Dizer o Direito

segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Direitos autorais, ECAD e festa junina de escola



Imagine a seguinte situação hipotética:
O colégio "Bons Estudos" realizou uma festa junina na quadra da escola contando com a participação dos alunos e pais.
Durante a festa foram executadas diversas músicas folclóricas e culturais, tendo havido danças típicas etc.
Após o evento, o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD) ajuizou ação de cobrança contra o colégio alegando que, mesmo notificada, a escola não pagou os valores relativos aos direitos autorais das músicas executadas durante a festa.
A cobrança realizada foi feita com base no art. 29, VIII, "b" e art. 68 da Lei nº 9.610/98:
Art. 29. Depende de autorização prévia e expressa do autor a utilização da obra, por quaisquer modalidades, tais como:
(...)
VIII - a utilização, direta ou indireta, da obra literária, artística ou científica, mediante:
a) representação, recitação ou declamação;
b) execução musical;

Art. 68. Sem prévia e expressa autorização do autor ou titular, não poderão ser utilizadas obras teatrais, composições musicais ou lítero-musicais e fonogramas, em representações e execuções públicas.

O colégio contestou a demanda argumentando que o evento foi gratuito e sem objetivo de lucro. Alegou que se tratava de uma confraternização entre pais, alunos e professores, fazendo parte do programa pedagógico da escola.

O pedido do ECAD deve ser julgado procedente?
NÃO.

É indevida a cobrança de direitos autorais pela execução, sem autorização prévia dos titulares dos direitos autorais ou de seus substitutos, de músicas folclóricas e culturais em festa junina realizada no interior de estabelecimento de ensino, na hipótese em que o evento tenha sido organizado como parte de projeto pedagógico, reunindo pais, alunos e professores, com vistas à integração escola-família, sem venda de ingressos e sem a utilização econômica das obras.
STJ. 2ª Seção. REsp 1.575.225-SP, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 22/6/2016 (Info 587).

Em regra, mesmo que o evento não vise o lucrativo, deverá haver pagamento de direitos autorais
A Lei nº 9.610/98 (Lei de Direitos Autorais), em regra, não exige que o evento tenha finalidade lucrativa (direta ou indireta) para que seja obrigatório o pagamento dos direitos autorais. Em outras palavras, em regra, mesmo a exibição da obra não tenha objetivo de lucro, ainda assim, é dever o pagamento da retribuição autoral.
O fato gerador do pagamento dos direitos autorais é a exibição pública da obra artística, em local de frequência coletiva.

Exceção: execução musical nos estabelecimentos de ensino sem intuito de lucro
A regra acima exposta tem uma exceção prevista no art. 46, VI, da Lei nº 9.610/98. Veja:
Art. 46. Não constitui ofensa aos direitos autorais:
(...)
VI - a representação teatral e a execução musical, quando realizadas no recesso familiar ou, para fins exclusivamente didáticos, nos estabelecimentos de ensino, não havendo em qualquer caso intuito de lucro;

A regra prevista no art. 46, VI, por ser especial, tem prevalência sobre os arts. 29 e 68 que são consideradas regras gerais.
Assim, o caráter pedagógico da atividade - execução de músicas culturais e folclóricas em festa junina - ocorrida, sem fins lucrativos, no interior de estabelecimento de ensino, justifica o não cabimento da cobrança de direitos autorais.

Fins exclusivamente didáticos (pedagógicos)
O ECAD defendia a tese de que, quando o inciso VI do art. 46 fala em "fins exclusivamente didáticos", isso significa que só estaria dispensado do pagamento dos direitos autorais escolas de música.
No entanto, a maioria dos Ministros não deu essa interpretação tão restrita e entendeu que essa expressão pode abranger também a realização de uma festa junina pela escola na qual há execução de músicas culturais e folclóricas. Esse tipo de atividade é considerada como tendo caráter pedagógico.
Tratando-se de festa de confraternização, pedagógica, didática, de fins culturais, que congrega a escola e a família, é fácil constatar que a admissão da cobrança de direitos autorais representa um desestímulo a essa união. Esse desagregamento não deve ser a tônica, levando-se em consideração a sociedade brasileira, tão marcada pela violência e carente de valores sociais e culturais mais sólidos.

Deve ser analisado o evento no caso concreto
O STJ esclareceu que cada solução dependerá do caso concreto, pois as circunstâncias de cada evento é que irão determinar seu devido enquadramento.

Quermesse, casamento, batizado, hotel e hospital: deverá haver pagamento de direitos autorais
Ressalte-se, por fim, que o STJ tem posição consolidada no sentido de que é devido o pagamento de direitos autorais nos casos de reprodução musical realizada no âmbito de quermesses (inclusive de igrejas), casamentos, batizados, hotel e hospital. Esse entendimento continua em vigor. Isso porque tais situações não se enquadram no art. 46, VI, devendo incidir, portanto, a regra geral de proteção ao direito do autor.




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