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sábado, 25 de junho de 2016

Art. 932, parágrafo único, do CPC/15 não é aplicado para recurso que não tenha impugnado especificamente os fundamentos da decisão recorrida



Poderes do Relator
Quando um recurso é interposto e chega ao Tribunal, é sorteado um magistrado para exercer a função de Relator deste processo.
O Relator examina o recurso antes dos demais magistrados e elabora um relatório e um voto que serão levados ao colegiado para que os demais juízes (em sentido amplo) decidam se concordam ou não com as conclusões do Relator.
Os poderes do Relator estão atualmente descritos no art. 932 do CPC/2015.

Não conhecer de recurso inadmissível
O Relator possui o poder de tomar algumas decisões de forma monocrática, ou seja, sozinho, sem levar isso ao colegiado. Dentre esses poderes, o Relator pode, monocraticamente, não conhecer do recurso que seja inadmissível, prejudicado ou que não tenha impugnado especificamente os fundamentos da decisão recorrida. Veja:
Art. 932. Incumbe ao relator:
III - não conhecer de recurso inadmissível, prejudicado ou que não tenha impugnado especificamente os fundamentos da decisão recorrida;

Recurso inadmissível
Quando o Relator faz o juízo de admissibilidade, ele analisa se o recurso é admissível ou não.
• Se o juízo de admissibilidade for positivo, o recurso é admissível e será possível ao Tribunal examinar o mérito do que nele foi pedido.
• Se o juízo de admissibilidade for negativo, o recurso é inadmissível e significa que o mérito não será examinado. Neste caso, dizemos que o recurso não foi conhecido ou não foi admitido (ex: o STF não conheceu do recurso extraordinário; o STJ não admitiu o recurso especial interposto).

Os recursos possuem duas espécies de requisitos:
a) requisitos intrínsecos: cabimento, legitimidade, interesse em recorrer e inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer;
b) requisitos extrínsecos: preparo, tempestividade e regularidade formal.

O juízo de admissibilidade consiste em examinar se esses requisitos de admissibilidade acima expostos estão ou não presentes. Assim, se um agravo é interposto fora do prazo, o Relator, monocraticamente, não conhecerá do recurso.

Recurso prejudicado
Diz-se que o recurso está prejudicado quando aconteceu alguma coisa depois de ele ter sido interposto que fez com que o recorrente perdesse o interesse de recorrer. Em outras palavras, recurso prejudicado ocorre na hipótese de falta superveniente de interesse recursal.
Nesta hipótese, o Relator, antes de não conhecer o recurso, deverá intimar as partes para que se manifestem sobre esse fato superveniente no prazo de 5 dias (art. 933 do CPC/2015).

Recurso que não tenha impugnado especificamente os fundamentos da decisão recorrida
Aqui é o caso do recurso que não enfrenta os fundamentos empregados na decisão recorrida. Dito de outro modo, é o recurso que não ataca, de forma específica, a decisão contra a qual se insurge.
É o que ocorre, por exemplo, quando o autor tem seu pedido julgado improcedente e recorre apenas transcrevendo o que já havia escrito na petição inicial, sem questionar ou combater os fundamentos invocados pelo magistrado na sentença.
Vale ressaltar que esta hipótese foi agora inserida expressamente no CPC/2015, no entanto, mesmo na vigência do Código anterior, ela já era considerada pela jurisprudência. Nesse sentido:
Súmula 182-STJ: E inviável o agravo do art. 545 do CPC (atual art. 1.021 do CPC/2015) que deixa de atacar especificamente os fundamentos da decisão agravada.

(...) É  dever da agravante (em virtude do princípio da dialeticidade) demonstrar  o desacerto da decisão que inadmitiu o recurso especial, atacando  especificamente  e em sua totalidade o seu conteúdo, o que não  ocorreu na espécie, uma vez que as razões apresentadas contra a decisão  de inadmissibilidade do recurso especial não impugnou todos os  seus  fundamentos. A ausência de impugnação específica impede o conhecimento do agravo em recurso especial. (...) (STJ. 2ª Turma. AgInt no AREsp 863.182/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 02/06/2016).

Recurso inadmissível é o gênero
Se você reparar bem, irá perceber que "recurso prejudicado" e "recurso que não tenha impugnado especificamente os fundamentos da decisão recorrida" são, na verdade, espécies de "recurso inadmissível".
Recurso prejudicado = falta superveniente de interesse recursal (falta de um requisito intrínseco).
Recurso que não tenha impugnado = defeito na regularidade formal (falta de um requisito extrínseco).
Desse modo, ambas hipóteses poderiam ser abarcadas pelo recurso inadmissível, mas o legislador optou por prevê-las de forma expressa e separada.

