Imagine a seguinte situação
hipotética:
João é cliente do plano de saúde
Unimed.
Determinado dia, João sofreu
grave acidente e foi levado para atendimento de urgência no hospital particular
"Albert Eistein".
Durante o período em que ficou
ali internado, João teve que se submeter a uma cirurgia de emergência.
Ao final da internação, o
hospital cobrou R$ 200 mil de João por todo o tratamento realizado.
Depois de pagar a quantia, João
ingressou com pedido junto à Unimed para ser reembolsado.
A Unimed alegou que, por força de
contrato, os serviços que ela oferece aos seus usuários são prestados pelos seus
médicos cooperados e pelos hospitais credenciados. Excepcionalmente, a Unimed
também paga os serviços que seus clientes realizarem em outros hospitais não
credenciados, desde que se trate de casos de urgência ou emergência e desde que
o hospital não seja de alto custo, que são aqueles previstos em tabela própria.
Obs: considera-se hospital de
tabela própria (de alto custo) aquele que utiliza sua própria lista de preços e
procedimentos, não se sujeitando à Tabela de Referência de Terceiros.
Como o "Albert Eistein"
não é credenciado da Unimed e como este hospital só aceita receber a sua lista
própria de preços, não aceitando a Tabele de Referência de Terceiros, ele é
considerado como sendo de alto custo e está fora da cobertura do plano de
saúde.
João não se conformou e propôs
ação de cobrança contra o plano de saúde.
O que o STJ decidiu em um caso
análogo a esse? O plano de saúde deverá ressarcir o usuário?
SIM. O plano de saúde deve
reembolsar o segurado pelas despesas que pagou com tratamento médico realizado
em situação de urgência ou emergência por hospital não credenciado, ainda que o
referido hospital integre expressamente tabela contratual que exclui da
cobertura os hospitais de alto custo.
Vamos entender com calma o tema:
Contrato de plano de saúde
O
contrato de plano de assistência à saúde é aquele por meio do qual a operadora
oferece aos usuários a cobertura de custos de atendimento e tratamento médico,
hospitalar e laboratorial perante profissionais, hospitais e laboratórios
próprios ou credenciados, recebendo, em contraprestação, o pagamento de um
preço.
Cobertura do plano pode ficar limitada
à rede própria ou conveniada
Em regra, o contrato de plano de
saúde poderá prever que a cobertura contratada de médicos, hospitais e
laboratórios ficará restrita à rede própria ou conveniada.
Essa previsão contida em quase
todos os contratos de plano de saúde não é, em princípio, abusiva.
Plano de saúde deve se
responsabilizar pelos serviços de urgência e emergência ainda que fora da rede
Mesmo
que o contrato preveja que o plano de saúde só opera com rede própria e
conveniada, caso se trate de uma situação de urgência ou emergência em que não for
possível a utilização dos serviços próprios ou conveniados, o plano de saúde
terá o dever de ressarcir o cliente pelas despesas que ele efetuar em outros
médicos ou hospitais.
Dessa forma, se o usuário do
plano, em uma situação de urgência ou emergência, tiver que ser atendido em um
hospital ou médico não credenciado, terá o direito de ser reembolsado pelo
plano.
Se o contrato prever que o plano
não se responsabiliza por atendimentos de urgência fora da rede credenciada
mesmo em casos de urgência e emergência, esta cláusula contratual é considerada
abusiva e nula de pleno direito. Isso porque a Lei que rege o tema (Lei nº 9.656/98)
determina esse dever aos planos de saúde. Confira:
Art. 12. São facultadas a
oferta, a contratação e a vigência dos produtos de que tratam o inciso I e o §
1º do art. 1º desta Lei, nas segmentações previstas nos incisos I a IV deste
artigo, respeitadas as respectivas amplitudes de cobertura definidas no
plano-referência de que trata o art. 10, segundo as seguintes exigências
mínimas:
(...)
