sexta-feira, 2 de setembro de 2016
Competência para julgamento das contas dos Prefeitos e sua repercussão na inelegibilidade
sexta-feira, 2 de setembro de 2016
COMPETÊNCIA PARA JULGAR AS CONTAS
DOS PREFEITOS
Lei da Ficha Limpa
A LC 64/90, alterada pela LC
135/2010 (Lei da Ficha Limpa), prevê que os administradores que ocuparam cargos
ou funções públicas e tiveram suas contas rejeitadas pelo "órgão
competente" ficam inelegíveis pelo período de 8 anos. Veja:
Art. 1º São inelegíveis:
I - para qualquer cargo:
(...)
g) os que tiverem suas
contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por
irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade
administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente,
salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as
eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da
data da decisão, aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da
Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de
mandatários que houverem agido nessa condição;
Qual é o "órgão
competente" para julgar as contas do Prefeito? Em se tratando de um
Prefeito, qual será o "órgão competente" de que trata o art. 1º, I,
"g", da LC 64/90?
Havia duas correntes sobre o
tema:
1ª) Tribunais de Contas
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2ª) Câmara dos Vereadores
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Se
o Tribunal de Contas rejeitasse as contas do Prefeito, ele já se tornaria
inelegível, nos termos do art. 1º, I, "g", da LC 64/90.
Era
a posição defendida pela maioria dos Tribunais de Contas e do Ministério
Público eleitoral.
Assim,
quando o TCE rejeitava as contas de um Prefeito, a Justiça Eleitoral, com
base nesta decisão, negava registro de candidatura a ele.
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A
competência para julgar as contas do Prefeito é da Câmara Municipal.
O
papel do Tribunal de Contas é apenas o de auxiliar o Poder Legislativo
municipal. Ele emite um parecer prévio sugerindo a aprovação ou rejeição das
contas do Prefeito. Após, este parecer é submetido à Câmara, que poderá
afastar as conclusões do Tribunal de Contas, desde que pelo voto de, no
mínimo, 2/3 dos Vereadores (art. 31, § 2º da CF/88).
Logo,
somente após a decisão da Câmara Municipal rejeitando as contas do Prefeito é
que a Justiça Eleitoral poderá considerá-lo inelegível.
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Qual das correntes foi acolhida
pelo STF?
A segunda. O STF, ao apreciar o
tema, fixou a seguinte tese em sede de repercussão geral:
Para
os fins do artigo 1º, inciso I, alínea g, da Lei Complementar 64/1990, a
apreciação das contas de Prefeito, tanto as de governo quanto as de gestão,
será exercida pelas Câmaras Municipais, com auxílio dos Tribunais de Contas
competentes, cujo parecer prévio somente deixará de prevalecer por decisão de
dois terços dos vereadores.
STF. Plenário. RE 848826/DF, rel.
orig. Min. Roberto Barroso, red. p/ o acórdão Min. Ricardo Lewandowski, julgado
em 10/8/2016 (repercussão geral) (Info 834).
A Câmara Municipal é o órgão
competente para julgar as contas de natureza política e de gestão. Essa é a
interpretação que se extrai do art. 31, § 2º da CF/88:
Art. 31. A fiscalização do
Município será exercida pelo Poder Legislativo Municipal, mediante controle
externo, e pelos sistemas de controle interno do Poder Executivo Municipal, na
forma da lei.
(...)
§ 2º - O parecer prévio,
emitido pelo órgão competente sobre as contas que o Prefeito deve anualmente
prestar, só deixará de prevalecer por decisão de dois terços dos membros da
Câmara Municipal.
A Constituição conferiu ao Poder
Legislativo a função de controle e fiscalização das contas do chefe do Poder
Executivo. Esta é uma função típica do Legislativo, ao lado da função
legiferante. Isso se deve ao fato de que cabe a um Poder fiscalizar o outro.
Esta fiscalização se desenvolve por
meio de um processo político-administrativo, que se inicia no Tribunal de
Contas, que faz uma apreciação técnica das contas e emite um parecer. No
entanto, a decisão final cabe ao Poder Legislativo.
A Câmara dos Vereadores
representa a soberania popular e os contribuintes e, por isso, tem a
legitimidade para este exame. Vale ressaltar que a Câmara Municipal tem,
inclusive, poder de verificar a ocorrência de crimes de responsabilidade
praticados pelo Prefeito, inclusive quanto à malversação do dinheiro público,
nos termos do Decreto-lei 201/1967.
Votos vencidos
O julgamento foi por apertada
maioria (6x5).
Votaram pela competência das
Câmaras Municipais: Ministros Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Edson Fachin,
Cármen Lúcia, Marco Aurélio e Celso de Mello.
Votaram pela competência dos
Tribunais de Contas: Ministros Luis Roberto Barroso, Teori Zavascki, Rosa
Weber, Luiz Fux e Dias Toffoli.
Qual era o principal argumento
dos votos vencidos?
