Imagine a seguinte situação
hipotética:
João é cliente de um plano de
saúde. Segundo o contrato assinado, o plano de saúde arca com 80% dos
tratamentos e o próprio consumidor tem que pagar os 20% restantes. Na linguagem
dos planos, isso é chamado de coparticipação do usuário.
João precisou realizar um
tratamento de quimioterapia e ajuizou ação pedindo que não tivesse que cumprir
a cláusula da coparticipação. Alegou que ela seria abusiva, considerando que
acarreta desvantagem exagerada do consumidor frente à operadora de plano de
saúde, devendo ser considerada nula de pleno direito, com base no art. 51, IV
do CDC:
Art. 51. São nulas de
pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento
de produtos e serviços que:
IV - estabeleçam obrigações
consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem
exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;
A tese de João foi aceita pelo
STJ? Esta previsão é abusiva? Em princípio, a cláusula que preveja a
coparticipação do usuário nas despesas médico-hospitalares afronta direitos do
consumidor e a legislação dos planos de saúde?
NÃO.
Regra: não é abusiva cláusula
contratual de plano privado de assistência à saúde que estabeleça a
coparticipação do usuário nas despesas médico-hospitalares em percentual sobre
o custo de tratamento médico realizado sem internação.
Exceção: esta cláusula será
abusiva em dois casos:
1) Se a coparticipação do usuário
financiar integralmente o procedimento médico-hospitalar;
2) Se o percentual exigido do
usuário representar, no caso concreto, uma restrição severa aos serviços
médico-hospitalares.
Não
é abusiva cláusula contratual de plano privado de assistência à saúde que
estabeleça a coparticipação do usuário nas despesas médico-hospitalares em
percentual sobre o custo de tratamento médico realizado sem internação, desde
que a coparticipação não caracterize financiamento integral do procedimento por
parte do usuário, ou fator restritor severo ao acesso aos serviços.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.566.062-RS,
Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 21/6/2016 (Info 586).
Espécies de planos de saúde
Os planos de saúde podem ser:
a) integrais (completos): quando
é apenas exigida uma mensalidade fixa do contratante, mas quando este necessita
de algum atendimento médico ou hospitalar, não terá que pagar mais nada;
b) coparticipativos: são aqueles
em que o plano de saúde cobra uma mensalidade reduzida. No entanto, para o
contratante utilizar algum serviço médico ou hospitalar, ele terá que pagar um
percentual dos custos do procedimento e o plano arca com o restante.
Lei nº 9.656/98 permite planos
coparticipativos
Os planos coparticipativos são
permitidos pela Lei nº 9.656/98, que rege os planos de saúde. É o que se pode
extrair da interpretação do art. 16, VIII da Lei:
Art. 16. Dos contratos,
regulamentos ou condições gerais dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1º
do art. 1º desta Lei devem constar dispositivos que indiquem com clareza:
(...)
VIII - a franquia, os
limites financeiros ou o percentual de co-participação do
consumidor, contratualmente previstos nas despesas com assistência
médica, hospitalar e odontológica;
Assim, o art. 16, VIII, da Lei nº
9.656/1998 permitiu a inclusão de fatores moderadores, paralelos às
mensalidades, no custeio dos planos de saúde, como a coparticipação, a franquia
e os limites financeiros, que devem estar devidamente previstos no contrato, de
forma clara e legível, desde que também não acarretem o desvirtuamento da livre
escolha do consumidor.
Segundo o art. 3º, da Resolução
n. 8/1998 do Conselho de Saúde Suplementar (CONSU), franquia é o valor
estabelecido no contrato de plano de saúde até o qual a operadora não tem
responsabilidade de cobertura, e a coparticipação é a parte efetivamente paga
pelo consumidor à operadora referente à realização de determinado procedimento,
que se soma à mensalidade.
Logo, para o STJ, não há ilegalidade
na contratação de plano de saúde em regime de coparticipação. Ao contrário,
existe até mesmo previsão expressa na Lei (art. 16, VIII, da Lei nº 9.656/98).
Sistema de coparticipação reduz
valor das mensalidades e estimula a prudência
A
adoção da coparticipação no plano de saúde implica diminuição do risco assumido pela operadora, o que provoca
redução do valor da mensalidade a ser paga pelo usuário que, por sua vez, caso
utilize determinada cobertura, arcará
com valor adicional apenas quanto a tal evento.
O sistema de coparticipação, além
de proporcionar mensalidades mais módicas, é uma medida que inibe condutas
descuidadas e pródigas do usuário, visto que o uso indiscriminado de
procedimentos, consultas e exames afetará negativamente o seu patrimônio. Em
outras palavras, tem por objetivo evitar a utilização "desnecessária"
do plano.
Limites aos planos
coparticipativos
É proibida a cláusula de
coparticipação em dois casos:
1) quando preveja o financiamento
integral do procedimento por parte do usuário;
2) quando representar fator
restritor severo ao acesso aos serviços.
Tais limitações estão previstas
no art. 2º, VII da Resolução nº 8/1998 do CONSU:
Art. 2º Para adoção de
práticas referentes à regulação de demanda da utilização dos serviços de saúde,
estão vedados:
(...)
VII - estabelecer
co-participação ou franquia que caracterize financiamento integral do
procedimento por parte do usuário, ou fator restritor severo ao acesso aos
serviços;
Não é possível atribuir ao
usuário de plano de saúde, sob o disfarce da coparticipação, o custeio da maior
parte das despesas médicas, impedindo-o de usufruir dos serviços de assistência
à saúde contratados. Ex: seria abusiva a cláusula que previsse que o plano de
saúde pagaria 20% do tratamento e o usuário os 80% restantes.
Plano coparticipativo e
internação
No caso de internação, a
Resolução do CONSU determina que é possível a cláusula de coparticipação, mas
esta não poderá ser fixada em percentuais, devendo o contrato determinar valores
prefixados a fim de não surpreender o contrante. Veja:
Art. 2º Para adoção de
práticas referentes à regulação de demanda da utilização dos serviços de saúde,
estão vedados:
(...)
VIII - estabelecer em
casos de internação, fator moderador em forma de percentual por evento, com
exceção das definições específicas em saúde mental.
Art. 4º As operadoras de
planos ou seguros privados de assistência à saúde, quando da utilização de
mecanismos de regulação, deverão atender às seguintes exigências:
(...)
VII - estabelecer, quando
optar por fator moderador em casos de internação, valores prefixados que não
poderão sofrer indexação por procedimentos e/ou patologias.