sexta-feira, 1 de julho de 2016
Adolescente infrator que receber medida de internação na sentença deverá iniciar imediatamente o cumprimento mesmo que tenha recorrido contra a decisão
sexta-feira, 1 de julho de 2016
No caso de apuração de ato infracional,
aplica-se subsidiariamente o CPP ou o CPC?
Depende. Aplica-se:
• o CPP para o processo de conhecimento
(representação, produção de provas, memoriais, sentença);
• o CPC para as regras do sistema
recursal (art. 198 do ECA).
Resumindo:
1ª
opção:
normas do ECA.
Na
falta de normas específicas:
• CPP: para regular o processo de conhecimento.
• CPC: para regular o sistema recursal.
Imagine agora a seguinte situação
adaptada:
João, adolescente, praticou ato
infracional equiparado a roubo majorado (art. 157, § 2º, I e II, do CP).
Durante todo o processo, João
permaneceu em liberdade.
O magistrado proferiu sentença
aplicando-lhe medida socioeducativa de internação.
A defesa interpôs recurso de
apelação.
A apelação foi recebida apenas
no seu efeito devolutivo (ou seja, não foi recebida no efeito suspensivo). Como o
recurso não suspendeu a sentença, isso significa que, na prática, o adolescente
deverá aguardar no centro de internação o julgamento da apelação. Em outros
termos, foi negado ao adolescente o direito de recorrer em liberdade e ele
iniciará o cumprimento da medida de internação.
A decisão foi acertada?
Em regra, a apelação contra a sentença que aplica medida socioeducativa de
internação deverá ser recebida no efeito meramente devolutivo? É possível o
imediato cumprimento da medida de internação mesmo que o adolescente tenha
interposto recurso?
SIM.
É
possível que o adolescente infrator inicie o imediato cumprimento da medida
socioeducativa de internação que lhe foi imposta na sentença, mesmo que ele
tenha interposto recurso de apelação e esteja aguardando seu julgamento.
Esse
imediato cumprimento da medida é cabível ainda que durante todo o processo não
tenha sido imposta internação provisória ao adolescente, ou seja, mesmo que ele
tenha permanecido em liberdade durante a tramitação da ação socioeducativa.
Em
uma linguagem mais simples, o adolescente infrator, em regra, não tem direito
de aguardar em liberdade o julgamento da apelação interposta contra a sentença
que lhe impôs a medida de internação.
STJ. 3ª Seção. HC 346.380-SP, Rel.
Min. Maria Thereza de Assis Moura, Rel. para acórdão Min. Rogerio Schietti
Cruz, julgado em 13/4/2016 (Info 583).
Tema outrora polêmico
Este tema era extremamente
polêmico no STJ, havendo inúmeras decisões em ambos os sentidos.
Vale ressaltar, no entanto, que a
decisão proferida neste HC 346.380-SP foi tomada pela 3ª Seção (que abrange a
5ª e 6ª Turmas, que julgam direito infracional). Dessa forma, a tendência é que
esta posição se consolide, apesar do resultado da votação ter sido extremamente
apertado (5x4).
Havendo mais alguma novidade,
você será alertado.
Vejamos, abaixo, os principais
argumentos do STJ.
Iniciar o cumprimento imediato
atende aos princípios da proteção integral, da prioridade absoluta e da
atualidade
A medida socioeducativa tem como
missão precípua não a punição pura e simples do adolescente em conflito com a
lei, mas, principalmente, a ressocialização e a proteção do jovem infrator.
As medidas previstas nos arts.
112 a 125 do ECA não são penas e possuem o objetivo primordial de proteção dos
direitos do adolescente, de modo a afastá-lo da conduta infracional e de uma
situação de risco. Isso atende aos princípios da proteção integral e da
prioridade absoluta (art. 227 da CF/88 e arts. 3º e 4º do ECA).
Desse modo, postergar (retardar) o
início de cumprimento da medida socioeducativa imposta na sentença significa fazer
com que se perca a atualidade da resposta estatal, enfraquecendo o objetivo
ressocializador e permitindo que o adolescente permaneça em situação de risco,
uma vez que ele continuará exposto às mesmas circunstâncias que o levaram à
prática infracional.
