Dizer o Direito

sexta-feira, 30 de setembro de 2016

O avô que não participou da ação de investigação de paternidade proposta pelo neto contra o pai sofrerá os efeitos da sentença?



Imagine a seguinte situação hipotética:
Pedro teve um rápido relacionamento com Luisa e, desse enlace, nasceu Lucas.
Ocorre que Pedro não reconheceu voluntariamente o filho.
Lucas, representado por sua mãe, propôs ação de investigação de paternidade contra Pedro.
Pedro se recusou a realizar o exame de DNA e a ação foi julgada procedente, nos termos da súmula 301 do STJ, declarando que ele é pai de Lucas. Houve trânsito em julgado.
Alguns meses depois, Pedro faleceu. Como não tinha nenhum patrimônio em vida, não deixou herança.
Diante disso, Lucas ingressou com ação de alimentos contra o Sr. Antônio, pai de Pedro, ou seja, seu avô paterno. Na ação, provou que sua mãe Luisa e seus avós maternos não tinham condições de sustentá-lo.
O Sr. Antônio alegou, como questão prejudicial, que, como não fez parte da relação processual estabelecida na ação de investigação de paternidade, não poderia sofrer os efeitos da coisa julgada e, por consequência, ser demandado na ação alimentícia. Requereu que a ação de alimentos, em razão disso, fosse julgada improcedente ou, subsidiariamente, fosse realizado exame de DNA.
O dispositivo invocado pelo avô foi o art. 506 do CPC/2015:
Art. 506. A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não prejudicando terceiros.

O pedido do Sr. Antônio deverá ser acolhido? Como ele não participou da ação de investigação de paternidade, ficará livre dos efeitos do que ali foi decidido?
NÃO.

Os efeitos da sentença transitada em julgado que reconhece o vínculo de parentesco entre filho e pai em ação de investigação de paternidade alcançam o avô, ainda que este não tenha participado da relação jurídica processual.
STJ. 4ª Turma. REsp 1.331.815-SC, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 16/6/2016 (Info 587).

Limites subjetivos da coisa julgada
Quando se fala em limites subjetivos da coisa julgada, isso significa: "a quem a coisa julgada atinge", ou seja, "quem está submetido à coisa julgada" formada naquele processo.
Em regra, os limites subjetivos da coisa julgada são inter partes, ou seja, estão limitados às partes do processo. Isso está previsto no art. 506 do CPC/2015, transcrito acima.
Ao ler este artigo, você poderia pensar: "então o avô está correto, já que ele não foi parte no processo de investigação e não pode ser prejudicado".
Ocorre que é preciso diferenciar "limites subjetivos da coisa julgada" de "efeitos da sentença". São institutos diferentes.

Efeitos da sentença
Os efeitos da sentença são as alterações que a sentença produz sobre as relações existentes fora do processo.
Os efeitos da sentença irradiam-se com eficácia erga omnes, atingindo mesmo aqueles que não figuraram como parte na relação jurídica processual.

Limites subjetivos da coisa julgada X efeitos da sentença
Desse modo, é fundamental não confundir limites subjetivos da coisa julgada com efeitos da sentença. Conforme explica a doutrina:
"Importante distinção diz respeito aos limites subjetivos da coisa julgada e os efeitos da sentença. Apesar da coisa julgada só atingir as partes que litigaram no processo (exatamente os limites subjetivos ora analisados), os efeitos da sentença a todos atingem, independentemente da legitimidade ou participação no processo.
Contudo, apenas foi possível traçar essa distinção quando, com LIEBMAN, passou-se a diferenciar os efeitos da sentença da coisa julgada. Assim, após a sistematização da posição dos terceiros e dos efeitos advindos da sentença, admitiu-se que, em regra, os efeitos da decisão podem atingir terceiros, ao passo que a coisa julgada atinge apenas as partes." (DELLORE, Luiz. Estudos sobre coisa julgada e controle de constitucionalidade. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 65-66.)

Coisa julgada não abrange o avô, mas os efeitos da sentença o atingem
A coisa julgada formada na ação de investigação de paternidade ajuizada pelo filho em face do pai não atinge o avô, na medida em que esta primeira demanda foi proposta exclusivamente contra seu filho (Pedro). No entanto, os efeitos da sentença o atingem. Ex: se duas pessoas se divorciam em um processo judicial de divórcio, a coisa julgada atinge apenas aos dois; no entanto, os efeitos dessa sentença irradiam-se de forma erga omnes; o ex-casal não está divorciado apenas entre eles, mas sim perante qualquer pessoa.
Os efeitos da sentença não encontram a mesma limitação subjetiva que o art. 506 do CPC/2015 destina ao instituto da coisa julgada, de maneira que também podem atingir, direta ou indiretamente, terceiros que não participaram da relação jurídica processual. Os efeitos da sentença possuem, portanto, eficácia erga omnes.
Assim, tendo o filho promovido ação de investigação de paternidade contra o pai, na qual se deu o julgamento de procedência do pedido e o trânsito em julgado, o vínculo parental entre eles é, por força da coisa julgada que ali se formou, imutável e indiscutível, à luz do art. 502 do CPC/2015.
Nesse contexto, o avô agora suporta as consequências da decisão que assentou a paternidade de seu filho, cujos efeitos atingem-no de maneira reflexa, por força de sua ascendência em relação ao pai judicialmente reconhecido. Ora, se o autor é filho de seu filho, logo, por força de um vínculo jurídico lógico e necessário, é seu neto (art. 1.591 do CC).
Repita-se: não está o avô sujeito à coisa julgada, que só atinge as partes da ação investigatória, mas efetivamente suporta os efeitos que resultam da decisão, independentemente de sua participação na relação processual.
Vale ressaltar que não é apenas o avô que irá suportar esses efeitos, mas toda e qualquer pessoa, física ou jurídica. Os efeitos são erga omnes. É o caso, por exemplo, do INSS. Perante a autarquia previdenciária, Lucas é filho de Pedro e, portanto, seu dependente, mesmo o INSS não tendo participado da ação de investigação de paternidade. O INSS não se submete à coisa julgada, mas está sujeito aos efeitos da sentença.




