Neste post irei analisar os
principais aspectos jurídicos da decisão do Senado Federal de condenar a ex-Presidente
Dilma Rousseff à perda do cargo, mas sem reconhecer a sua inabilitação, por
oito anos, para o exercício de função pública.
É sabido que o país vive um
momento de intenso debate político e de acirrados ânimos. Por essa razão,
gostaria de esclarecer que o presente artigo terá uma abordagem estritamente
técnico-jurídica, tendo como objetivo não polemizar, mas sim explicar as
posições jurídicas sobre o tema.
O que são crimes de
responsabilidade?
Crimes de responsabilidade são
infrações político-administrativas praticadas por pessoas que ocupam
determinados cargos públicos.
Caso o agente seja condenado por
crime de responsabilidade, ele não receberá sanções penais (prisão ou multa),
mas sim sanções político-administrativas (perda do cargo e inabilitação para o
exercício de função pública).
Os crimes de responsabilidade
estão previstos:
• Quanto ao Presidente da
República: no art. 85 da CF/88 e Lei nº 1.079/50.
• Quanto aos Governadores de
Estado: na Lei nº 1.079/50.
• Quanto aos Prefeitos: no DL
201/67.
O que significa impeachment?
Impeachment é uma palavra de origem inglesa que significa
"impedimento" ou "impugnação".
Juridicamente falando, o vocábulo
impeachment tem dois significados:
1º) Consiste no nome dado ao
processo instaurado para apurar se o Presidente da República, o Governador, o
Prefeito e outras autoridades praticaram crime de responsabilidade. Ex: foi
aberto o processo de impeachment da Presidente Dilma Roussef.
2º) É como se chama uma das
sanções (punições) aplicadas ao governante que foi condenado por crime de
responsabilidade. O Presidente da República que é condenado por crime de
responsabilidade recebe duas sanções:
a) A perda do cargo (denominada
de impeachment). Ex: os Senadores
aprovaram o impeachment do ex-Presidente Fernando Collor.
b) A inabilitação para o
exercício de funções públicas por oito anos.
O que significa
"inabilitação para o exercício de funções públicas"?
Significa o impedimento para exercer
quaisquer funções públicas, o que abrange a proibição de exercer cargos
públicos efetivos, cargos comissionados, empregos públicos, funções de
confiança e, obviamente, cargos decorrentes de mandatos eletivos.
A chamada "inabilitação para
o exercício de funções públicas por oito anos" é o mesmo que suspensão dos
direitos políticos?
NÃO. A pessoa que recebeu a
sanção de "inabilitação para o exercício de funções públicas" fica
com sua capacidade eleitoral passiva suspensa, ou seja, ela não poderá
concorrer às eleições, já que não poderia ocupar o cargo, se vencesse o pleito.
Porém, pode continuar votando (capacidade eleitoral ativa). Desse modo, podemos
dizer que esta pessoa está apenas com seus direitos políticos passivos suspensos,
mas não seus direitos políticos ativos.
O que fez o Senado Federal no
julgamento da ex-Presidente Dilma?
O Senado, no dia de hoje
(31/08/2016), julgou o processo de impeachment da ex-Presidente Dilma.
Segundo o rito que estava
previsto e havia sido aprovado, os Senadores iriam votar apenas uma vez,
decidindo se a ex-Presidente era culpada ou não do crime de responsabilidade.
Caso ela fosse julgada culpada, receberia as duas punições estipuladas pela
Constituição: a) perda do cargo e b) inabilitação para o exercício de funções
públicas por oito anos.
Ocorre que, no início da sessão
de hoje, o Partido dos Trabalhadores, representado pelo Senador Humberto Costa
(PT-PE), formulou requerimento ao Presidente do STF (que presidia o processo de
impeachment) pedindo que o julgamento de Dilma fosse dividido em duas etapas:
1) Uma primeira votação, na qual
os Senadores decidiriam se Dilma deveria ou não perder o cargo.
2) Em seguida, caso ela perdesse
o cargo, como de fato ocorreu, os Senadores votariam se ela deveria ficar
inabilitada para o exercício das funções públicas por oito anos.
O pedido para a divisão dos
julgamentos foi baseado na tese de que a perda do cargo e a inabilitação constituem-se
em penas autônomas. Assim, seriam necessárias duas votações, uma para o
julgamento da primeira sanção e outra para a segunda.