Para o Ministro Luis Roberto
Barroso, que ficou vencido, o ato de fiscalizar a Administração Pública envolve
duas espécies de prestação de contas:
Contas de GOVERNO
|
Contas de GESTÃO
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Também
denominadas de contas de desempenho ou contas de resultado.
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Também
chamadas de contas de ordenação de despesas.
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Ao
prestar estas contas, o administrador tem como objetivo demonstrar que
cumpriu o orçamento dos planos e programas de governo.
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Esta
prestação de contas tem como objetivo avaliar não os gastos globais do
governante, mas sim cada um dos atos administrativos que compõem a gestão
contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial do ente
público.
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Tais
contas são referentes à atuação do chefe do Poder Executivo como agente
político.
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Tais
contas são referentes à atuação do chefe do Poder Executivo como administrador
público.
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A
competência para julgar as contas de governo é da respectiva Casa Legislativa
(Poder Legislativo), após parecer prévio do Tribunal de Contas.
Ex:
no caso dos Prefeitos, a competência para julgar as contas de governo seria
da Câmara dos Vereadores, após parecer prévio do Tribunal de Contas.
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A
competência para julgar em definitivo as contas de gestão seria do Tribunal de
Contas, sem a participação da Casa Legislativa.
Assim
sendo, se o Prefeito age como ordenador de despesas, suas contas de gestão devem
ser julgadas de modo definitivo pelo Tribunal de Contas sem a intervenção da
Câmara Municipal.
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Nas
contas de governo, o Tribunal de Contas dá um parecer, mas a decisão final é
da Casa Legislativa.
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Nas
contas de gestão, o Tribunal de Contas julga em definitivo a regularidade ou
não. Não há participação da Casa Legislativa neste exame.
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Fundamento
constitucional:
Art.
71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o
auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete:
I
- apreciar as contas prestadas anualmente pelo Presidente da República,
mediante parecer prévio que deverá ser elaborado em sessenta dias a contar de
seu recebimento;
|
Fundamento
constitucional:
Art.
71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o
auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete:
II
- julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros,
bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as
fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público federal, e
as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade
de que resulte prejuízo ao erário público;
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Obs: as normas do art. 71
aplicam-se também aos Estados-Membros e Municípios por força do art. 75,
“caput”, da CF/88.
Esta argumentação desenvolvida no
quadro acima não foi acolhida pela maioria dos Ministros. Segundo restou
decidido ao final pelo STF, "a apreciação das contas de Prefeito, tanto as
de governo quanto as de gestão, será exercida pelas Câmaras Municipais, com
auxílio dos Tribunais de Contas competentes, cujo parecer prévio somente
deixará de prevalecer por decisão de dois terços dos vereadores."
NATUREZA DO
PARECER TÉCNICO DO TRIBUNAL DE CONTAS E DEMORA NA SUA APRECIAÇÃO PELA CÂMARA
DOS VEREADORES
Parecer técnico do Tribunal de
Contas
Conforme se observa pelo § 2º do
art. 31 da CF/88, o Prefeito presta suas contas ao Tribunal de Contas e este,
após examiná-las, emite um parecer opinando pela aprovação ou rejeição. Este
parecer é enviado ao Poder Legislativo Municipal (Câmara dos Vereadores), que
poderá acolher ou afastar as conclusões do Tribunal de Contas.
Se a Câmara Municipal decidir
afastar as conclusões do parecer, ela precisará fazer isso por meio de um
quórum qualificado, exigindo-se o voto de 2/3 dos Vereadores. Em outras
palavras, se a Câmara quiser discordar do Tribunal de Contas, pode fazê-lo, mas
desde que por, no mínimo, 2/3 dos Vereadores. Veja novamente a redação do
dispositivo constitucional:
Art. 31. A fiscalização do
Município será exercida pelo Poder Legislativo Municipal, mediante controle
externo, e pelos sistemas de controle interno do Poder Executivo Municipal, na
forma da lei.
(...)
§ 2º - O parecer prévio,
emitido pelo órgão competente sobre as contas que o Prefeito deve anualmente
prestar, só deixará de prevalecer por decisão de dois terços dos membros da
Câmara Municipal.
Demora da Câmara Municipal para
apreciar o parecer do Tribunal de Contas exarado pela rejeição
Até aqui, tudo bem. Ocorre que,
muitas vezes, o Tribunal de Contas emite o parecer reprovando as contas do
Prefeito e o encaminha à Câmara Municipal, mas esta não julga as contas.
Chega, então, o período eleitoral
e o Prefeito solicita o registro de sua candidatura, seja para a reeleição,
seja para outro cargo (ex: Deputado Estadual). Ele poderá concorrer mesmo
havendo um parecer do Tribunal de Contas rejeitando as suas contas? O parecer
do Tribunal de Contas produz efeitos enquanto não for rejeitado expressamente
pela Câmara Municipal?