quinta-feira, 29 de setembro de 2016

INFORMATIVO Comentado 587 STJ




Olá amigos do Dizer o Direito,

Já está disponível o INFORMATIVO Comentado 587 STJ.

Confira abaixo o índice. Bons estudos.


ÍNDICE DO INFORMATIVO 587 DO STJ

DIREITO CONSTITUCIONAL
CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL
MPF não tem acesso irrestrito a todos os relatórios de inteligência produzidos pela Diretoria de Inteligência da Polícia Federal.

DIREITO CIVIL
DIREITOS AUTORAIS
É indevida a cobrança de direitos autorais em caso de festa junina promovida pela escola com fins didáticos, pedagógicos e de integração, sem intuito de lucro.

PARENTESCO
Extensão dos efeitos de sentença transitada em julgada que reconhece relação de parentesco.

ALIMENTOS
Inexistência de transferência automática do dever de alimentar.

DIREITO NOTARIAL E REGISTRAL
EMOLUMENTOS
Valor relativo à inscrição de cédula de crédito rural é fixado em lei estadual

DIREITO EMPRESARIAL
CHEQUE
Termo inicial de correção monetária e de juros de mora em cobrança de cheque.

ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
REMISSÃO
Impossibilidade de modificação por magistrado dos termos de proposta de remissão pré-processual.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL
SUSPEIÇÃO
Suspeição por motivo superveniente não anula atos processuais anteriores.

REMIÇÃO
Remição de pena por leitura e resenha de livros.

DIREITO PENAL
ESTUPRO DE VULNERÁVEL
Contato físico entre autor e vítima não é indispensável para configurar o delito.
DESCAMINHO
O falso pode ser absorvido pelo descaminho.

LAVAGEM DE DINHEIRO
Forma de impugnação contra a decisão que decreta a medida assecuratória prevista no art. 4º da Lei de Lavagem de Dinheiro.

DIREITO PROCESSUAL PENAL
CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL
MPF não tem acesso irrestrito a todos os relatórios de inteligência produzidos pela Diretoria de Inteligência da Polícia Federal.

SEGREDO DE JUSTIÇA
Segredo de justiça e divulgação do nome do réu e da tipificação do crime em site da Justiça.

MEDIDAS ASSECURATÓRIAS
Forma de impugnação contra a decisão que decreta a medida assecuratória prevista no art. 4º da Lei de Lavagem de Dinheiro.

REMIÇÃO
Remição de pena por leitura e resenha de livros.

DIREITO TRIBUTÁRIO
IPI
Exclusão de crédito presumido de IPI da base de cálculo do IRPJ e da CSLL no regime do lucro presumido.

DIREITO ADUANEIRO
Possibilidade de desembaraço aduaneiro de bagagem por meio de ordem de frete.







Livro PRINCIPAIS JULGADOS DO STF E STJ COMENTADOS 2015






INFORMATIVO Comentado 587 STJ - Versão Resumida




Olá amigos do Dizer o Direito,

Já está disponível o INFORMATIVO Comentado 587 STJ - Versão Resumida.

Bons estudos.





"VADE MECUM DE JURISPRUDÊNCIA DIZER O DIREITO"
(novo nome do antigo Livro Julgados Resumidos Dizer o Direito)



Desde 2012, são publicados aqui no comentários aos informativos de jurisprudência do STF e STJ.

Há duas versões disponíveis: os informativos com comentários completos e os resumidos, com a síntese da decisão.

Vale ressaltar que este resumo da decisão é feito não com a mera reprodução das palavras contidas no julgado e sim com uma linguagem mais direta e acessível a fim de facilitar o aprendizado e servir como uma forma de consulta rápida e segura.

Esta é a compilação dos informativos resumidos em forma de livro. Nele estão abrangidos os informativos referentes aos anos de 2012 até o primeiro semestre de 2016 considerando que este é o período com maior probabilidade de ser cobrado nas provas de concurso e você, que estuda pela versão resumida, não tem tempo a perder.

