Dizer o Direito

segunda-feira, 13 de junho de 2016

Inconstitucionalidade da Lei 13.269/2016, que autorizou o uso da fosfoetanolamina sintética



Fosfoetanolamina sintética ("pílula do câncer")
Um professor da USP, Gilberto Chierice, atualmente aposentado, desenvolveu, na década de 1970, uma substância chamada de fosfoetanolamina sintética, que serviria para auxiliar na cura contra o câncer.
Durante muitos anos, a fosfoetanolamina sintética foi distribuída gratuitamente para inúmeros portadores de câncer que aceitavam participar das pesquisas. A substância ficou conhecida como "pílula do câncer".
Ocorre que a fosfoetanolamina era ministrada aos doentes sem que tivesse havido ainda aprovação desta substância pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Diante disso, em junho de 2014, uma portaria da USP proibiu a distribuição da fosfoetanolamina até que houvesse a aprovação da Anvisa. A vedação imposta fez com que diversos pacientes buscassem o Poder Judiciário pedindo o afastamento da proibição e o fornecimento da substância.
Além disso, os doentes e familiares de pacientes fizeram inúmeras campanhas na internet pedindo para que as autoridades liberassem a distribuição e o uso da fosfoetanolamina.

Lei nº 13.269/2016.
Diante da grande repercussão causada, o Congresso Nacional decidiu aprovar a Lei nº 13.269/2016 autorizando o uso da fosfoetanolamina sintética por pacientes portadores de câncer, mesmo sem a aprovação da Anvisa. Veja o que diz a Lei:


Art. 1º Esta Lei autoriza o uso da substância fosfoetanolamina sintética por pacientes diagnosticados com neoplasia maligna.

Art. 2º  Poderão fazer uso da fosfoetanolamina sintética, por livre escolha, pacientes diagnosticados com neoplasia maligna, desde que observados os seguintes condicionantes:
I - laudo médico que comprove o diagnóstico;
II - assinatura de termo de consentimento e responsabilidade pelo paciente ou seu representante legal.
Parágrafo único. A opção pelo uso voluntário da fosfoetanolamina sintética não exclui o direito de acesso a outras modalidades terapêuticas.

Art. 3º  Fica definido como de relevância pública o uso da fosfoetanolamina sintética nos termos desta Lei.

Art. 4º  Ficam permitidos a produção, manufatura, importação, distribuição, prescrição, dispensação, posse ou uso da fosfoetanolamina sintética, direcionados aos usos de que trata esta Lei, independentemente de registro sanitário, em caráter excepcional, enquanto estiverem em curso estudos clínicos acerca dessa substância.
Parágrafo único. A produção, manufatura, importação, distribuição, prescrição e dispensação da fosfoetanolamina sintética somente são permitidas para agentes regularmente autorizados e licenciados pela autoridade sanitária competente.

Art. 5º  Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.


ADI 5501
A Associação Médica Brasileira (AMB) ajuizou ADI contra a Lei n.º 13.269/2016.
A entidade alegou que, diante do “desconhecimento amplo acerca da eficácia e dos efeitos colaterais” da substância em seres humanos, sua liberação é incompatível com direitos constitucionais fundamentais, como o direito à saúde (arts. 6º e 196), o direito à segurança e à vida (art. 5º), e o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III).
Na ADI, a autora argumentou que a fosfoetanolamina sintética foi testada unicamente em camundongos, tendo sido eficaz apenas no combate do melanoma (câncer de pele).
A AMB explicou que a “pílula do câncer” não passou pelos testes clínicos em seres humanos exigidos pela legislação e que a permissão do seu uso causa risco grave à vida e à integridade física dos pacientes.

O STF, ao apreciar a medida cautelar, concordou com a tese defendida na ADI? A Lei nº 13.269/2016, que autorizou o uso da fosfoetanolamina, contraria a Constituição Federal?
SIM. O STF ainda não julgou em definitivo a causa, mas, por decisão majoritária, deferiu medida liminar para suspender a eficácia da Lei nº 13.269/2016.

É inconstitucional a Lei nº 13.269/2016, que autorizou o uso da fosfoetanolamina sintética ("pílula do câncer) por pacientes diagnosticados com neoplasia maligna, mesmo sem que existam estudos conclusivos sobre os efeitos colaterais em seres humanos e mesmo sem que haja registro sanitário da substância perante a ANVISA.
STF. Plenário. ADI 5501 MC/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 19/5/2016 (Info 826).

Violação ao direito à saúde (art. 196 da CF/88)
A Lei nº 13.269/2016, ao permitir o uso da fosfoetanolamina suspendendo a exigência do registro sanitário, violou o direito à saúde previsto no art. 196 da CF/88, considerando que é dever do Estado reduzir o risco de doença e outros agravos à saúde dos cidadãos.
O Poder Público tem o dever de fornecer medicamentos e tratamentos médicos à população. No entanto, isso deve ser feito com responsabilidade, devendo-se zelar pela qualidade e segurança dos produtos em circulação no território nacional.
A busca pela cura de enfermidades não pode ser feita sem se preocupar com a qualidade das drogas distribuídas aos indivíduos, sendo necessária uma rigorosa análise científica.
A Lei nº 13.269/2016 permitiu a distribuição do remédio sem o controle prévio de viabilidade sanitária. Entretanto, a aprovação do produto no órgão do Ministério da Saúde é condição indispensável para a sua industrialização, comercialização e importação com fins comerciais, conforme exige o art. 12 da Lei nº 6.360/76.
O registro é condição para o monitoramento da segurança, eficácia e qualidade terapêutica do produto. Sem o registro, há uma presunção de que o produto é inadequado à saúde humana.
A lei impugnada é casuística ao dispensar o registro do medicamento como requisito para sua comercialização, e esvazia, por via transversa, o conteúdo do direito fundamental à saúde.

Ofensa ao princípio da separação dos Poderes
O STF entendeu, ainda, que a Lei nº 13.269/2016 ofendeu o princípio da separação de Poderes. Isso porque incumbe ao Estado o dever de zelar pela saúde da população. Para isso, foi criada a Anvisa, uma autarquia técnica vinculada ao Ministério da Saúde, que tem o dever de autorizar e controlar a distribuição de substâncias químicas segundo protocolos cientificamente validados.
A atividade fiscalizatória é realizada mediante atos administrativos concretos devidamente precedidos de estudos técnicos. Não cabe ao Congresso, portanto, viabilizar, por ato abstrato e genérico, a distribuição de qualquer medicamento.
Assim, é temerária a liberação da substância em discussão sem os estudos clínicos correspondentes, em razão da ausência, até o momento, de elementos técnicos assertivos da viabilidade do medicamento para o bem-estar do organismo humano.




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