Prazo para que o recorrente faça o saneamento do vício ou complemente a documentação
O CPC/2015 inovou ao trazer uma regra dizendo que o Relator, antes de inadmitir o recurso, deverá dar a oportunidade para que o recorrente corrija o vício que ele detectou ou traga aos autos a documentação que está faltando. Veja:
Art. 932 (...) Parágrafo único. Antes de considerar inadmissível o recurso, o relator concederá o prazo de 5 (cinco) dias ao recorrente para que seja sanado vício ou complementada a documentação exigível.

Algumas observações sobre o art. 932, parágrafo único:
1) A previsão acima está em conformidade com o princípio da primazia no julgamento do mérito (art. 4º) e com o dever de prevenção, corolário do princípio da cooperação (art. 6º).

2) O Relator, ao intimar o recorrente, deverá indicar com precisão o que deve ser corrigido ou completado (aplica-se, aqui, por analogia, o art. 321).

3) Esse prazo somente deverá ser concedido pelo Relator "quando o vício for sanável ou a irregularidade corrigível. Assim, por exemplo, tendo deixado o recorrente de impugnar especificamente as razões decisórias, não cabe regularização em razão do princípio da complementaridade, que estabelece a preclusão consumativa no ato de interposição do recurso. O mesmo se diga de um recurso intempestivo, quando o recorrente não terá como sanear o vício e por essa razão, não haverá motivo para a aplicação do art. 932, parágrafo único, do Novo CPC." (NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo CPC comentado. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 1518). Exemplos de vícios insanáveis: falta de interesse recursal, falta de repercussão geral no recurso extraordinário, existência de fatos impeditivos ou extintivos, intempestividade.

4) Vale ressaltar que, se o vício for sanável, a doutrina afirma que, neste caso, é dever do magistrado dar a oportunidade para que ele seja corrigido. Enunciado 82 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: É dever do relator, e não faculdade, conceder o prazo ao recorrente para sanar o vício ou complementar a documentação exigível, antes de inadmitir qualquer recurso, inclusive os excepcionais.

5) Aplica-se o disposto no parágrafo único do art. 932 aos vícios sanáveis de todos os recursos, inclusive dos recursos excepcionais (Enunciado 197 do Fórum Permanente de Processualistas Civis).

6) No caso de recurso intempestivo, como vimos acima, este vício é insanável. No entanto, a doutrina defende que, mesmo assim, o Relator deverá dar oportunidade para que o recorrente diga se houve algum motivo que fez com que o prazo se prorrogasse, ficasse suspenso ou interrompido. Enunciado 551-FPPC: Cabe ao relator, antes de não conhecer do recurso por intempestividade, conceder o prazo de cinco dias úteis para que o recorrente prove qualquer causa de prorrogação, suspensão ou interrupção do prazo recursal a justificar a tempestividade do recurso.

7) Esse dispositivo não se aplica no caso de ter sido interposto o recurso errado. Se o recurso é incabível, surgem duas opções:
7.1) se for caso de fungibilidade recursal, aproveita-se o recurso interposto errado como se fosse o certo, sem necessidade de aplicar o art. 932, parágrafo único;
7.2) se não for possível utilizar a fungibilidade, então o recurso simplesmente não poderá ser conhecido, já que o Relator não pode autorizar que o recorrente substitua o recurso interposto. Nesse sentido: DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 3, Salvador: Juspodivm, 2016, p. 54.

8) Não é possível conceder prazo para que o recorrente complemente as razões recursais nem para que formule novo pedido recursal que não for feito originariamente (DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. ob cit. p. 54).

9) O dispositivo não se aplica à falta de preparo. Isso porque, para esta hipótese, existem regras específicas nos §§ 2º a 7º do art. 1.007 do CPC (idem. p. 54).

10) Vícios formais. A 1ª Turma do STF decidiu que:
O prazo de 5 dias previsto no parágrafo único do art. 932 do CPC/2015 só se aplica aos casos em que seja necessário sanar vícios formais, como ausência de procuração ou de assinatura, e não à complementação da fundamentação.
Assim, esse dispositivo não incide nos casos em que o recorrente não ataca todos os fundamentos da decisão recorrida. Isso porque, nesta hipótese, seria necessária a complementação das razões do recurso, o que não é permitido.
STF. 1ª Turma. ARE 953221 AgR/SP, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 7/6/2016 (Info 829).

O Min. Roberto Barroso, em acréscimo, afirmou que a retificação somente seria cabível nas hipóteses de recurso inadmissível, mas não nas de situações de recurso prejudicado ou de recurso que não tenha feito a impugnação específica dos fundamentos da decisão recorrida.



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