Importante esclarecer que, antes de ser feita a compilação, os julgados foram novamente analisados e aqueles que haviam sido superados foram excluídos do Livro já que você não pode estudar por uma material desatualizado.

Outro grande diferencial da obra é que os julgados de processo civil foram reexaminados à luz do Código de Processo Civil de 2015 e, se houve alguma mudança com o novo CPC, é feita uma rápida observação chamando a atenção do leitor para este fato. É muito arriscado estudar os acórdãos anteriores sem analisar sua compatibilidade com a legislação em vigor considerando que são justamente esses pontos que serão cobrados em sua prova.

Além daqueles divulgados em informativos, constam no livro alguns outros julgados interessantes à compreensão da matéria a fim de deixar a compilação mais completa.

Trata-se de obra imprescindível não apenas para os que estudam para concursos públicos como também para os profissionais que precisam estar constantemente atualizados com a mais dinâmica das fontes do direito: a jurisprudência.

Obs: abrange os informativos que foram divulgados de 2012 até o 1º semestre de 2016 (Informativos 654-831 do STF) (Informativos 490-584 do STJ).

Conheça AQUI o índice do livro e algumas páginas da obra.

Em caso de dúvidas sobre os livros ou sobre qualquer outro assunto da editora, nosso canais de contato são os seguintes: editora@dizerodireito.com.br ou pelo WhatsApp (92 – 98430-7697).


MPF não tem acesso irrestrito a todos os relatórios de inteligência produzidos pela Diretoria de Inteligência da Polícia Federal



Controle da atividade policial
O controle da atividade policial é realizado de duas formas:
a) controle interno: feito por meio das corregedorias de polícia;
b) controle externo: realizado por intermédio do Ministério Público.

Controle externo da atividade policial
Foi a Constituição Federal que determinou que uma das funções institucionais do Ministério Público é a de exercer o controle externo da atividade policial (art. 129, VII).

Quais são as finalidades do controle externo realizado pelo MP?
O MP, no exercício do controle externo, deverá fiscalizar, de forma geral, a atuação dos órgãos policiais, podendo ser citados como exemplos:
• fiscalizar como tem sido o trabalho policial na prevenção e investigação dos crimes;
• examinar se a polícia tem respeitado os direitos e garantias constitucionais dos presos que estejam sob sua responsabilidade;
• conferir se os órgãos policiais estão dando devido cumprimento às determinações judiciais.

Ausência de subordinação
Vale ressaltar que o fato de o Ministério Público realizar o controle externo da atividade policial não significa que exista uma hierarquia entre os órgãos policiais e o Parquet.
A polícia não está subordinada hierarquicamente ao Ministério Público. Este controle externo decorre do sistema de freios e contrapesos que pode existir não apenas entre os poderes, mas também entre órgãos. Nesse sentido: LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 189.

Disciplina legal
A LC 75/93 dedicou três artigos para tratar sobre o controle externo da atividade policial. Chamo especial atenção para o art. 9º, que é o mais importante deles:
Art. 3º O Ministério Público da União exercerá o controle externo da atividade policial tendo em vista:
a) o respeito aos fundamentos do Estado Democrático de Direito, aos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, aos princípios informadores das relações internacionais, bem como aos direitos assegurados na Constituição Federal e na lei;
b) a preservação da ordem pública, da incolumidade das pessoas e do patrimônio público;
c) a prevenção e a correção de ilegalidade ou de abuso de poder;
d) a indisponibilidade da persecução penal;
e) a competência dos órgãos incumbidos da segurança pública.

Art. 9º O Ministério Público da União exercerá o controle externo da atividade policial por meio de medidas judiciais e extrajudiciais podendo:
I - ter livre ingresso em estabelecimentos policiais ou prisionais;
II - ter acesso a quaisquer documentos relativos à atividade-fim policial;
III - representar à autoridade competente pela adoção de providências para sanar a omissão indevida, ou para prevenir ou corrigir ilegalidade ou abuso de poder;
IV - requisitar à autoridade competente para instauração de inquérito policial sobre a omissão ou fato ilícito ocorrido no exercício da atividade policial;
V - promover a ação penal por abuso de poder.

Art. 10. A prisão de qualquer pessoa, por parte de autoridade federal ou do Distrito Federal e Territórios, deverá ser comunicada imediatamente ao Ministério Público competente, com indicação do lugar onde se encontra o preso e cópia dos documentos comprobatórios da legalidade da prisão.

Apesar de esses artigos falarem sobre o MPU, eles também são aplicados aos Ministérios Públicos estaduais, por força do art. 80 da Lei nº 8.625/93.

Existem duas Resoluções do CNMP que regulamentam o controle externo da atividade policial pelo Ministério Público:
• Resolução nº 20/2007, que regulamenta o art. 9º da LC 75/93 e o art. 80 da Lei 8.625/93, disciplinando, no âmbito do Ministério Público, o controle externo da atividade policial.
• Resolução nº 129/2015, que estabelece regras mínimas de atuação do Ministério Público no controle externo da investigação de morte decorrente de intervenção policial.

