Dizer o Direito

quarta-feira, 14 de setembro de 2016

Análise da constitucionalidade das novas regras sobre os debates eleitorais (art. 46 da Lei 9.504/97, com redação dada pela Lei 13.165/2015)



Lei nº 13.165/2015
Foi publicada no dia 30/09/2015, a Lei nº 13.165/2015, que alterou:
• a Lei nº 9.504/97 (Lei das Eleições);
• a Lei nº 9.096/95 (Lei dos Partidos Políticos); e
• a Lei nº 4.737/65 (Código Eleitoral).

O objetivo declarado da Lei foi o de reduzir os custos das campanhas eleitorais, simplificar a administração dos Partidos Políticos e incentivar a participação feminina nas eleições. Trata-se de uma verdadeira reforma eleitoral, com vários dispositivos alterados dos três principais diplomas legislativos sobre a matéria.

Debates eleitorais
As emissoras de rádio e TV têm por costume realizar debates entre os candidatos. Algumas emissoras convidam todos os candidatos, enquanto outras optam por não chamar aqueles que são filiados a partidos menores.

A emissora é obrigada a chamar todos os candidatos para os debates de rádio e TV?
Não. Existe uma regra sobre isso e ela foi alterada pela Lei nº 13.165/2015 com o objetivo de dar maior liberdade às emissoras.

ANTES:
As emissoras eram obrigadas a convidar todos os candidatos dos partidos que tivessem representação na Câmara dos Deputados.
Assim, se o candidato fizesse parte de um partido político que tivesse, no mínimo, 1 Deputado Federal, ele deveria ser obrigatoriamente convidado para o debate.

AGORA:
As emissoras são obrigadas a convidar todos os candidatos dos partidos que tenham representação na Câmara superior a 9 Deputados.
Desse modo, para que a emissora seja obrigada a convidar o candidato, ele deve fazer parte de um partido político que tenha, no mínimo, 10 Deputados Federais.


LEI 9.504/97 (LEI DAS ELEIÇÕES)
 
Redação anterior
Redação ATUAL

Art. 46. Independentemente da veiculação de propaganda eleitoral gratuita no horário definido nesta Lei, é facultada a transmissão, por emissora de rádio ou televisão, de debates sobre as eleições majoritária ou proporcional, sendo assegurada a participação de candidatos dos partidos com representação na Câmara dos Deputados, e facultada a dos demais, observado o seguinte:


Art. 46. Independentemente da veiculação de propaganda eleitoral gratuita no horário definido nesta Lei, é facultada a transmissão por emissora de rádio ou televisão de debates sobre as eleições majoritária ou proporcional, sendo assegurada a participação de candidatos dos partidos com representação superior a nove Deputados, e facultada a dos demais, observado o seguinte:


ADI proposta por partidos contra esta mudança
Quatro partidos políticos (PTN, PHS, PRP e PTC) ajuizaram ADI contra a alteração promovida pela Lei nº 13.165/2015 no art. 46 da Lei nº 9.504/97.
Na ação, argumentaram que, antes da edição da Lei, as emissoras de rádio e TV eram obrigadas a chamar para os debates eleitorais os candidatos filiados a partidos que possuíssem pelo menos 1 Deputado Federal. Com a mudança, este número mínimo passou para 10 Deputados Federais, alteração que, na visão dos autores, revelou-se desproporcional e irrazoável, sendo, portanto, inconstitucional por restringir a participação política dos partidos menores.

A ação proposta foi acolhida pelo STF? As novas regras sobre a participação dos partidos nos debates eleitorais viola a CF/88?
NÃO.

É constitucional o art. 46 da Lei nº 9.504/97, com redação dada pela Lei nº 13.165/2015, que prevê que as emissoras de rádio e TV somente são obrigadas a convidar para participar dos debates eleitorais os candidatos dos partidos que tenham representação na Câmara superior a 9 Deputados Federais.
Esta regra não viola os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.
STF. Plenário. ADI 5423/DF e ADI 5491/DF, Rel. Min. Dias Toffoli, julgados em 24 e 25/8/2016; ADI 5577 MC-Ref/DF, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 24 e 25/8/2016; ADI 5487/DF, rel. orig. Min. Rosa Weber, red. p/ acórdão Min. Roberto Barroso, julgado em 24 e 25/8/2016 (Info 836).