Sobre este tema, também surgiram
duas correntes:
1ª) O parecer prévio do Tribunal
de Contas que rejeita as contas do Prefeito deverá produzir efeitos até que a
Câmara Municipal expressamente o afaste, pelo voto de 2/3 dos Vereadores. Esta
corrente se baseia na redação literal do § 2º do art. 31. Veja: "... só deixará de prevalecer por
decisão de dois terços dos membros da Câmara Municipal". Assim, se há
demora no julgamento pela Câmara Municipal e o parecer foi pela reprovação das
contas, este Prefeito não poderia concorrer por incidir na Lei da Ficha Limpa.
Esta era a posição defendida pela maioria dos Tribunais de Contas e do
Ministério Público eleitoral.
2ª) O parecer técnico elaborado
pelo Tribunal de Contas tem natureza meramente opinativa. Ele não tem caráter
decisório. Logo, enquanto não houver o julgamento pela Câmara Municipal
rejeitando as contas do Prefeito, não existe nenhum impedimento para que ele
concorra às eleições. Mesmo que a Câmara demore a apreciar o parecer, não se
pode considerar que as contas do Prefeito tenham sido rejeitadas. Isso porque
não existe julgamento ficto das contas por demora no prazo da Câmara para
apreciá-las.
Qual foi a corrente adotada pelo
STF?
A segunda. O STF, ao apreciar o
tema, fixou a seguinte tese em sede de repercussão geral:
Parecer
técnico elaborado pelo Tribunal de Contas tem natureza meramente opinativa,
competindo exclusivamente à Câmara de Vereadores o julgamento das contas anuais
do chefe do Poder Executivo local, sendo incabível o julgamento ficto das
contas por decurso de prazo.
STF.
Plenário. RE 729744/MG, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 10/8/2016
(repercussão geral) (Info 834).
A expressão “só deixará de
prevalecer”, constante do § 2º do art. 31, deve ser interpretada de forma
sistêmica, de modo a se referir à necessidade de quórum qualificado para a
rejeição do parecer emitido pela Corte de Contas. Em outras palavras, esta
expressão não quer dizer que o parecer irá prevalecer enquanto não houver
decisão da Câmara Municipal. Ela apenas está dizendo que os Vereadores só
poderão discordar do parecer pelo voto de 2/3. No entanto, enquanto não houver
votação na Câmara, as contas ainda não foram julgadas, de forma que não se pode
dizer que elas já tenham sido rejeitadas.
Conforme já explicado, cabe
exclusivamente ao Poder Legislativo o julgamento das contas anuais do chefe do
Executivo. Logo, com mais razão não se pode conferir natureza jurídica de
decisão, com efeitos imediatos, ao parecer emitido pelo Tribunal de Contas que opine
pela desaprovação das contas do Prefeito. Enquanto não houver manifestação
expressa da Câmara Municipal, o documento do Tribunal de Contas é um mero
parecer opinativo.
A interpretação de que o parecer
do Tribunal de Contas é conclusivo e produz efeitos imediatos e permanentes
caso a Câmara Municipal não o examine no prazo ofende a regra do art. 71, I, da
CF/88. Além disso, haveria uma espécie de julgamento ficto das contas, o que
não é permitido pelo ordenamento jurídico por dois motivos:
1) isso representaria uma
delegação ao Tribunal de Contas, órgão auxiliar, de uma competência
constitucional que é própria das Câmaras Municipais;
2) estaria sendo criada uma sanção
aos Prefeitos pelo decurso de prazo, punição esta inexistente na Constituição.
A rejeição das contas tem o
condão de gerar, como consequência, a caracterização da inelegibilidade do Prefeito,
nos termos do art. 1º, I, “g”, da LC 64/1990. Diante disso, não se poderia
admitir que o parecer opinativo do Tribunal de Contas tenha o condão de gerar
tais consequências ao chefe de Poder local sem que haja aval do Poder
Legislativo.
Vale ressaltar, ainda, que, se o
parecer do Tribunal de Contas for pela rejeição, mas a Câmara Municipal decidir
aprovar as contas do Prefeito, afasta-se a sua inelegibilidade (ele poderá
concorrer). No entanto, os fatos apurados no processo político-administrativo pela
Corte de Contas podem dar ensejo à responsabilização civil, criminal ou
administrativa do chefe do Poder Executivo, medidas que poderão ser tomadas
pelo Ministério Público, por exemplo.
Votos vencidos
Ficaram vencidos os Ministros
Luiz Fux e Dias Toffoli. Eles defendiam que o parecer prévio emitido pelo Tribunal
de Contas produziria efeitos integralmente a partir de sua edição. A eficácia
cessaria, porém, se e quando apreciado e rejeitado por deliberação de 2/3 dos Vereadores.
Para tais Ministros, entendimento contrário teria a consequência prática de
tornar o parecer emitido pelo órgão competente um nada jurídico, dado o efeito
paralisante de omissão do Poder Legislativo.