Obs: caso você esteja nas fases discursivas, prática ou oral do concurso do Ministério Público, recomenda-se a leitura dessas duas resoluções.

Espécies de controle externo exercido pelo MP sobre a atividade policial:

Controle difuso
Controle concentrado
Exercido por todos os membros do Ministério Público com atribuição criminal, quando do exame dos procedimentos que lhes forem atribuídos.

Exercido por alguns membros do MP que tenham a atribuição específica de realizar o controle externo da atividade policial, conforme disciplinado no âmbito de cada Ministério Público.
Ex: o membro do MP que atua na vara criminal, ao receber o inquérito policial, deverá verificar se a autoridade policial cumpriu todas as exigências legais, se os prazos foram cumpridos, se as diligências necessárias foram realizadas etc. Essa atividade consiste em uma forma de controle externo difuso da atividade policial.
Ex: no MPE, existem promotorias especializadas no controle externo da atividade policial (normalmente chamadas de PROCEAP). No âmbito do MPF, existe, em cada Estado, um grupo de Procuradores da República designados pelo PGR para exercer esta função (é o GCEAP).
Os membros designados para essa função dedicam-se ao controle concentrado da atividade policial e poderão tomar diversas iniciativas, como: a) realizar visitas nas repartições policiais; b) fiscalizar a destinação de armas, drogas e objetos apreendidos; c) fiscalizar os mandados de prisão; d) expedir recomendações; e) instaurar inquéritos civis ou procedimentos de investigação criminal para apurar condutas policiais.

Obs: os controles difuso e concentrado não se excluem e são exercidos concomitantemente.

Feitas estas considerações, imagine a seguinte situação hipotética:
O Procurador da República integrante do Grupo de Controle Externo da Atividade Policial do Rio de Janeiro (GCEAP/RJ) instaurou inquérito civil para apurar a regularidade e eficiência do serviço de inteligência da Superintendência de Polícia Federal no Estado.
Como providência, requisitou ao Superintendente que enviasse cópia de todos os relatórios de inteligência policial produzidos pela Diretoria de Inteligência daquela Superintendência no último ano.
O pedido foi fundamentado no art. 9º, II, da LC 75/93 e no art. 5º, II, da Resolução 20/2007-CNMP:
Art. 9º O Ministério Público da União exercerá o controle externo da atividade policial por meio de medidas judiciais e extrajudiciais podendo:
II - ter acesso a quaisquer documentos relativos à atividade-fim policial;

Art. 5º Aos órgãos do Ministério Público, no exercício das funções de controle externo da atividade policial, caberá:
II – ter acesso a quaisquer documentos, informatizados ou não, relativos à atividade-fim policial civil e militar, incluindo as de polícia técnica desempenhadas por outros órgãos, em especial:

A Polícia Federal se recusou a remeter os documentos alegando que o Ministério Público estava extrapolando suas atribuições constitucionais, considerando que a produção dos relatórios de inteligência não está sujeita ao controle externo do MPF.

A questão chegou até o STJ. O pedido formulado pelo MPF, no presente caso, deverá ser atendido?
NÃO. O controle externo da atividade policial exercido pelo Ministério Público Federal não lhe garante o acesso irrestrito a todos os relatórios de inteligência produzidos pela Diretoria de Inteligência do Departamento de Polícia Federal, mas somente aos de natureza persecutório-penal.

Lei nº 9.883/99
A Lei nº 9.883/99 instituiu o Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN), que tem por objetivo planejar e executar as atividades de inteligência do País com a finalidade de fornecer subsídios ao Presidente da República nos assuntos de interesse nacional.
A Lei foi regulamentada pelo Decreto nº 4.376/2002, que previu que a Diretoria de Inteligência Policial do Departamento de Polícia Federal integra o SISBIN.
Desse modo, a Diretoria de Inteligência Policial do Departamento de Polícia Federal, dentre outras atribuições, executa atividades de inteligência com a finalidade de subsidiar o Presidente da República nos assuntos de interesse nacional.
Assim, os relatórios de inteligência (chamados de RELINT) nem sempre têm por objetivo servir de subsídio para a deflagração de inquéritos policiais. Algumas vezes eles servem apenas para municiar o SISBIN e auxiliar o Presidente da República na tomada de decisões.

MP deve ter acesso aos RELINTs relacionados com as atividades de investigação criminal
Se você reparar novamente na redação do art. 9º, II, da LC 75/93, verá que o legislador afirma que o MP poderá ter "acesso a quaisquer documentos relativos à atividade-fim policial".
Dessa forma, o controle externo da atividade policial exercido pelo Parquet deve circunscrever-se à atividade de polícia judiciária. Logo, somente cabe ao órgão ministerial acesso aos relatórios de inteligência emitidos pela Polícia Federal de natureza persecutório-penal, ou seja, que guardem relação com a atividade de investigação criminal (atividade-fim policial).

Acesso irrestrito a todos os relatórios de inteligência não é cabível
Desse modo, o pleito do MP de ter acesso a "todos os relatórios de inteligência" produzidos pelo Departamento de Polícia Federal no Rio de Janeiro, de modo irrestrito e incluindo aqueles não destinados a aparelhar procedimentos investigatórios criminais, extrapola o poder fiscalizador atribuído à Instituição.