Segundo o STF, o critério estabelecido no art. 46 da Lei nº 9.504/97 é razoável.

O direito de participação em debates eleitorais ― diferentemente da propaganda eleitoral gratuita no rádio e na TV ― não tem assento constitucional e, por essa razão, pode sofrer restrição maior, em razão do formato e do objetivo desse tipo de programação.

Em outras palavras, a CF/88 assegura aos partidos políticos a propaganda eleitoral gratuita no rádio e TV (art. 17, § 3º). Logo, esse direito tem status constitucional e, por essa razão, o legislador não pode impor critérios muito rígidos que excluam por completo os partidos menores. Já no caso dos debates, a situação é diferente. Isso porque não existe nenhum dispositivo constitucional que assegure a participação dos partidos. Dessa forma, o legislador tem uma liberdade maior para impor restrições e, assim, permitir que as emissoras de rádio e TV apenas convidem os partidos com maior representação política.

A emissora de rádio ou TV pode convidar para o debate candidatos que sejam filiados a partidos políticos com menos de 10 Deputados Federais? Isso é permitido?
SIM. O art. 46 da Lei nº 9.504/97 não proíbe que se convidem candidatos filiados a partidos com menos de 10 Deputados Federais. O dispositivo legal apenas confere uma faculdade às emissoras, ou seja, elas podem convidar se quiserem.
Ex: em uma eleição para prefeito concorrem 5 candidatos: João (filiado a partido com 20 Deputados Federais), Hugo (partido com 15 Deputados), Pedro (partido com 10 Deputados), André (partido com 9 Deputados) e Luciano (partido sem Deputados).
A emissora de rádio da cidade quer realizar um debate. Por lei, ela só está obrigada a convidar João, Hugo e Pedro. No entanto, nada impede que ela chame também André e Luciano.

Imagine agora, no entanto, a seguinte situação:
A emissora de rádio convidou os cinco candidatos.
O § 4º do art. 46 da Lei nº 9.504/97 determina que, antes de o debate acontecer, a emissora deverá fazer uma reunião com os candidatos ou com os representantes dos respectivos a fim de que sejam definidas as regras do evento:
§ 4º O debate será realizado segundo as regras estabelecidas em acordo celebrado entre os partidos políticos e a pessoa jurídica interessada na realização do evento, dando-se ciência à Justiça Eleitoral.

Suponhamos que a emissora de rádio convocou os cinco candidatos para a reunião. No entanto, João e Pedro (que são filiados a partidos políticos com mais de 9 Deputados Federais) afirmaram que não aceitavam a participação dos outros dois candidatos que estão em partidos com menos de 10 Deputados (André e Luciano). João e Pedro argumentaram que eles representam 2/3 dos candidatos aptos (que preenchem o requisito de, no mínimo, 10 Deputados) e possuem o poder de impedir a participação dos demais candidatos inaptos, com base no § 5º do art. 46. Veja o que diz esse dispositivo invocado:
§ 5º Para os debates que se realizarem no primeiro turno das eleições, serão consideradas aprovadas as regras, inclusive as que definam o número de participantes, que obtiverem a concordância de pelo menos 2/3 (dois terços) dos candidatos aptos, no caso de eleição majoritária, e de pelo menos 2/3 (dois terços) dos partidos ou coligações com candidatos aptos, no caso de eleição proporcional. (Redação dada pela Lei nº 13.165/2015)

Esse argumento está correto, segundo o STF? Os candidatos filiados a partidos com mais de 9 Deputados Federais, com base no § 5º do art. 46 (chamados de "candidatos aptos"), poderão impedir que a emissora convide os demais candidatos que não preenchem este requisito ("candidatos inaptos")? Em nosso exemplo, João e Pedro (2/3 dos candidatos aptos) poderão impedir que a emissora convide André e Luciano?
NÃO.

Os candidatos aptos não podem deliberar pela exclusão dos debates de candidatos cuja participação seja facultativa, quando a emissora tenha optado por convidá-los.
STF. Plenário. ADI 5487/DF, rel. orig. Min. Rosa Weber, red. p/ acórdão Min. Roberto Barroso, julgado em 24 e 25/8/2016 (Info 836).

