, portanto, eficácia erga omnes.
Assim, tendo o filho promovido
ação de investigação de paternidade contra o pai, na qual se deu o julgamento
de procedência do pedido e o trânsito em julgado, o vínculo parental entre eles
é, por força da coisa julgada que ali se formou, imutável e indiscutível, à luz
do art. 502 do CPC/2015.
Nesse contexto, o avô agora
suporta as consequências da decisão que assentou a paternidade de seu filho,
cujos efeitos atingem-no de maneira reflexa, por força de sua ascendência em
relação ao pai judicialmente reconhecido. Ora, se o autor é filho de seu filho,
logo, por força de um vínculo jurídico lógico e necessário, é seu neto (art.
1.591 do CC).
Repita-se: não está o avô sujeito
à coisa julgada, que só atinge as partes da ação investigatória, mas
efetivamente suporta os efeitos que resultam da decisão, independentemente de
sua participação na relação processual.
Vale
ressaltar que não é apenas o avô que irá suportar esses efeitos, mas toda e
qualquer pessoa, física ou jurídica. Os efeitos são erga omnes. É o caso, por exemplo, do INSS. Perante a autarquia
previdenciária, Lucas é filho de Pedro e, portanto, seu dependente, mesmo o
INSS não tendo participado da ação de investigação de paternidade. O INSS não
se submete à coisa julgada, mas está sujeito aos efeitos da sentença.