E as atividades de inteligência realizadas pelo SISBIN ficarão sem nenhuma fiscalização?
NÃO. O controle e a fiscalização externos da atividade de inteligência do SISBIN serão exercidos pelo Poder Legislativo, ou seja, pelo Congresso Nacional (art. 6º da Lei nº 9.883/99).

Resumindo:
O controle externo da atividade policial exercido pelo Ministério Público Federal não lhe garante o acesso irrestrito a todos os relatórios de inteligência produzidos pela Diretoria de Inteligência do Departamento de Polícia Federal, mas somente aos de natureza persecutório-penal.
O controle externo da atividade policial exercido pelo Parquet deve circunscrever-se à atividade de polícia judiciária, conforme a dicção do art. 9º da LC n. 75/93, cabendo-lhe, por essa razão, o acesso aos relatórios de inteligência policial de natureza persecutório-penal, ou seja, relacionados com a atividade de investigação criminal.
O poder fiscalizador atribuído ao Ministério Público não lhe confere o acesso irrestrito a "todos os relatórios de inteligência" produzidos pelo Departamento de Polícia Federal, incluindo aqueles não destinados a aparelhar procedimentos investigatórios criminais formalizados.
STJ. 1ª Turma. REsp 1.439.193-RJ, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 14/6/2016 (Info 587).



terça-feira, 27 de setembro de 2016

Breves observações sobre o Decreto 8.858/2016, que regulamenta o emprego de algemas



Olá amigos do Dizer o Direito,

Foi publicado no dia de hoje (27/09/2016) o Decreto nº 8.858/2016, que trata sobre o emprego de algemas.

Vamos entender o tema.

HISTÓRICO

CÓDIGO DE PROCESSO PENAL MILITAR (1969)
O CPPM possui uma regra sobre o uso de algemas:
Art. 234 (...)
Emprego de algemas
1º O emprego de algemas deve ser evitado, desde que não haja perigo de fuga ou de agressão da parte do preso, e de modo algum será permitido, nos presos a que se refere o art. 242.

Segundo o entendimento majoritário, contudo, esta regra somente valia para as prisões envolvendo crimes militares, não sendo aplicadas para os crimes "comuns" (não militares).

LEI 7.219/84 (LEP)
Assim, a primeira lei que tratou sobre o uso de algemas no Brasil de forma geral foi a Lei nº 7.210/84 (Lei de Execuções Penais). Ela, no entanto, não ajudou muito porque afirmou que o tema deveria ser tratado por meio de decreto. Confira:
Art. 199. O emprego de algemas será disciplinado por decreto federal.

A LEP é de 1984 e até 2016 este decreto não havia sido editado.

LEI 11.689/2008
Em junho de 2008, foi editada Lei nº 11.689/2008, que alterou o procedimento do Júri previsto no CPP. Esta Lei aproveitou a oportunidade e tratou também sobre o uso de algemas, porém apenas no plenário do Júri. Veja os dispositivos que foram inseridos por ela:
Art. 474 (...)
§ 3º Não se permitirá o uso de algemas no acusado durante o período em que permanecer no plenário do júri, salvo se absolutamente necessário à ordem dos trabalhos, à segurança das testemunhas ou à garantia da integridade física dos presentes. (Incluído pela Lei 11.689/2008)

Art. 478. Durante os debates as partes não poderão, sob pena de nulidade, fazer referências:
I – à decisão de pronúncia, às decisões posteriores que julgaram admissível a acusação ou à determinação do uso de algemas como argumento de autoridade que beneficiem ou prejudiquem o acusado; (Incluído pela Lei 11.689/2008)

Como se vê, tirando a hipótese do Plenário do Júri, a legislação continuava sem disciplinar o uso de algemas.

SV 11-STF
Em razão dessa lacuna normativa, em 2008, o Supremo Tribunal Federal, diante do uso abusivo de algemas em determinadas pessoas, viu-se obrigado a dispor sobre o tema e editou uma súmula vinculante que mais parecia um artigo de lei tratando a respeito do assunto. Confira:
Súmula vinculante 11-STF: Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do estado.

DECRETO 8.858/2016
Agora, com 32 anos de atraso, finalmente é editado o Decreto federal mencionado pelo art. 199 da LEP e que trata sobre o emprego de algemas.


ENTENDENDO O DECRETO 8.858/2016

Sobre o que trata?
Regulamenta o art. 199 da Lei de Execução Penal com o objetivo de disciplinar como deve ser o emprego de algemas.

Diretrizes
O emprego de algemas terá como diretrizes:
• a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF/88);
• a proibição de que qualquer pessoa seja submetida a tortura, tratamento desumano ou degradante (art. 5º, III, da CF/88);
• a Resolução nº 2010/16, de 22 de julho de 2010, das Nações Unidas sobre o tratamento de mulheres presas e medidas não privativas de liberdade para mulheres infratoras (Regras de Bangkok); e
• o Pacto de San José da Costa Rica, que determina o tratamento humanitário dos presos e, em especial, das mulheres em condição de vulnerabilidade.