O STF decidiu que os candidatos que têm participação assegurada no debate eleitoral ("candidatos aptos"; em nosso exemplo, João e Pedro) não podem, durante a reunião preparatória, decidir pela exclusão dos demais candidatos que, mesmo sem terem mais de 9 Deputados Federais no partido, foram convidados pela emissora de rádio ou TV para participarem do debate.

Mas o que significa, então, essa frase presente no § 5º: "serão consideradas aprovadas as regras, inclusive as que definam o número de participantes, que obtiverem a concordância de pelo menos 2/3 (dois terços) dos candidatos aptos, no caso de eleição majoritária"?
O STF conferiu interpretação conforme a Constituição ao § 5º do art. 46 e disse que essa frase e o dispositivo todo devem ser interpretados da seguinte forma:

• A emissora pode convidar os candidatos que sejam filiados a partidos políticos com menos de 10 Deputados Federais. Caso ela convide, os candidatos aptos (filiados a partidos com 10 ou mais Deputados) não poderão se opor a esse convite. O § 5º do art. 46 não confere esse poder aos candidatos aptos;

• Se a emissora decidir convidar apenas os candidatos filiados a partidos com mais de 9 Deputados Federais, estes candidatos aptos poderão decidir, desde que exista concordância de no mínimo 2/3 deles, que o debate deverá contar também com a participação dos demais candidatos. Neste caso, a emissora, que anteriormente havia convidado apenas os candidatos aptos, terá que aceitar;

• Desse modo, esta previsão de que os candidatos aptos (mínimo de 2/3) poderão definir "o número de participantes" só vale caso eles queiram incluir os candidatos inaptos e não convidados. Esta previsão não vale para impedir (vetar) que a emissora convide os demais candidatos com menos de 10 Deputados Federais.

Ex1: emissora convidou os 5 candidatos; João e Pedro, mesmo representando 2/3 dos candidatos aptos, não poderão impedir que a emissora convide André e Luciano.

Ex2: imagine que a emissora convidou apenas os três candidatos aptos; ocorre que João e Pedro, em um gesto democrático, decidem que André e Luciano também deverão participar do debate. A emissora terá duas opções: ou aceita o que foi decidido e convida os dois que faltaram, ou então, desiste de realizar o debate.

O argumento para o STF foi o de que o § 5º do art. 46 deve ser interpretado no sentido de dar maior densidade democrática ao processo eleitoral. Assim, essa deliberação de no mínimo 2/3 dos candidatos aptos só deve valer para tornar o debate político mais plural e não para restringi-lo.

O Min. Roberto Barroso observou que em pequenas cidades brasileiras ainda é comum que os veículos de comunicação social estejam concentrados nas mãos de oligarquias ou de políticos locais. Dessa forma, a solução evita tanto que os candidatos quanto as emissoras possam intervir de modo ilegítimo na conformação dos participantes dos debates, garantindo-se, de modo pleno, a liberdade de informação, a paridade de armas e a legitimidade do pleito.

As emissoras de rádio e TV poderão convidar os candidatos mesmo que eles sejam filiados a partidos políticos com menos de 10 Deputados Federais; os candidatos aptos não poderão se opor a isso. Ok, até aqui tudo bem. Mas vem agora uma última pergunta: as emissoras poderão fazer esse convite livremente, ou seja, sem respeitar qualquer critério? A emissora poderá, por exemplo, sem qualquer justificativa, convidar um dos candidatos inaptos e deixar o outro de fora?
NÃO.

As emissoras de rádio e TV possuem a faculdade de convidar outros candidatos não enquadrados no critério do caput do art. 46, independentemente de concordância dos candidatos aptos, mas esse convite deverá ser feito conforme critérios objetivos, que atendam os princípios da imparcialidade e da isonomia e o direito à informação, a ser regulamentado pelo Tribunal Superior Eleitoral.
STF. Plenário. ADI 5488/DF, Rel. Min. Min. Dias Toffoli, julgado em 31/8/2016 (Infos 836 e 837).

O STF afirmou que as emissoras, no momento de fazer esse convite para os candidatos não enquadrados no caput do art. 46, deverão respeitar critérios objetivos, a serem regulamentados pelo TSE, devendo esses critérios respeitar os princípios da imparcialidade e da isonomia e o direito à informação.



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