O Presidente do STF, Ricardo
Lewandowski, que conduzia os trabalhos, aceitou o requerimento e foram
realizadas duas votações:
1) Na primeira, Dilma foi
condenada a perder o cargo de Presidente da República. Desse modo, os Senadores
votaram no sentido de aplicar a primeira sanção. Foram 61 votos SIM e 20 votos
NÃO.
2) Na segunda, os Senadores
decidiram que Dilma não deveria ficar inabilitada para o exercício de funções
públicas por oito anos. Em outras palavras, os Senadores votaram no sentido de
não aplicar a segunda sanção. Foram 42 votos SIM (pela aplicação da sanção), 36
votos NÃO e 3 abstenções. Para que ela recebesse esta punição eram necessários
2/3 dos Senadores, ou seja, no mínimo, 54 votos SIM.
O procedimento adotado pelo
Senado foi juridicamente correto? A Constituição Federal de 1988 admite que um
Presidente da República seja condenado por crime de responsabilidade e receba
como punição a perda do cargo, mas fique livre da segunda sanção (inabilitação
para o exercício de funções públicas por oito anos)?
Penso que não.
O tema é tratado pela CF/88 em
seu art. 52, parágrafo único, nos seguintes termos:
Art. 52. Compete
privativamente ao Senado Federal:
I - processar e julgar o
Presidente e o Vice-Presidente da República nos crimes de responsabilidade, bem
como os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da
Aeronáutica nos crimes da mesma natureza conexos com aqueles;
(...)
Parágrafo único. Nos casos
previstos nos incisos I e II, funcionará como Presidente o do Supremo Tribunal
Federal, limitando-se a condenação, que somente será
proferida por dois terços dos votos do Senado Federal, à perda
do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública,
sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis.
Desse modo, o parágrafo único
acima transcrito é muito claro ao dizer que, no caso de crime de
responsabilidade praticado pelo Presidente da República, a condenação imposta
será "à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício
de função pública".
A expressão "perda do cargo,
com inabilitação" transmite a ideia de cumulação (e não de alternatividade
ou escolha).
Se a intenção do constituinte
fosse permitir a dispensa da segunda sanção (inabilitação), ele teria utilizado
a seguinte locução: "perda do cargo, com ou sem inabilitação".
Foi a expressão utilizada pela CF/88, por exemplo, no art. 5º, LXVI. Veja: "LXVI
- ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a
liberdade provisória, com ou sem fiança;"
O que diz a doutrina sobre o
tema?
A doutrina, em sua imensa
maioria, afirma que as sanções são cumulativas, ou seja, deverá haver a perda
do cargo E a inabilitação, por oito anos, para o
exercício de função pública. Nesse sentido:
"A Constituição prevê
em seu art. 52, parágrafo único, as duas sanções autônomas e cumulativas a serem
aplicadas na hipótese de condenação por crime de responsabilidade: perda do cargo e inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública."
(MORAES, Alexandre de. Direito
Constitucional. 32ª ed., São Paulo: Atlas, 2016, p. 768).
Aliás, desconheço autor de
Direito Constitucional que defenda a possibilidade de o Senado fazer duas
votações: uma para decidir a perda do cargo e outra para julgar se o condenado deverá
receber ou não a pena de inabilitação, por oito anos, para o exercício de
função pública.
Li na imprensa que se teria
afirmado que Gilmar Mendes e Michel Temer defenderiam a possibilidade de ser
aplicada a pena da perda do cargo sem inabilitação. Não é isso, contudo, que
consta nos livros destes autores. Veja trechos:
"No caso do
Presidente da República, os crimes de responsabilidade caracterizam-se como
infrações político-administrativas que dão ensejo à perda do cargo e à
inabilitação para o exercício de função pública pelo prazo de oito anos (CF,
art. 52, parágrafo único)." (MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio
Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso
de Direito Constitucional. 4ª ed., São Paulo: Saraiva, 2009, p. 969)
"O art. 52, parágrafo
único, fixa duas penas: a) perda do cargo; e b) inabilitação, por oito anos,
para o exercício de função pública.
A inabilitação para o
exercício de função pública não decorre da perda do cargo, como à primeira
leitura pode parecer. Decorre da própria responsabilização. Não é pena
acessória. É, ao lado da perda do cargo, pena principal. O objetivo foi o de
impedir o prosseguimento no exercício das funções (perda do cargo) e o
impedimento do exercício - já agora não das funções daquele cargo de que foi
afastado, mas de qualquer função pública, por um prazo determinado.
Essa a consequência para
quem descumpriu deveres constitucionalmente fixados.