DIRETRIZES
1) Dignidade da pessoa humana
2) Proibição de tortura, tratamento desumano ou degradante
3) Regras de Bangkok
4) Pacto de San José da Costa Rica
  
A pessoa presa pode ser algemada?
Como regra, NÃO.

Existem três exceções. Quais são elas?
É permitido o emprego de algemas apenas em casos de:
• resistência;
• fundado receio de fuga; ou
• perigo à integridade física própria ou alheia, causado pelo preso ou por terceiros.

EMPREGO DE ALGEMAS
1) Resistência da pessoa à prisão;
2) Fundado receio de fuga
3) Perigo à integridade física (própria ou alheia), causado pelo preso ou por terceiros

Formalidade que deve ser adotada no caso do uso de algemas
Caso tenha sido verificada a necessidade excepcional do uso de algemas, com base em uma das três situações acima elencadas, essa circunstância deverá ser justificada, por escrito.

Situação especial das mulheres em trabalho de parto ou logo após
É proibido usar algemas em mulheres presas:
• durante o trabalho de parto
• no trajeto da parturiente entre a unidade prisional e a unidade hospitalar; e
• após o parto, durante o período em que se encontrar hospitalizada.

NÃO PODE ALGEMA EM MULHERES
1) Durante o trabalho de parto
2) No trajeto da grávida do presídio para o hospital
3) Após o parto, durante o período em que estiver hospitalizada


Confira o texto integral do Decreto:
Art. 1º  O emprego de algemas observará o disposto neste Decreto e terá como diretrizes:
I - o inciso III do caput do art. 1º e o inciso III do caput do art. 5º da Constituição, que dispõem sobre a proteção e a promoção da dignidade da pessoa humana e sobre a proibição de submissão ao tratamento desumano e degradante;
II - a Resolução no 2010/16, de 22 de julho de 2010, das Nações Unidas sobre o tratamento de mulheres presas e medidas não privativas de liberdade para mulheres infratoras (Regras de Bangkok); e
III - o Pacto de San José da Costa Rica, que determina o tratamento humanitário dos presos e, em especial, das mulheres em condição de vulnerabilidade.

Art. 2º  É permitido o emprego de algemas apenas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, causado pelo preso ou por terceiros, justificada a sua excepcionalidade por escrito.

Art. 3º  É vedado emprego de algemas em mulheres presas em qualquer unidade do sistema penitenciário nacional durante o trabalho de parto, no trajeto da parturiente entre a unidade prisional e a unidade hospitalar e após o parto, durante o período em que se encontrar hospitalizada.

Art. 4º  Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.


OBSERVAÇÕES FINAIS

A proibição das algemas vale somente no momento da prisão?
NÃO. Essa regra vale para todas as situações.
A vedação quanto ao uso de algemas incide tanto no momento da prisão (seja em flagrante ou por ordem judicial) como também nas hipóteses em que o réu preso comparece em juízo para participar de um ato processual (ex: réu durante a audiência).
Em outras palavras, a pessoa que acaba de ser presa, em regra, não pode ser algemada. Se ela tiver que ser deslocada para a delegacia, por exemplo, em regra, não pode ser algemada. Se tiver que comparecer para seu interrogatório, em regra, não pode ser algemada.

Quais são as consequências caso o preso tenha sido mantido algemado fora das hipóteses mencionadas ou sem que tenha sido apresentada justificativa por escrito?
O Decreto nº 8.858/2016 não prevê consequências ou punições para o descumprimento das regras impostas para o emprego de algemas. No entanto, a SV 11 do STF impõe as seguintes consequências:
a) Nulidade da prisão;
b) Nulidade do ato processual no qual participou o preso;
c) Responsabilidade disciplinar civil e penal do agente ou da autoridade responsável pela utilização das algemas;
d) Responsabilidade civil do estado.

Vale ressaltar que, se durante audiência de instrução e julgamento o juiz recusa, de forma motivada, o pedido para que sejam retiradas as algemas do acusado, não haverá nulidade processual (STJ HC 140.718-RJ).

A SV 11-STF continua valendo mesmo após o Decreto nº 8.858/2016?
SIM. O Decreto nº 8.858/2016 praticamente repetiu as mesmas hipóteses previstas na súmula vinculante, acrescentando, contudo, a proibição das algemas para mulheres em trabalho de parto e logo após.
Apesar disso, a SV 11 continua tendo grande importância porque ela prevê, em sua parte final, as consequências caso o preso tenha sido mantido algemado fora das hipóteses mencionadas ou sem que tenha sido apresentada justificativa por escrito.

Vamos comparar os dois documentos:

DECRETO 8.858/2016
SV 11

Art. 2º  É permitido o emprego de algemas apenas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, causado pelo preso ou por terceiros, justificada a sua excepcionalidade por escrito.


Súmula vinculante 11-STF: Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, (...)

Não prevê qualquer consequência ou punição em caso de descumprimento das regras impostas para o emprego de algemas.


(...) sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do estado.


