segunda-feira, 19 de setembro de 2016
Emissoras de rádio e TV podem ser punidas caso transmitam seus programas fora do horário estabelecido pela classificação indicativa do Ministério da Justiça?
segunda-feira, 19 de setembro de 2016
Classificação indicativa
O art. 254 do ECA prevê que os
programas de rádio e TV, com base em seu conteúdo, deverão ser classificados
como apropriados ou não, de acordo com a faixa etária.
Ex: um programa de TV que não
exiba cenas de violência, sexo ou uso de drogas é classificado como "livre
para todos os públicos". Se ele tiver cenas de nudez velada, insinuação
sexual, linguagem de conteúdo sexual, simulações de sexo etc., poderá ser
classificado como "recomendado para maiores de 12 anos".
O governo estipulou horários em
que cada um desses programas deverá passar de acordo com a faixa etária que ele
foi enquadrado. Ex: o programa livre para todos os públicos poderá ser exibido
em qualquer horário; por outro lado, o programa recomendado para maiores de 12
anos somente podia ser transmitido a partir de 20h.
Quem faz essa classificação?
O Ministério da Justiça, por meio
de um setor específico que cuida do assunto. Há uma portaria que regulamenta o
tema (Portaria 368/2014-MJ).
Quais os critérios utilizados?
Existe uma espécie de
"manual" utilizado pelo MJ para fazer esta classificação.
Há, em resumo, três critérios de
análise: a) violência; b) sexo e nudez; c) drogas.
A partir daí, o programa pode ser
classificado em seis diferentes faixas: livre, 10, 12, 14, 16 ou 18 anos.
No rádio e na TV aberta existem
horários apropriados para que estes programas sejam exibidos, de acordo com a
faixa etária classificada.
A Constituição Federal trata
sobre o assunto?
Sim. O tema é tratado em alguns
dispositivos da CF/88. Confira:
Art. 21. Compete à União:
XVI - exercer a classificação, para efeito indicativo, de diversões
públicas e de programas de rádio e televisão;
Art. 220 (...)
§ 3º Compete à lei
federal:
I - regular as diversões e
espetáculos públicos, cabendo ao Poder Público informar sobre a natureza deles,
as faixas etárias a que não se recomendem, locais e horários em que sua
apresentação se mostre inadequada;
II - estabelecer os meios
legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de
programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no
art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam
ser nocivos à saúde e ao meio ambiente.
Art. 221. A produção e a programação das emissoras de rádio e televisão
atenderão aos seguintes princípios:
(...)
IV - respeito aos valores
éticos e sociais da pessoa e da família.
Infração administrativa
Caso a emissora de rádio ou TV
exibisse o programa fora do horário recomendado, ela praticaria infração
administrativa e poderia ser punida com multa e até suspensão da programação na
hipótese de reincidência. Confira a redação do ECA:
Art. 254. Transmitir,
através de rádio ou televisão, espetáculo em horário diverso do autorizado ou
sem aviso de sua classificação:
Pena - multa de vinte a
cem salários de referência; duplicada em caso de reincidência a autoridade
judiciária poderá determinar a suspensão da programação da emissora por até
dois dias.
Duplo dever
Repare que, de acordo com a
redação do art. 254 do ECA, as emissoras de rádio e TV possuíam dois deveres
impostos por lei:
1) Avisar, antes de o programa
começar, qual é a classificação etária do espetáculo (aquele famoso aviso:
"programa recomendado para todos os públicos" ou "programa recomendado para maiores de 12
anos");
2) Somente transmitir os
programas nos horários compatíveis com a sua classificação etária. Ex: se o programa
foi recomendado para maiores de 12 anos, ele não podia ser exibido antes das
20h.
ADI
Em 2001, o Partido Trabalhista
Brasileiro (PTB) ingressou com uma ação direta de inconstitucionalidade contra
o art. 254 do ECA alegando que ele violou o art. 5º, IX (liberdade de
expressão), o art. 21, XVI e o art. 220, caput e parágrafos, da CF/88. Isso
porque o art. 254 do ECA extrapolou o que determina a Constituição Federal, já
que impôs que as emissoras de rádio e TV somente exibissem os programas em
determinados horários sob pena de serem punidas administrativamente.
O STF finalmente enfrentou o
tema. O que foi decidido? A ADI foi julgada procedente?
SIM. O STF julgou a ADI
procedente e decidiu que:
É
inconstitucional a expressão “em horário diverso do autorizado” contida no art.