Assim, porque
responsabilizado, o Presidente não só perde o cargo como deve afastar-se da
vida pública, durante oito anos, para 'corrigir-se', e só então pode a ela
retornar." (TEMER, Michel. Elementos
de Direito Constitucional. 22ª ed., São Paulo: Malheiros, 2008, p. 169).
Precedente antigo do STF no "caso
Collor"
O ex-Presidente Fernando Collor
renunciou ao cargo durante o processo de impeachment, antes que ele fosse
concluído. Mesmo assim o Senado decidiu continuar o julgamento, tendo aplicado
a pena de inabilitação para funções públicas por oito anos.
Diante disso, o ex-Presidente
impetrou mandado de segurança no STF que manteve a decisão do Senado afirmando
que ela foi correta uma vez que "a renúncia ao cargo, apresentada na
sessão de julgamento, quando já iniciado este, não paralisa o processo de impeachment"
(STF. Plenário. MS 21689, Rel. Min. Carlos Velloso, julgado em 16/12/1993).
O que gostaria de chamar a
atenção, no entanto, é que o Ministro Relator Carlos Velloso, em seu voto, afirma
expressamente que a pena da perda do cargo deverá ser aplicada cumulativamente
com a pena de inabilitação. Veja:
"A preposição com,
utilizada no parág. único do art. 52, acima transcrito, ao contrário do
conectivo e, do § 3º, do art. 33, da CF/1891, não autoriza a
interpretação no sentido de que se tem, apenas, enumeração das penas que
poderiam ser aplicadas. Implica, sim, a interpretação no sentido de que ambas
as penas deverão ser aplicadas. É que a preposição com opõe-se à
preposição sem (v. Caldas Aulete, 'Dicionário Contemporâneo da Língua
Portuguesa', 5ª ed., 1964, II/856, V/3688).
No sistema da Constituição
de 1891, art. 33, § 3º, mais as normas infraconstitucionais indicadas - Lei nº
30, art. 2º, Lei nº 27, artigos 23 e 24 - era possível o raciocínio no sentido
de que apenas a aplicação da pena de perda do cargo podia ocorrer, certo que
esta poderia ser agravada com a pena de inabilitação.
No sistema atual,
entretanto, isto não é mais possível: ambas as penas deverão ser aplicadas em
razão da condenação. Que condenação? A condenação em qualquer dos crimes de
responsabilidade que deram causa à instauração do processo de impeachment."
(trechos do voto do Ministro Relator Carlos Velloso no MS 21689, julgado em 16/12/1993).
Esta observação do Ministro
Relator constou, inclusive, na ementa do acórdão:
(...) No sistema do
direito anterior a Lei 1.079, de 1950, isto é, no sistema das Leis n.s 27 e 30,
de 1892, era possível a aplicação tão somente da pena de perda do cargo,
podendo esta ser agravada com a pena de inabilitação para exercer qualquer
outro cargo (Constituição Federal de 1891, art. 33, par. 3.; Lei n. 30, de
1892, art. 2.), emprestando-se a pena de inabilitação o caráter de pena acessória
(Lei n. 27, de 1892, artigos 23 e 24). No sistema atual, da Lei 1.079, de 1950,
não é possível a aplicação da pena de perda do cargo, apenas, nem a
pena de inabilitação assume caráter de acessoriedade (C.F., 1934, art. 58, par.
7.; C.F., 1946, art. 62, par. 3. C.F., 1967, art. 44, parag. único; EC n. 1/69,
art. 42, parag.único; C.F., 1988, art. 52, parag. único. Lei n. 1.079, de 1950,
artigos 2., 31, 33 e 34). (...)
STF. Plenário. MS 21689, Rel.
Min. Carlos Velloso, julgado em 16/12/1993.
Importante esclarecer que o fato de
o STF no MS 21689 ter dito que as penas são autônomas não significa que elas devam
ser votadas de forma separada e diferente. O STF afirmou que elas eram autônomas
simplesmente para sustentar que o fato de o ex-Presidente ter renunciado não significa
que a inabilitação não devesse mais ser votada. No caso do Collor, como ele renunciou, ficou, por vontade própria, sem o cargo. Logo, não havia mais pena de perda do cargo a ser analisada pelo Senado. Logo, a votação sobre a pena da perda do cargo ficou prejudicada ("perdeu o objeto"). A tese de Collor, portanto, era a de que a inabilitação seria uma pena acessória à sanção da perda do cargo. Desse modo, como não se votou a perda do cargo (porque já não era mais ocupada por ele), não se deveria votar também a inabilitação (considerando que o "acessório segue o principal", ou seja, a a votação sobre a inabilitação também deveria ser julgada prejudicada). Foi unicamente por essa razão que o STF, no MS 21689 afirmou que as penas são autônomas porque a renúncia, que gera o prejuízo da pena de perda do cargo não significa que a pena de inabilitação também fique prejudicada e não precise mais ser votada. No entanto, no voto do Min. Carlos Velloso ficou muito claro que a sanção de perda do cargo e a pena de inabilitação são autônomas, mas são também cumulativas, ou seja, ambas devem ser aplicadas. Não se tratam de penas alternativas.
