Dizer o Direito

sexta-feira, 27 de maio de 2016

Reembolso de despesas médicas realizadas em hospital não conveniado ao plano



Imagine a seguinte situação hipotética:
João é cliente do plano de saúde Unimed.
Determinado dia, João sofreu grave acidente e foi levado para atendimento de urgência no hospital particular "Albert Eistein".
Durante o período em que ficou ali internado, João teve que se submeter a uma cirurgia de emergência.
Ao final da internação, o hospital cobrou R$ 200 mil de João por todo o tratamento realizado.
Depois de pagar a quantia, João ingressou com pedido junto à Unimed para ser reembolsado.
A Unimed alegou que, por força de contrato, os serviços que ela oferece aos seus usuários são prestados pelos seus médicos cooperados e pelos hospitais credenciados. Excepcionalmente, a Unimed também paga os serviços que seus clientes realizarem em outros hospitais não credenciados, desde que se trate de casos de urgência ou emergência e desde que o hospital não seja de alto custo, que são aqueles previstos em tabela própria.
Obs: considera-se hospital de tabela própria (de alto custo) aquele que utiliza sua própria lista de preços e procedimentos, não se sujeitando à Tabela de Referência de Terceiros.
Como o "Albert Eistein" não é credenciado da Unimed e como este hospital só aceita receber a sua lista própria de preços, não aceitando a Tabele de Referência de Terceiros, ele é considerado como sendo de alto custo e está fora da cobertura do plano de saúde.
João não se conformou e propôs ação de cobrança contra o plano de saúde.

O que o STJ decidiu em um caso análogo a esse? O plano de saúde deverá ressarcir o usuário?
SIM. O plano de saúde deve reembolsar o segurado pelas despesas que pagou com tratamento médico realizado em situação de urgência ou emergência por hospital não credenciado, ainda que o referido hospital integre expressamente tabela contratual que exclui da cobertura os hospitais de alto custo.

Vamos entender com calma o tema:

Contrato de plano de saúde
O contrato de plano de assistência à saúde é aquele por meio do qual a operadora oferece aos usuários a cobertura de custos de atendimento e tratamento médico, hospitalar e laboratorial  perante  profissionais, hospitais e laboratórios próprios ou credenciados, recebendo, em contraprestação, o pagamento de um preço.

Cobertura do plano pode ficar limitada à rede própria ou conveniada
Em regra, o contrato de plano de saúde poderá prever que a cobertura contratada de médicos, hospitais e laboratórios ficará restrita à rede própria ou conveniada.
Essa previsão contida em quase todos os contratos de plano de saúde não é, em princípio, abusiva.

Plano de saúde deve se responsabilizar pelos serviços de urgência e emergência ainda que fora da rede
Mesmo que o contrato preveja que o plano de saúde só opera com rede própria e conveniada, caso se trate de uma situação de urgência ou emergência em que não for possível a utilização dos serviços próprios ou conveniados, o plano de saúde terá o dever de ressarcir o cliente pelas despesas que ele efetuar em outros médicos ou hospitais.
Dessa forma, se o usuário do plano, em uma situação de urgência ou emergência, tiver que ser atendido em um hospital ou médico não credenciado, terá o direito de ser reembolsado pelo plano.
Se o contrato prever que o plano não se responsabiliza por atendimentos de urgência fora da rede credenciada mesmo em casos de urgência e emergência, esta cláusula contratual é considerada abusiva e nula de pleno direito. Isso porque a Lei que rege o tema (Lei nº 9.656/98) determina esse dever aos planos de saúde. Confira:
Art. 12. São facultadas a oferta, a contratação e a vigência dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1º do art. 1º desta Lei, nas segmentações previstas nos incisos I a IV deste artigo, respeitadas as respectivas amplitudes de cobertura definidas no plano-referência de que trata o art. 10, segundo as seguintes exigências mínimas:
(...)
VI - reembolso, em todos os tipos de produtos de que tratam o inciso I e o § 1º do art. 1º desta Lei, nos limites das obrigações contratuais, das despesas efetuadas pelo beneficiário com assistência à saúde, em casos de urgência ou emergência, quando não for possível a utilização dos serviços próprios, contratados, credenciados ou referenciados pelas operadoras, de acordo com a relação de preços de serviços médicos e hospitalares praticados pelo respectivo produto, pagáveis no prazo máximo de trinta dias após a entrega da documentação adequada;