Art. 3º  É vedado emprego de algemas em mulheres presas em qualquer unidade do sistema penitenciário nacional durante o trabalho de parto, no trajeto da parturiente entre a unidade prisional e a unidade hospitalar e após o parto, durante o período em que se encontrar hospitalizada.


A súmula vinculante não trata sobre esta situação específica das mulheres em trabalho de parto ou que tiveram seus filhos.


Quadro-resumo:




Márcio André Lopes Cavalcante
Professor.



Não leia os informativos completos do STF e STJ (*recomendação no final do texto)



Ler os informativos completos do STF e STJ é um dos erros mais comuns de quem inicia o estudo dos informativos.

Mas o que deve ser feito então? É justamente isso que explicamos neste vídeo.



Assista, curta, compartilhe e deixe o seu comentário.

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Grande Abraço,
Márcio Cavalcante (Dizer o Direito) e Gerson Aragão (Método de Aprovação​)

*PS* (RECOMENDAÇÃO): No início dessa semana o Prof. Gerson Aragão abriu inscrições para uma Turma do Método de Aprovação com ele. Se você estuda para concursos e deseja estudar de forma mais eficiente inscreva-se no link abaixo.

INSCRIÇÕES: http://bit.ly/inscricoes-marcio

Para você ter uma ideia dos resultados que pode alcançar com o curso de Gerson, recomendo que veja alguns estudos de caso dos alunos dele. Tem aprovados para Defensoria, Analista, Procurador e diversos outros cargos. Segue o link: http://www.metododeaprovacao.com.br/casos-de-sucesso.html

IMPORTANTE: Como o Prof. Gerson forma turmas com número limitado de alunos é possível que, quando você estiver lendo esse texto, talvez não existam mais vagas disponíveis. Aqui está, mais um vez, o link para poder disputar uma das vagas na turma: http://bit.ly/inscricoes-marcio (*PS: uma das aulas do curso será comigo e com o Prof. Gerson).



Suspeição por motivo superveniente não anula atos processuais anteriores



Imagine a seguinte situação hipotética:
João propôs ação ordinária contra Pedro, na qual pedia a concessão de tutela provisória de urgência.
O processo foi distribuído para a 2ª Vara Cível, que tem Henrique como Juiz Titular.
Henrique proferiu decisão interlocutória deferindo a tutela de urgência requerida por João.
Pedro cumpriu a obrigação determinada na decisão.
Foram praticados outros atos processuais.
Alguns meses depois, antes que o processo fosse sentenciado, Henrique foi para a festa de aniversário de Isabela, melhor amiga de sua filha pequena. Ao chegar lá, descobriu que João (o autor da ação) é pai da aniversariante.
Diante deste fato, Henrique sentiu-se desconfortável de julgar o processo.
Na segunda-feira, proferiu a seguinte decisão:
"Nos termos do art. 145, § 1º, do CPC declaro-me suspeito por motivo de foro íntimo superveniente. Remetam-se os autos ao substituto legal."

Pedro requereu a nulidade da decisão que deferiu a tutela de urgência e de todos os atos processuais praticados pelo Juiz suspeito. O pedido deverá ser acolhido?
NÃO.

A declaração pelo magistrado de suspeição por motivo superveniente não tem efeitos retroativos, não importando em nulidade dos atos processuais praticados em momento anterior ao fato ensejador da suspeição.
STJ. 1ª Seção. PET no REsp 1.339.313-RJ, Rel. Min. Sérgio Kukina, Rel. para acórdão Min. Assusete Magalhães, julgado em 13/4/2016 (Info 587).

Esse entendimento vale também para o processo penal?
SIM. Confira:

(...) Na linha dos precedentes desta Corte, a suspeição por situação superveniente não opera retroativamente, vale dizer, não importa, por si só, a nulidade dos atos processuais anteriores a esse fato.
(...)
III - O fato de ter havido o superveniente reconhecimento, motu proprio, da suspeição da Representante do Ministério Público, esse não inquina, por si só, os atos pretéritos por ela praticados, porquanto a defesa não trouxe à colação qualquer indicativo de que a anterior relação locatícia entre a d. Promotora de Justiça e o avô da vítima teria repercutido, de forma concreta, nas manifestações processuais do Ministério Público e na lisura da persecução penal - na linha do que decidido nas instâncias ordinárias - não havendo falar em presunção absoluta de nulidade. (...)
STJ. 5ª Turma. RHC 43.787/MG, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 01/10/2015.

(...) A suspeição por foro íntimo, em razão de causa superveniente à instauração da ação penal, não gera a nulidade dos atos processuais precedentes, sendo desnecessário que o magistrado decline os motivos que o levaram a assim se declarar. (...)
STJ. 5ª Turma. HC 95.311/AM, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 28/04/2009.




segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Canal do Dizer o Direito no Telegram


Olá amigos do Dizer o Direito,

Muitos de vocês pediram e, por isso, montei um canal no Telegram onde irei divulgar uma dica por dia sobre os julgados do STF/STJ, novidades legislativas e concursos públicos.

