Dizer o Direito

quinta-feira, 29 de setembro de 2016

MPF não tem acesso irrestrito a todos os relatórios de inteligência produzidos pela Diretoria de Inteligência da Polícia Federal



Controle da atividade policial
O controle da atividade policial é realizado de duas formas:
a) controle interno: feito por meio das corregedorias de polícia;
b) controle externo: realizado por intermédio do Ministério Público.

Controle externo da atividade policial
Foi a Constituição Federal que determinou que uma das funções institucionais do Ministério Público é a de exercer o controle externo da atividade policial (art. 129, VII).

Quais são as finalidades do controle externo realizado pelo MP?
O MP, no exercício do controle externo, deverá fiscalizar, de forma geral, a atuação dos órgãos policiais, podendo ser citados como exemplos:
• fiscalizar como tem sido o trabalho policial na prevenção e investigação dos crimes;
• examinar se a polícia tem respeitado os direitos e garantias constitucionais dos presos que estejam sob sua responsabilidade;
• conferir se os órgãos policiais estão dando devido cumprimento às determinações judiciais.

Ausência de subordinação
Vale ressaltar que o fato de o Ministério Público realizar o controle externo da atividade policial não significa que exista uma hierarquia entre os órgãos policiais e o Parquet.
A polícia não está subordinada hierarquicamente ao Ministério Público. Este controle externo decorre do sistema de freios e contrapesos que pode existir não apenas entre os poderes, mas também entre órgãos. Nesse sentido: LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 189.

Disciplina legal
A LC 75/93 dedicou três artigos para tratar sobre o controle externo da atividade policial. Chamo especial atenção para o art. 9º, que é o mais importante deles:
Art. 3º O Ministério Público da União exercerá o controle externo da atividade policial tendo em vista:
a) o respeito aos fundamentos do Estado Democrático de Direito, aos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, aos princípios informadores das relações internacionais, bem como aos direitos assegurados na Constituição Federal e na lei;
b) a preservação da ordem pública, da incolumidade das pessoas e do patrimônio público;
c) a prevenção e a correção de ilegalidade ou de abuso de poder;
d) a indisponibilidade da persecução penal;
e) a competência dos órgãos incumbidos da segurança pública.

Art. 9º O Ministério Público da União exercerá o controle externo da atividade policial por meio de medidas judiciais e extrajudiciais podendo:
I - ter livre ingresso em estabelecimentos policiais ou prisionais;
II - ter acesso a quaisquer documentos relativos à atividade-fim policial;
III - representar à autoridade competente pela adoção de providências para sanar a omissão indevida, ou para prevenir ou corrigir ilegalidade ou abuso de poder;
IV - requisitar à autoridade competente para instauração de inquérito policial sobre a omissão ou fato ilícito ocorrido no exercício da atividade policial;
V - promover a ação penal por abuso de poder.

Art. 10. A prisão de qualquer pessoa, por parte de autoridade federal ou do Distrito Federal e Territórios, deverá ser comunicada imediatamente ao Ministério Público competente, com indicação do lugar onde se encontra o preso e cópia dos documentos comprobatórios da legalidade da prisão.

Apesar de esses artigos falarem sobre o MPU, eles também são aplicados aos Ministérios Públicos estaduais, por força do art. 80 da Lei nº 8.625/93.

Existem duas Resoluções do CNMP que regulamentam o controle externo da atividade policial pelo Ministério Público:
• Resolução nº 20/2007, que regulamenta o art. 9º da LC 75/93 e o art. 80 da Lei 8.625/93, disciplinando, no âmbito do Ministério Público, o controle externo da atividade policial.
• Resolução nº 129/2015, que estabelece regras mínimas de atuação do Ministério Público no controle externo da investigação de morte decorrente de intervenção policial.

Obs: caso você esteja nas fases discursivas, prática ou oral do concurso do Ministério Público, recomenda-se a leitura dessas duas resoluções.

Espécies de controle externo exercido pelo MP sobre a atividade policial:

Controle difuso
Controle concentrado
Exercido por todos os membros do Ministério Público com atribuição criminal, quando do exame dos procedimentos que lhes forem atribuídos.

Exercido por alguns membros do MP que tenham a atribuição específica de realizar o controle externo da atividade policial, conforme disciplinado no âmbito de cada Ministério Público.
Ex: o membro do MP que atua na vara criminal, ao receber o inquérito policial, deverá verificar se a autoridade policial cumpriu todas as exigências legais, se os prazos foram cumpridos, se as diligências necessárias foram realizadas etc. Essa atividade consiste em uma forma de controle externo difuso da atividade policial.
Ex: no MPE, existem promotorias especializadas no controle externo da atividade policial (normalmente chamadas de PROCEAP). No âmbito do MPF, existe, em cada Estado, um grupo de Procuradores da República designados pelo PGR para exercer esta função (é o GCEAP).
Os membros designados para essa função dedicam-se ao controle concentrado da atividade policial e poderão tomar diversas iniciativas, como: a) realizar visitas nas repartições policiais; b) fiscalizar a destinação de armas, drogas e objetos apreendidos; c) fiscalizar os mandados de prisão; d) expedir recomendações; e) instaurar inquéritos civis ou procedimentos de investigação criminal para apurar condutas policiais.