254 do ECA.
STF. Plenário. ADI 2404/DF, Rel.
Min. Dias Toffoli, julgado em 31/8/2016 (Info 837).
Liberdade de programação é uma
forma de liberdade de expressão
A Constituição Federal garante a
liberdade de expressão (art. 5º, IX, da CF/88) e a liberdade de comunicação
social, prevista no art. 220 da CF/88:
Art. 220. A manifestação
do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma,
processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta
Constituição.
Como consectário dessa garantia,
as emissoras de rádio e TV gozam de "liberdade de programação", sendo
esta uma das dimensões da liberdade de expressão em sentido amplo.
Assim, a programação das
emissoras deve permanecer como sendo uma tarefa autônoma e livre de
interferências do Poder Público.
Proteção das crianças e
adolescentes
Por outro lado, a criança e o
adolescente, pela posição de fragilidade em que se colocam, devem ser
destinatários, tanto quanto possível, de normas e ações protetivas voltadas ao
seu desenvolvimento pleno e à preservação contra situações potencialmente
danosas a sua formação física, moral e mental.
Necessidade de compatibilizar
tais valores
O caso em tela envolve, portanto,
dois valores constitucionais que devem ser sopesados para uma correta decisão:
de um prisma, a liberdade de expressão nos meios de comunicação; de outro, a
necessidade de garantir a proteção da criança e do adolescente.
O que fez a Constituição Federal
para compatibilizar esses dois valores? Ela determinou, em seu art. 21, XVI e
art. 220, § 3º, que fosse criado um sistema de classificação
indicativa dos espetáculos.
Assim, os programas devem ser
classificados de acordo com faixas etárias e essa classificação deve ser divulgada
aos telespectadores a fim de que eles tenham as informações necessárias para
decidir se permitem ou não que as crianças e adolescentes assistam tais
programas. No entanto, em nenhum momento o texto constitucional determinou que
as empresas sejam obrigadas a veicular os programas em determinados horários,
sob pena de punição.
O sistema de classificação indicativa foi o
ponto de equilíbrio tênue adotado pela Constituição para compatibilizar os dois
postulados, a fim de velar pela integridade das crianças e dos adolescentes sem
deixar de lado a preocupação com a garantia da liberdade de expressão.
A classificação dos produtos
audiovisuais busca esclarecer, informar, indicar aos pais a existência de
conteúdo inadequado para as crianças e os adolescentes. Essa classificação
desenvolvida pela União possibilita que os pais, calcados na autoridade do
poder familiar, decidam se a criança ou o adolescente pode ou não assistir a
determinada programação.
Classificação indicativa não se
confunde com autorização para exibir os programas
A Constituição conferiu à União e
ao legislador federal margem limitada de atuação no campo da classificação dos
espetáculos e diversões públicas. A autorização constitucional é para que a União
classifique, informe, indique as faixas etárias e/ou horários não recomendados.
Ela não pode, contudo, proibir, vedar ou censurar os programas.
A classificação indicativa deve ser
entendida como um aviso aos usuários sobre o conteúdo da
programação, jamais como obrigação às emissoras de exibição em horários
específicos, especialmente sob pena de sanção administrativa.
Por essa razão, percebe-se que o
art. 254 do ECA violou a Constituição Federal ao instituir punição para as
emissoras que transmitam espetáculo "em horário diverso do autorizado". O uso do verbo “autorizar” revela a ilegitimidade
do dispositivo legal.
O art. 255, ao estabelecer
punição às empresas do ramo por exibirem programa em horário diverso do
autorizado, incorre, portanto, em abuso constitucional.
Submissão de programa ao
Ministério da Justiça
É legítimo que se exija que as
emissoras submetam os programas para serem analisados e classificados pelo
Ministério da Justiça. No entanto, a submissão de programa ao Ministério não
consiste em condição para que ele possa ser exibido, pois não se trata de uma
licença ou de autorização estatal. A CF/88 veda que se exija licença ou
autorização do governo para a exibição de programas de rádio ou TV.
Dessa forma, esta submissão
ocorre, exclusivamente, com o objetivo de que a União exerça sua competência
administrativa para classificar, a título indicativo, as diversões públicas e
os programas de rádio e televisão, conforme determina o art. 21, XVI, da CF/88.