O serviço é gratuito e para se inscrever no canal basta acessar o seguinte link: http://telegram.me/dizerodireito

Obs: é necessário que você tenha o aplicativo Telegram instalado no seu celular.

Abraços.







Direitos autorais, ECAD e festa junina de escola



Imagine a seguinte situação hipotética:
O colégio "Bons Estudos" realizou uma festa junina na quadra da escola contando com a participação dos alunos e pais.
Durante a festa foram executadas diversas músicas folclóricas e culturais, tendo havido danças típicas etc.
Após o evento, o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD) ajuizou ação de cobrança contra o colégio alegando que, mesmo notificada, a escola não pagou os valores relativos aos direitos autorais das músicas executadas durante a festa.
A cobrança realizada foi feita com base no art. 29, VIII, "b" e art. 68 da Lei nº 9.610/98:
Art. 29. Depende de autorização prévia e expressa do autor a utilização da obra, por quaisquer modalidades, tais como:
(...)
VIII - a utilização, direta ou indireta, da obra literária, artística ou científica, mediante:
a) representação, recitação ou declamação;
b) execução musical;

Art. 68. Sem prévia e expressa autorização do autor ou titular, não poderão ser utilizadas obras teatrais, composições musicais ou lítero-musicais e fonogramas, em representações e execuções públicas.

O colégio contestou a demanda argumentando que o evento foi gratuito e sem objetivo de lucro. Alegou que se tratava de uma confraternização entre pais, alunos e professores, fazendo parte do programa pedagógico da escola.

O pedido do ECAD deve ser julgado procedente?
NÃO.

É indevida a cobrança de direitos autorais pela execução, sem autorização prévia dos titulares dos direitos autorais ou de seus substitutos, de músicas folclóricas e culturais em festa junina realizada no interior de estabelecimento de ensino, na hipótese em que o evento tenha sido organizado como parte de projeto pedagógico, reunindo pais, alunos e professores, com vistas à integração escola-família, sem venda de ingressos e sem a utilização econômica das obras.
STJ. 2ª Seção. REsp 1.575.225-SP, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 22/6/2016 (Info 587).

Em regra, mesmo que o evento não vise o lucrativo, deverá haver pagamento de direitos autorais
A Lei nº 9.610/98 (Lei de Direitos Autorais), em regra, não exige que o evento tenha finalidade lucrativa (direta ou indireta) para que seja obrigatório o pagamento dos direitos autorais. Em outras palavras, em regra, mesmo a exibição da obra não tenha objetivo de lucro, ainda assim, é dever o pagamento da retribuição autoral.
O fato gerador do pagamento dos direitos autorais é a exibição pública da obra artística, em local de frequência coletiva.

Exceção: execução musical nos estabelecimentos de ensino sem intuito de lucro
A regra acima exposta tem uma exceção prevista no art. 46, VI, da Lei nº 9.610/98. Veja:
Art. 46. Não constitui ofensa aos direitos autorais:
(...)
VI - a representação teatral e a execução musical, quando realizadas no recesso familiar ou, para fins exclusivamente didáticos, nos estabelecimentos de ensino, não havendo em qualquer caso intuito de lucro;

A regra prevista no art. 46, VI, por ser especial, tem prevalência sobre os arts. 29 e 68 que são consideradas regras gerais.
Assim, o caráter pedagógico da atividade - execução de músicas culturais e folclóricas em festa junina - ocorrida, sem fins lucrativos, no interior de estabelecimento de ensino, justifica o não cabimento da cobrança de direitos autorais.

Fins exclusivamente didáticos (pedagógicos)
O ECAD defendia a tese de que, quando o inciso VI do art. 46 fala em "fins exclusivamente didáticos", isso significa que só estaria dispensado do pagamento dos direitos autorais escolas de música.
No entanto, a maioria dos Ministros não deu essa interpretação tão restrita e entendeu que essa expressão pode abranger também a realização de uma festa junina pela escola na qual há execução de músicas culturais e folclóricas. Esse tipo de atividade é considerada como tendo caráter pedagógico.
Tratando-se de festa de confraternização, pedagógica, didática, de fins culturais, que congrega a escola e a família, é fácil constatar que a admissão da cobrança de direitos autorais representa um desestímulo a essa união. Esse desagregamento não deve ser a tônica, levando-se em consideração a sociedade brasileira, tão marcada pela violência e carente de valores sociais e culturais mais sólidos.

Deve ser analisado o evento no caso concreto
O STJ esclareceu que cada solução dependerá do caso concreto, pois as circunstâncias de cada evento é que irão determinar seu devido enquadramento.

Quermesse, casamento, batizado, hotel e hospital: deverá haver pagamento de direitos autorais
Ressalte-se, por fim, que o STJ tem posição consolidada no sentido de que é devido o pagamento de direitos autorais nos casos de reprodução musical realizada no âmbito de quermesses (inclusive de igrejas), casamentos, batizados, hotel e hospital. Esse entendimento continua em vigor. Isso porque tais situações não se enquadram no art. 46, VI, devendo incidir, portanto, a regra geral de proteção ao direito do autor.




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