VI - reembolso, em todos os tipos de produtos de que tratam o inciso I e
o § 1º do art. 1º desta Lei, nos limites das obrigações contratuais, das despesas efetuadas pelo beneficiário com assistência à saúde, em casos
de urgência ou emergência, quando não for possível a utilização dos serviços
próprios, contratados, credenciados ou referenciados pelas operadoras,
de acordo com a relação de preços de serviços médicos e hospitalares praticados
pelo respectivo produto, pagáveis no prazo máximo de trinta dias após a entrega
da documentação adequada;
Voltando ao nosso exemplo, havia
uma cláusula no contrato prevendo que o plano de saúde não precisaria reembolsar
o cliente caso este utilizasse os serviços de hospital de alto custo, mesmo
sendo um caso de urgência ou emergência. Essa cláusula é válida?
NÃO. Como vimos acima, o art. 12,
VI, da Lei nº 9.656/98 determina o dever do plano de saúde de reembolsar o
usuário em atendimentos de urgência e emergência realizados fora da rede. O
dispositivo legal não limita este direito, ou seja, não exclui o direito ao
reembolso se o atendimento foi em hospital de alto custo. Logo, se a lei não
impôs esta limitação, o contrato não poderia tê-lo feito. Conclui-se, portanto,
que esta cláusula é abusiva.
Se o usuário utilizar os serviços
de emergência ou urgência de um hospital de alto custo que não seja credenciado,
ele terá direito de ser ressarcido integralmente? O mesmo valor que o usuário
pagou para o hospital, ele terá direito de receber de volta do plano de saúde?
NÃO. Os hospitais classificados
como de alto custo utilizam tabela própria de preços e procedimentos e não se
sujeitam à "tabela de referência de terceiros". Essa tabela de
referência de terceiros é uma planilha de valores que são pagos pelo plano de
saúde ao hospital não credenciado quando o usuário do plano utiliza os seus
serviços. É como se o plano de saúde combinasse com o hospital e dissesse o
seguinte a ele: você não é credenciado, mas se um usuário meu utilizar seus
serviços em caso de emergência ou urgência, você deverá cobrar os valores que
estão nesta tabela de referência.
Ocorre que alguns hospitais não
aceitam a tabela de referência e, por isso, são considerados como de "alto
custo" porque cobram valores superiores ao da planilha.
Se o usuário do plano foi
atendido em emergência ou urgência em um hospital de alto custo, o plano de
saúde deverá reembolsar o cliente, mas somente com base nos valores previstos
na tabela de referência.
Ex: João foi atendido no
"Albert Eistein" e pela tabela própria do hospital, uma cirurgia
custa R$ 130 mil. Ocorre que essa mesma cirurgia, na tabela de referência, é
orçada em R$ 60 mil. Logo, o plano de saúde somente poderá ser obrigado a pagar
a João R$ 60 mil.
Resumindo:
O
plano de saúde deve reembolsar o segurado pelas despesas que pagou com
tratamento médico realizado em situação de urgência ou emergência por hospital
não credenciado, ainda que o referido hospital integre expressamente tabela
contratual que exclui da cobertura os hospitais de alto custo, limitando-se o
reembolso, no mínimo, ao valor da tabela de referência de preços de serviços
médicos e hospitalares praticados pelo plano de saúde.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.286.133-MG,
Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 5/4/2016 (Info 580).
Uma última pergunta. Imagine que
o usuário, após ser atendido na emergência do hospital não credenciado ficou
livre de perigo imediato, mas permaneceu ali internado para terminar de tratar
a enfermidade. Neste caso, ele terá direito de ser ressarcido pelo plano de
saúde por todo o período do tratamento?
NÃO. O dever do plano de saúde de
ressarcir pelos custos do tratamento realizado no hospital não credenciado
perdura até o momento em que cessar a situação de urgência e emergência.
Se acabar a situação de
emergência ou de
urgência, o usuário deverá buscar a sua transferência para um hospital
credenciado do plano. Caso decida continuar o atendimento/tratamento no
hospital não credenciado, ele não terá direito ao ressarcimento com relação a
esses custos extras.
Em outras palavras, o
ressarcimento fica restrito ao período de tratamento da situação de urgência e
emergência.