Dizer o Direito

sexta-feira, 26 de agosto de 2016

A cláusula de coparticipação em planos de saúde é abusiva?



Imagine a seguinte situação hipotética:
João é cliente de um plano de saúde. Segundo o contrato assinado, o plano de saúde arca com 80% dos tratamentos e o próprio consumidor tem que pagar os 20% restantes. Na linguagem dos planos, isso é chamado de coparticipação do usuário.
João precisou realizar um tratamento de quimioterapia e ajuizou ação pedindo que não tivesse que cumprir a cláusula da coparticipação. Alegou que ela seria abusiva, considerando que acarreta desvantagem exagerada do consumidor frente à operadora de plano de saúde, devendo ser considerada nula de pleno direito, com base no art. 51, IV do CDC:
Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;

A tese de João foi aceita pelo STJ? Esta previsão é abusiva? Em princípio, a cláusula que preveja a coparticipação do usuário nas despesas médico-hospitalares afronta direitos do consumidor e a legislação dos planos de saúde?
NÃO.

Regra: não é abusiva cláusula contratual de plano privado de assistência à saúde que estabeleça a coparticipação do usuário nas despesas médico-hospitalares em percentual sobre o custo de tratamento médico realizado sem internação.

Exceção: esta cláusula será abusiva em dois casos:
1) Se a coparticipação do usuário financiar integralmente o procedimento médico-hospitalar;
2) Se o percentual exigido do usuário representar, no caso concreto, uma restrição severa aos serviços médico-hospitalares.

Não é abusiva cláusula contratual de plano privado de assistência à saúde que estabeleça a coparticipação do usuário nas despesas médico-hospitalares em percentual sobre o custo de tratamento médico realizado sem internação, desde que a coparticipação não caracterize financiamento integral do procedimento por parte do usuário, ou fator restritor severo ao acesso aos serviços.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.566.062-RS, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 21/6/2016 (Info 586).

Espécies de planos de saúde
Os planos de saúde podem ser:
a) integrais (completos): quando é apenas exigida uma mensalidade fixa do contratante, mas quando este necessita de algum atendimento médico ou hospitalar, não terá que pagar mais nada;
b) coparticipativos: são aqueles em que o plano de saúde cobra uma mensalidade reduzida. No entanto, para o contratante utilizar algum serviço médico ou hospitalar, ele terá que pagar um percentual dos custos do procedimento e o plano arca com o restante.

Lei nº 9.656/98 permite planos coparticipativos
Os planos coparticipativos são permitidos pela Lei nº 9.656/98, que rege os planos de saúde. É o que se pode extrair da interpretação do art. 16, VIII da Lei:
Art. 16. Dos contratos, regulamentos ou condições gerais dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1º do art. 1º desta Lei devem constar dispositivos que indiquem com clareza:
(...)
VIII - a franquia, os limites financeiros ou o percentual de co-participação do consumidor, contratualmente previstos nas despesas com assistência médica, hospitalar e odontológica;

Assim, o art. 16, VIII, da Lei nº 9.656/1998 permitiu a inclusão de fatores moderadores, paralelos às mensalidades, no custeio dos planos de saúde, como a coparticipação, a franquia e os limites financeiros, que devem estar devidamente previstos no contrato, de forma clara e legível, desde que também não acarretem o desvirtuamento da livre escolha do consumidor.
Segundo o art. 3º, da Resolução n. 8/1998 do Conselho de Saúde Suplementar (CONSU), franquia é o valor estabelecido no contrato de plano de saúde até o qual a operadora não tem responsabilidade de cobertura, e a coparticipação é a parte efetivamente paga pelo consumidor à operadora referente à realização de determinado procedimento, que se soma à mensalidade.
Logo, para o STJ, não há ilegalidade na contratação de plano de saúde em regime de coparticipação. Ao contrário, existe até mesmo previsão expressa na Lei (art. 16, VIII, da Lei nº 9.656/98).

Sistema de coparticipação reduz valor das mensalidades e estimula a prudência
A  adoção da coparticipação no plano de saúde implica diminuição do  risco assumido pela operadora, o que provoca redução do valor da mensalidade a ser paga pelo usuário que, por sua vez, caso utilize determinada  cobertura,  arcará  com valor adicional apenas quanto a tal evento.
O sistema de coparticipação, além de proporcionar mensalidades mais módicas, é uma medida que inibe condutas descuidadas e pródigas do usuário, visto que o uso indiscriminado de procedimentos, consultas e exames afetará negativamente o seu patrimônio. Em outras palavras, tem por objetivo evitar a utilização "desnecessária" do plano.

Limites aos planos coparticipativos
É proibida a cláusula de coparticipação em dois casos:
1) quando preveja o financiamento integral do procedimento por parte do usuário;
2) quando representar fator restritor severo ao acesso aos serviços.

Tais limitações estão previstas no art. 2º, VII da Resolução nº 8/1998 do CONSU:
Art. 2º Para adoção de práticas referentes à regulação de demanda da utilização dos serviços de saúde, estão vedados:
(...)
VII - estabelecer co-participação ou franquia que caracterize financiamento integral do procedimento por parte do usuário, ou fator restritor severo ao acesso aos serviços;

Não é possível atribuir ao usuário de plano de saúde, sob o disfarce da coparticipação, o custeio da maior parte das despesas médicas, impedindo-o de usufruir dos serviços de assistência à saúde contratados. Ex: seria abusiva a cláusula que previsse que o plano de saúde pagaria 20% do tratamento e o usuário os 80% restantes.

Plano coparticipativo e internação
No caso de internação, a Resolução do CONSU determina que é possível a cláusula de coparticipação, mas esta não poderá ser fixada em percentuais, devendo o contrato determinar valores prefixados a fim de não surpreender o contrante. Veja:
Art. 2º Para adoção de práticas referentes à regulação de demanda da utilização dos serviços de saúde, estão vedados:
(...)
VIII - estabelecer em casos de internação, fator moderador em forma de percentual por evento, com exceção das definições específicas em saúde mental.

Art. 4º As operadoras de planos ou seguros privados de assistência à saúde, quando da utilização de mecanismos de regulação, deverão atender às seguintes exigências:
(...)
VII - estabelecer, quando optar por fator moderador em casos de internação, valores prefixados que não poderão sofrer indexação por procedimentos e/ou patologias.



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