Dessa forma, pode-se dizer que
existe um precedente do STF em sentido contrário ao procedimento adotado pelo
Senado Federal no dia de hoje de votar as penas de forma separada, isto porque o fato de elas serem autônomas não significa que são alternativas.
Vale ressaltar que, em 1993, quando foi decidido o MS 21689, o Min.
Celso de Mello já compunha a Corte e ficou vencido porque aceitava que a
renúncia de Collor deveria por fim ao processo. Apesar de ter ficado vencido neste ponto, ele votou no sentido de que a
pena de inabilitação para o exercício de função pública era uma decorrência da
perda do cargo, ou seja, ambas estariam umbilicalmente ligadas, não podendo ser
separadas. Logo, se o Ministro mantiver seu entendimento, ele votará no sentido
de que o procedimento adotado pelo Senado foi incorreto. Confira trecho do seu
voto naquele julgamento:
"Na interpretação do
art. 52, parágrafo único, da Carta Política - cuja aplicabilidade só se
justifica estando ainda o Presidente da República no desempenho de seu mandato
-, não vislumbro a existência de sanções político-jurídicas de caráter
autônomo. Entendo que, ao contrário, há uma única sanção constitucionalmente
estabelecida: a de desqualificação funcional, que compreende, na abrangência do
seu conteúdo, a destituição do cargo com inabilitação temporária. A unidade
constitucional da sanção prevista torna-a indecomponível, incindível,
impedindo, dessa forma, que se dispense tratamento jurídico autônomo às
projeções punitivas que diamanam da condenação senatorial.
De qualquer maneira, e
ainda que se vislumbrasse no preceito em causa uma dualidade de sanções, tenho
para mim que, entre elas, haveria clara relação de dependência ou de
acessoriedade: de um lado, a sanção destitutória, que se reveste de caráter
principal e condicionante, e, de outro, a pena de inabilitação temporária, que
constitui mera decorrência secundária da decretação da perda do mandato." (trechos do voto do Min. Celso de Mello no MS
21689, julgado em 16/12/1993).
No atual cenário, ou seja, considerando-se
que a decisão do Senado que afastou a pena de inabilitação seja mantida, mesmo
assim a ex-Presidente Dilma poderia ser considerada inelegível com base na
"Lei da Ficha Limpa"? Ela fica impedida de concorrer nas eleições de
2018, por exemplo, com base nesta LC?
NÃO. A chamada Lei da Ficha Limpa
é a LC 135/2010, que alterou a LC 64/90, que trata sobre as inelegibilidades.
No art. 1º da LC 64/90 são
listadas situações que geram inelegibilidade. Se analisarmos as hipóteses ali
presentes, nenhuma delas se enquadra no caso da ex-Presidente.
O motivo de a situação da
ex-Presidente não estar prevista na LC 64/90 está no fato de que o legislador entendeu
que isso seria dispensável, já que, na visão até então pacífica de todos, a
inabilitação para o exercício das funções públicas era uma pena
obrigatoriamente imposta caso o pedido de impeachment fosse julgado procedente,
com base no art. 52, parágrafo único, da CF/88. Assim, para o legislador, seria
redundante repetir um comando que já constava diretamente do texto
constitucional.
Tanto isso é verdade que o
legislador teve o cuidado de prever que, se o Presidente renunciasse ao mandato
no curso do processo de impeachment, como fez Collor, por exemplo, ele deveria
ficar inelegível por oito anos (art. 1º, I, "k", da LC 64/90). Dessa
forma, o legislador se preocupou apenas com aquilo que não estava previsto
expressamente na CF/88, ou seja, a hipótese do Presidente renunciar durante o
curso do mandato. Sendo ele condenado no processo de impeachment, a inelegibilidade
já seria uma decorrência obrigatória do art. 52, parágrafo único, da CF/88.
Aliás, seria um contrassenso que a
renúncia no curso do processo de impeachment ocasionasse a inelegibilidade para
oito anos, mas condenação neste mesmo processo (situação mais grave) não ocasionaria
a inelegibilidade.