Obs: os controles difuso e concentrado não se excluem e são exercidos concomitantemente.

Feitas estas considerações, imagine a seguinte situação hipotética:
O Procurador da República integrante do Grupo de Controle Externo da Atividade Policial do Rio de Janeiro (GCEAP/RJ) instaurou inquérito civil para apurar a regularidade e eficiência do serviço de inteligência da Superintendência de Polícia Federal no Estado.
Como providência, requisitou ao Superintendente que enviasse cópia de todos os relatórios de inteligência policial produzidos pela Diretoria de Inteligência daquela Superintendência no último ano.
O pedido foi fundamentado no art. 9º, II, da LC 75/93 e no art. 5º, II, da Resolução 20/2007-CNMP:
Art. 9º O Ministério Público da União exercerá o controle externo da atividade policial por meio de medidas judiciais e extrajudiciais podendo:
II - ter acesso a quaisquer documentos relativos à atividade-fim policial;

Art. 5º Aos órgãos do Ministério Público, no exercício das funções de controle externo da atividade policial, caberá:
II – ter acesso a quaisquer documentos, informatizados ou não, relativos à atividade-fim policial civil e militar, incluindo as de polícia técnica desempenhadas por outros órgãos, em especial:

A Polícia Federal se recusou a remeter os documentos alegando que o Ministério Público estava extrapolando suas atribuições constitucionais, considerando que a produção dos relatórios de inteligência não está sujeita ao controle externo do MPF.

A questão chegou até o STJ. O pedido formulado pelo MPF, no presente caso, deverá ser atendido?
NÃO. O controle externo da atividade policial exercido pelo Ministério Público Federal não lhe garante o acesso irrestrito a todos os relatórios de inteligência produzidos pela Diretoria de Inteligência do Departamento de Polícia Federal, mas somente aos de natureza persecutório-penal.

Lei nº 9.883/99
A Lei nº 9.883/99 instituiu o Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN), que tem por objetivo planejar e executar as atividades de inteligência do País com a finalidade de fornecer subsídios ao Presidente da República nos assuntos de interesse nacional.
A Lei foi regulamentada pelo Decreto nº 4.376/2002, que previu que a Diretoria de Inteligência Policial do Departamento de Polícia Federal integra o SISBIN.
Desse modo, a Diretoria de Inteligência Policial do Departamento de Polícia Federal, dentre outras atribuições, executa atividades de inteligência com a finalidade de subsidiar o Presidente da República nos assuntos de interesse nacional.
Assim, os relatórios de inteligência (chamados de RELINT) nem sempre têm por objetivo servir de subsídio para a deflagração de inquéritos policiais. Algumas vezes eles servem apenas para municiar o SISBIN e auxiliar o Presidente da República na tomada de decisões.

MP deve ter acesso aos RELINTs relacionados com as atividades de investigação criminal
Se você reparar novamente na redação do art. 9º, II, da LC 75/93, verá que o legislador afirma que o MP poderá ter "acesso a quaisquer documentos relativos à atividade-fim policial".
Dessa forma, o controle externo da atividade policial exercido pelo Parquet deve circunscrever-se à atividade de polícia judiciária. Logo, somente cabe ao órgão ministerial acesso aos relatórios de inteligência emitidos pela Polícia Federal de natureza persecutório-penal, ou seja, que guardem relação com a atividade de investigação criminal (atividade-fim policial).

Acesso irrestrito a todos os relatórios de inteligência não é cabível
Desse modo, o pleito do MP de ter acesso a "todos os relatórios de inteligência" produzidos pelo Departamento de Polícia Federal no Rio de Janeiro, de modo irrestrito e incluindo aqueles não destinados a aparelhar procedimentos investigatórios criminais, extrapola o poder fiscalizador atribuído à Instituição.

E as atividades de inteligência realizadas pelo SISBIN ficarão sem nenhuma fiscalização?
NÃO. O controle e a fiscalização externos da atividade de inteligência do SISBIN serão exercidos pelo Poder Legislativo, ou seja, pelo Congresso Nacional (art. 6º da Lei nº 9.883/99).

Resumindo:
O controle externo da atividade policial exercido pelo Ministério Público Federal não lhe garante o acesso irrestrito a todos os relatórios de inteligência produzidos pela Diretoria de Inteligência do Departamento de Polícia Federal, mas somente aos de natureza persecutório-penal.
O controle externo da atividade policial exercido pelo Parquet deve circunscrever-se à atividade de polícia judiciária, conforme a dicção do art. 9º da LC n. 75/93, cabendo-lhe, por essa razão, o acesso aos relatórios de inteligência policial de natureza persecutório-penal, ou seja, relacionados com a atividade de investigação criminal.
O poder fiscalizador atribuído ao Ministério Público não lhe confere o acesso irrestrito a "todos os relatórios de inteligência" produzidos pelo Departamento de Polícia Federal, incluindo aqueles não destinados a aparelhar procedimentos investigatórios criminais formalizados.
STJ. 1ª Turma. REsp 1.439.193-RJ, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 14/6/2016 (Info 587).



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