Imposição de horários para os
programas é inconstitucional
O Estado não pode determinar que
os programas somente possam ser exibidos em determinados horários. Isso seria
uma imposição, o que é vedado pelo texto constitucional.
O Poder Público pode apenas recomendar os horários adequados. A classificação dos programas é indicativa (e não obrigatória).
Censura prévia
A expressão “em horário diverso
do autorizado”, contida no art. 254 do ECA, embora não impedisse a veiculação
de ideias, não impusesse cortes nas obras audiovisuais, mas tão-somente
exigisse que as emissoras veiculassem seus programas em horário adequado ao
público-alvo, implicava verdadeira censura prévia, acompanhada de elemento
repressor, de punição.
Esse caráter não se harmoniza com
os arts. 5º, IX; 21, XVI; e 220, § 3º, I, todos da CF/88.
Efeito pedagógico
A exibição do aviso de
classificação indicativa deve ter apenas efeito pedagógico, a exigir reflexão
por parte do espectador e dos responsáveis.
É dever estatal, nesse ponto,
conferir maior publicidade aos avisos de classificação, bem como desenvolver
programas educativos acerca desse sistema.
Além disso, o controle pelos pais
e responsáveis sobre os programas assistidos pelas crianças e adolescentes pode
ser feito, inclusive, com o auxílio de meios eletrônicos de restrição de acesso
a determinados programas, como já feito em outros países. Essa tecnologia,
inclusive, é de uso obrigatório no Brasil, apesar de ainda não adotada na
prática, conforme previsto no art. 1º da Lei nº 10.359/2001:
Art. 1º Os aparelhos de
televisão produzidos no território nacional deverão dispor, obrigatoriamente, de
dispositivo eletrônico que permita ao usuário bloquear a recepção de programas
transmitidos pelas emissoras, concessionárias e permissionárias de serviços de
televisão, inclusive por assinatura e a cabo, mediante:
I - a utilização de código
alfanumérico, de forma previamente programada; ou
II - o reconhecimento de
código ou sinal, transmitido juntamente com os programas que contenham cenas de
sexo ou violência.
Permanece o dever de informar a
classificação indicativa
É importante salientar que
permanece o dever das emissoras de rádio e de televisão de exibir ao público o
aviso de classificação etária, de forma antecedente e concomitante com a
veiculação do conteúdo, regra essa prevista no parágrafo único do art. 76 do
ECA, sendo seu descumprimento tipificado como infração administrativa pelo art.
254.
O que foi declarado inconstitucional
foi apenas a punição caso a emissora exiba o programa fora do horário recomendado.
Responsabilização judicial em caso de abusos
Responsabilização judicial em caso de abusos
Vale ressaltar, no entanto, que
as emissoras não estão livres de responsabilidade. Isso porque será possível
que elas sejam processadas e responsabilizadas judicialmente caso pratiquem
abusos ou danos à integridade de crianças e adolescentes, tendo em conta,
inclusive, a recomendação do Ministério de Estado da Justiça em relação aos
horários em que determinada programação seria adequada.
É o caso, por exemplo, de uma
emissora que exiba, reiteradamente, programas violentos ou com fortes cenas de
sexo em plena manhã ou tarde. Nesse exemplo extremo, o Ministério Público
poderia ajuizar ação civil pública contra a emissora pedindo a sua
responsabilização pelos danos causados a crianças e adolescentes. Isso porque a
liberdade de expressão não é uma garantia absoluta e exige responsabilidade no
seu exercício. Assim, as emissoras devem observar na sua programação as
cautelas necessárias às peculiaridades do público infanto-juvenil.
Outros dispositivos do ECA
O ECA possui outro dispositivo
parecido que trata sobre o tema, mas que não foi impugnado nem declarado
inconstitucional. Trata-se do art. 76, que possui a seguinte redação:
Art. 76. As emissoras de
rádio e televisão somente exibirão, no horário recomendado para o público
infanto juvenil, programas com finalidades educativas, artísticas, culturais e
informativas.
Parágrafo único. Nenhum
espetáculo será apresentado ou anunciado sem aviso de sua classificação, antes
de sua transmissão, apresentação ou exibição.
Este dispositivo não estabelece
nenhuma punição para as emissoras de rádio e TV que exibirem programas fora de
horários estipulados pelo Poder Público. Por essa razão, não é considerado
inconstitucional, já que não viola a liberdade de expressão. Cuidado nas provas
porque o enunciado da questão pode tentar confundir você.