Imagine a seguinte situação
hipotética:
João foi surpreendido quando
chegou em sua casa a fatura do cartão de crédito. Isso porque ele estava sendo
cobrado por uma suposta compra de R$ 3 mil, que ele não realizou.
O consumidor entrou em contato
com o serviço de atendimento ao cliente e contestou a cobrança.
A atendente da operadora do
cartão afirmou que iria ser aberto um procedimento interno para apurar o
ocorrido e que, durante esse período, ele não precisaria pagar essa dívida.
Depois de dois meses João foi
informado que seu cartão havia sido "clonado" e a cobrança foi
definitivamente cancelada.
Vale ressaltar que João não pagou
os R$ 3 mil e que a instituição financeira não inscreveu o seu nome nos
serviços de proteção de crédito (SPC/SERASA).
Ação de indenização por danos
morais
Mesmo tendo recebido a notícia de
que cobrança foi cancelada, João ingressou com ação de indenização por danos
morais contra a operadora do cartão de crédito alegando que o simples fato de
ter sido incluída indevidamente a compra em sua fatura já lhe gerou inúmeros
transtornos e preocupações.
O juiz julgou improcedente o
pedido argumentando que João não provou o dano moral sofrido e que o simples fato
de a empresa ter incluído a dívida na fatura do cartão não é suficiente para
caracterizar o abano extrapatrimonial.
O autor não desistiu e recorreu contra
a sentença sustentando a tese de que o simples fato de a operadora do cartão de
crédito incluir na fatura uma cobrança indevida contra o consumidor gera dano
moral in re ipsa (dano moral com
prejuízo presumido), não sendo necessária nenhuma outra comprovação.
A tese do autor encontra amparo
na jurisprudência do STJ?
NÃO.
Não configura dano moral in re ipsa a simples remessa de fatura de cartão
de crédito para a residência do
consumidor com cobrança indevida.
Para
configurar a existência do dano extrapatrimonial, é necessário que se demonstre
que a operadora de cartão de crédito, além de ter incluído a cobrança na
fatura, praticou outras condutas que configurem dano moral, como por exemplo:
a)
reiteração da cobrança indevida mesmo após o consumidor ter reclamado;
b)
inscrição do cliente em cadastro de inadimplentes;
c)
protesto da dívida;
d)
publicidade negativa do nome do suposto devedor; ou
e)
cobrança que exponha o consumidor, o submeta à ameaça, coação ou constrangimento.
STJ. 4ª Turma. REsp 1.550.509-RJ,
Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 3/3/2016 (Info 579).
O simples recebimento de fatura
de cartão de crédito na qual incluída cobrança indevida não constitui ofensa a
direito da personalidade (honra, imagem, privacidade, integridade física); não
causa, portanto, dano moral objetivo, in
re ipsa.
A configuração do dano moral dependerá
da consideração de peculiaridades do caso concreto, a serem alegadas e
comprovadas nos autos.
Esse entendimento é mais
compatível com a dinâmica atual dos meios de pagamento, por meio de cartões e
internet, os quais facilitam a circulação de bens, mas, por outro lado, ensejam
fraudes, as quais, quando ocorrem, devem ser coibidas, propiciando-se o
ressarcimento do lesado na exata medida do prejuízo.
A banalização do dano moral, em
caso de mera cobrança indevida, sem repercussão em direito da personalidade,
aumentaria o custo da atividade econômica, o qual oneraria, em última análise,
o próprio consumidor.
Por outro lado, a indenização por
dano moral, se comprovadas consequências lesivas à personalidade decorrentes da
cobrança indevida, como, por exemplo, inscrição em cadastro de inadimplentes,
desídia do fornecedor na solução do problema ou insistência em cobrança de
dívida inexistente, tem a benéfica consequência de estimular boas práticas do
empresário.