O que o STF irá decidir?
Alguns partidos políticos avisaram
que irão questionar a decisão do Senado de fazer o "fatiamento" do
julgamento em duas partes. O que poderá acontecer neste caso?
1) o STF poderá considerar que o
procedimento adotado pelo Senado de dividir a votação em duas partes foi
correto. Nesta hipótese, nada muda.
2) o STF poderá considerar que o
procedimento do Senado não foi correto e violou o art. 52, parágrafo único, da
CF/88 considerando que ela impõe duas penas cumulativas.
Adotando-se esta segunda opção, o
que o STF irá fazer com a decisão do Senado?
2.1) Poderá declarar que a
ex-Presidente, além de ter perdido o cargo, está inabilitada, por oito anos,
para o exercício de função pública. Isso porque o Senado, ao reconhecer que Dilma
praticou crime de responsabilidade, impôs a ela as sanções que estão previstas
expressamente no art. 52, parágrafo único, da CF/88. Tais sanções são
automáticas e decorrem do reconhecimento da procedência do processo de
impeachment.
2.2) Poderá declarar que a
votação, na forma como realizada, ou seja, em duas etapas foi nula, por
violação ao art. 52, parágrafo único, da CF/88. Como decorrência dessa nulidade,
o STF poderá determinar a realização de nova sessão para votar o impeachment com
a aplicação de ambas as sanções. O argumento para se adotar esta solução está
no fato de que alguns Senadores poderiam alegar que desejavam condenar Dilma
apenas a uma das penas e, se tivessem que puni-la pelas duas sanções, preferiam
absolvê-la. Em outras palavras, poder-se-ia argumentar que, se os Senadores
soubessem que iria ser apenas uma única votação, a decisão quanto à primeira
(perda do cargo) poderia ter tido um resultado diferente.
Penso que, tecnicamente, a última
solução (2.2) seria a mais correta. No entanto, reputo que a outra alternativa
(2.1) seja também defensável e até mesmo mais razoável, especialmente se
considerarmos a necessidade de se garantir segurança jurídica. Creio, diante
disso, que o STF adotará a posição exposta no item 2.1, especialmente como uma
forma de se superar esta traumática etapa da história do país.
O procedimento adotado no Senado poderá
servir como precedente para ajudar na cassação de Eduardo Cunha? A Câmara
poderá, invocando a situação de Dilma, condenar Eduardo Cunha apenas à perda do
cargo, livrando-o da inelegibilidade por oito anos?
NÃO. Eduardo Cunha está
respondendo processo na Câmara dos Deputados por ter, em tese, praticado
conduta incompatível com o decoro parlamentar. Ele será julgado pelos seus
pares e, como punição, poderá perder o mandato. Isso está previsto no art. 55,
III, da CF/88:
Art. 55. Perderá o mandato
o Deputado ou Senador:
II - cujo procedimento for
declarado incompatível com o decoro parlamentar;
(...)
§ 1º - É incompatível com
o decoro parlamentar, além dos casos definidos no regimento interno, o abuso
das prerrogativas asseguradas a membro do Congresso Nacional ou a percepção de
vantagens indevidas.
§ 2º Nos casos dos incisos
I, II e VI, a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo
Senado Federal, por maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou
de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla
defesa.
Mesmo que os Deputados Federais
quisessem condenar Eduardo Cunha à perda do mandato, mas sem que ele ficasse
inelegível, não teriam competência para essa medida. Isso porque a
inelegibilidade é prevista na LC 64/90 como sendo um efeito automático da perda
do mandato. Veja:
Art. 1º São inelegíveis:
I - para qualquer cargo:
b) os
membros do Congresso Nacional, das Assembléias Legislativas, da Câmara
Legislativa e das Câmaras Municipais, que hajam
perdido os respectivos mandatos por infringência do disposto nos incisos I e II
do art. 55 da Constituição Federal, dos dispositivos equivalentes sobre
perda de mandato das Constituições Estaduais e Leis Orgânicas dos Municípios e
do Distrito Federal, para as eleições que se realizarem
durante o período remanescente do mandato para o qual foram eleitos e nos oito
anos subsequentes ao término da legislatura;
Dessa forma, se Eduardo Cunha perder
o mandato com base no art. 55, II, da CF/88, não haverá nada que os Deputados possam
fazer, sendo efeito automático da condenação a inelegibilidade pelo prazo de
oito anos.
Márcio André Lopes Cavalcante
Professor. Editor do blog Dizer o
Direito