Voltando ao nosso exemplo, havia uma cláusula no contrato prevendo que o plano de saúde não precisaria reembolsar o cliente caso este utilizasse os serviços de hospital de alto custo, mesmo sendo um caso de urgência ou emergência. Essa cláusula é válida?
NÃO. Como vimos acima, o art. 12, VI, da Lei nº 9.656/98 determina o dever do plano de saúde de reembolsar o usuário em atendimentos de urgência e emergência realizados fora da rede. O dispositivo legal não limita este direito, ou seja, não exclui o direito ao reembolso se o atendimento foi em hospital de alto custo. Logo, se a lei não impôs esta limitação, o contrato não poderia tê-lo feito. Conclui-se, portanto, que esta cláusula é abusiva.

Se o usuário utilizar os serviços de emergência ou urgência de um hospital de alto custo que não seja credenciado, ele terá direito de ser ressarcido integralmente? O mesmo valor que o usuário pagou para o hospital, ele terá direito de receber de volta do plano de saúde?
NÃO. Os hospitais classificados como de alto custo utilizam tabela própria de preços e procedimentos e não se sujeitam à "tabela de referência de terceiros". Essa tabela de referência de terceiros é uma planilha de valores que são pagos pelo plano de saúde ao hospital não credenciado quando o usuário do plano utiliza os seus serviços. É como se o plano de saúde combinasse com o hospital e dissesse o seguinte a ele: você não é credenciado, mas se um usuário meu utilizar seus serviços em caso de emergência ou urgência, você deverá cobrar os valores que estão nesta tabela de referência.
Ocorre que alguns hospitais não aceitam a tabela de referência e, por isso, são considerados como de "alto custo" porque cobram valores superiores ao da planilha.
Se o usuário do plano foi atendido em emergência ou urgência em um hospital de alto custo, o plano de saúde deverá reembolsar o cliente, mas somente com base nos valores previstos na tabela de referência.
Ex: João foi atendido no "Albert Eistein" e pela tabela própria do hospital, uma cirurgia custa R$ 130 mil. Ocorre que essa mesma cirurgia, na tabela de referência, é orçada em R$ 60 mil. Logo, o plano de saúde somente poderá ser obrigado a pagar a João R$ 60 mil.

Resumindo:
O plano de saúde deve reembolsar o segurado pelas despesas que pagou com tratamento médico realizado em situação de urgência ou emergência por hospital não credenciado, ainda que o referido hospital integre expressamente tabela contratual que exclui da cobertura os hospitais de alto custo, limitando-se o reembolso, no mínimo, ao valor da tabela de referência de preços de serviços médicos e hospitalares praticados pelo plano de saúde.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.286.133-MG, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 5/4/2016 (Info 580).

Uma última pergunta. Imagine que o usuário, após ser atendido na emergência do hospital não credenciado ficou livre de perigo imediato, mas permaneceu ali internado para terminar de tratar a enfermidade. Neste caso, ele terá direito de ser ressarcido pelo plano de saúde por todo o período do tratamento?
NÃO. O dever do plano de saúde de ressarcir pelos custos do tratamento realizado no hospital não credenciado perdura até o momento em que cessar a situação de urgência e emergência.
Se acabar a situação de emergência  ou  de  urgência, o usuário deverá buscar a sua transferência para um hospital credenciado do plano. Caso decida continuar o atendimento/tratamento no hospital não credenciado, ele não terá direito ao ressarcimento com relação a esses custos extras.
Em outras palavras, o ressarcimento fica restrito ao período de tratamento da situação de urgência e emergência.




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