Não há ofensa ao princípio da
não-culpabilidade (presunção de inocência) porque a medida socioeducativa não é
pena
Ao analisar o tema, não se deve
equiparar o adolescente que pratica ato infracional ao adulto imputável autor
de crime. De acordo com o art. 228 da CF/88, os menores de 18 anos são
penalmente inimputáveis e estão sujeitos às normas da legislação especial.
No processo penal, as regras têm
por objetivo, fundamentalmente, proteger o acusado contra ingerências abusivas
do Estado em sua liberdade. A pena criminal é uma punição e o princípio da
presunção de não culpabilidade é levado ao extremo.
Por outro lado, a medida socioeducativa
não representa punição, sendo um mecanismo de proteção do adolescente e da
sociedade, possuindo natureza pedagógica e ressocializadora. Por essas razões,
para o STJ, a imediata execução da sentença que aplica medida socioeducativa não
ofende o princípio da não culpabilidade (art. 5º, LVII, da CF/88).
Princípio da intervenção precoce
Ainda que o adolescente infrator
tenha respondido ao processo de apuração de prática de ato infracional em
liberdade, a prolação de sentença impondo medida socioeducativa de internação
autoriza o cumprimento imediato da medida imposta, tendo em vista os princípios
que regem a legislação menorista, um dos quais é o princípio da intervenção
precoce na vida do adolescente, positivado no parágrafo único, VI, do art. 100
do ECA.
Art. 100 (...)
Parágrafo único. São
também princípios que regem a aplicação das medidas:
(...)
VI - intervenção precoce:
a intervenção das autoridades competentes deve ser efetuada logo que a situação
de perigo seja conhecida;
Revogação do inciso VI do art.
198 do ECA
Um argumento contrário ao
cumprimento imediato da medida socioeducativa era o inciso VI do art. 198 do
ECA, que previa que os recursos seriam recebidos apenas no efeito devolutivo,
sendo que este inciso foi revogado pela Lei nº 12.010/2009. Veja o que dizia
o inciso VI:
VI - a apelação será
recebida em seu efeito devolutivo. Será também conferido efeito suspensivo
quando interposta contra sentença que deferir a adoção por estrangeiro e, a
juízo da autoridade judiciária, sempre que houver perigo de dano irreparável ou
de difícil reparação; (Revogado pela Lei nº 12.010/2009)
Dessa forma, alguns autores
defendiam a seguinte tese: ora, como o inciso VI foi revogado, isso significa
que agora os recursos no ECA deverão obedecer a legislação subsidiária, ou
seja, o CPC. E o art. art. 1.012 do CPC/2015 afirma que, em regra, o recurso de
apelação deverá ser recebido no seu duplo efeito. Diante disso, para essa tese,
com a revogação do inciso VI, não poderia ser admitida a execução provisória de
sentença que impõe medida socioeducativa.
A maioria dos Ministros do STJ,
contudo, não aderiu a essa tese e contra-argumentou afirmando que a regra no
ECA continua sendo que os recursos tenham efeito apenas devolutivo. Isso porque
continua a vigorar o art. 215 do ECA, que prevê:
Art. 215. O juiz poderá
conferir efeito suspensivo aos recursos, para evitar dano irreparável à parte.
Ora, se o art. 215 estabelece que
o juiz poderá conferir efeito suspensivo aos recursos, isso significa que, como
regra, eles não possuem esse efeito.
Para o STJ, ainda que este art.
215 esteja em um capítulo que não trata sobre medidas socioeducativas, é
possível que ele seja aplicado, supletivamente, para se concluir que os
recursos serão recebidos, salvo decisão em contrário, apenas no efeito
devolutivo, ao menos em relação aos recursos contra sentença que acolhe
representação do Ministério Público e impõe medida socioeducativa ao
adolescente infrator, sob pena, repita-se, de frustração da principiologia e
dos objetivos a que se destina a legislação menorista.
Em suma:
Condicionar, de forma
peremptória, o cumprimento da medida socioeducativa ao trânsito em julgado da
sentença que acolhe a representação – apenas porque não se encontrava o
adolescente já segregado anteriormente à sentença – constitui verdadeiro
obstáculo ao escopo ressocializador da intervenção estatal, além de permitir
que o adolescente permaneça em situação de risco, exposto aos mesmos fatores
que o levaram à prática infracional.
Em uma linguagem mais simples, o
adolescente infrator, em regra, não tem direito de aguardar em liberdade o
julgamento da apelação interposta contra a sentença que lhe impôs a medida de
internação.