quinta-feira, 19 de maio de 2016
Conflito de atribuições envolvendo MPE e MPF deve ser dirimido pelo PGR. Entenda
quinta-feira, 19 de maio de 2016
Conflito de competência
Quando dois órgãos jurisdicionais
divergem sobre quem deverá julgar uma causa, dizemos que existe, neste caso, um
conflito de competência.
Obs: o CPP denomina esse fenômeno
de "conflito de jurisdição" (art. 113 a 117), expressão, contudo,
bastante criticada pela doutrina e jurisprudência porque a jurisdição no Brasil
é uma só, sendo exercida por qualquer juiz e Tribunal. O que se divide é a
competência, que cada juízo possui a sua.
Exemplo de conflito de
competência:
Foi instaurado inquérito policial, que estava tramitando na Justiça Estadual, com o objetivo de apurar determinado
crime.
Ao final do procedimento, o
Promotor de Justiça requereu a declinação da competência para a Justiça
Federal, entendendo que estava presente a hipótese do art. 109, IV, da CF/88.
O Juiz de Direito concordou com o
pedido e remeteu os autos para a Justiça Federal.
O Juiz Federal deu vista ao
Procurador da República, que entendeu em sentido contrário ao Promotor de
Justiça e afirmou que não havia interesse direto e específico da União que
justificasse o feito ser de competência federal.
O Juiz Federal concordou com o
Procurador da República e suscitou conflito de competência.
Este conflito deverá ser dirimido
pelo Superior Tribunal de Justiça, nos termos do art. 105, I, "d", da
CF/88:
Art. 105. Compete ao
Superior Tribunal de Justiça:
I - processar e julgar,
originariamente:
d) os conflitos de
competência entre quaisquer tribunais, ressalvado o disposto no art. 102, I,
"o", bem como entre tribunal e juízes a ele não vinculados e entre juízes vinculados a tribunais diversos;
Conflito de atribuições
No exemplo acima, os membros do
Ministério Público discordaram entre si. No entanto, essa discordância não
ficou limitada a eles e foi também encampada pelos juízes. Logo, em última
análise, tivemos um conflito de competência, ou seja, um conflito negativo entre
dois órgãos jurisdicionais.
Algumas vezes, no entanto, os
membros do Ministério Público instauram investigações que tramitam no âmbito da
própria instituição. Neste caso, em regra, tais procedimentos não são levados
ao Poder Judiciário, salvo no momento em que irá ser oferecida a denúncia ou se
for necessária alguma medida que dependa de autorização judicial (ex: interceptação
telefônica).
A regra geral, no entanto, é que
os procedimentos de investigação conduzidos diretamente pelo MP tramitem
exclusivamente no âmbito interno da Instituição.
Ex: um Promotor de Justiça
instaurou, no MPE, procedimento de investigação para apurar crimes relacionados
com um cartel mantido por donos de postos de combustíveis. Ocorre que o
Procurador da República também deflagrou, no âmbito do MPF, um procedimento
investigatório para apurar exatamente o mesmo fato. Temos, então, dois membros diferentes
do Ministério Público investigando o mesmo fato. Vale ressaltar que nenhum
deles formulou qualquer pedido judicial, de sorte que o Poder Judiciário não
foi provocado e os procedimentos tramitam apenas internamente.
Neste caso, indaga-se: se dois
membros do Ministério Público divergem sobre quem deverá atuar em uma
investigação, como isso é chamado? Teremos aqui também um conflito de
competência?
Não. Neste caso, teremos um CONFLITO
DE ATRIBUIÇÕES.
"O conflito de atribuições
não se confunde com o conflito de competência. Cuidando-se de ato de natureza
jurisdicional, o conflito será de competência; tratando-se de controvérsia
entre órgãos do Ministério Público sobre ato que caiba a um deles praticar,
ter-se-á um conflito de atribuições." (LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. 3ª ed., Salvador:
Juspodivm, 2015, p. 1113).
Obs: mais uma vez, chamo atenção
para o fato de que só existe conflito de atribuições se a divergência ficar
restrita aos membros do Ministério Público. Se os juízes encamparem as teses
dos membros do MP, aí eles estarão discordando entre si e teremos no caso um
"falso conflito de atribuições" (expressão cunhada por Guilherme de
Souza Nucci). Diz-se que há um falso conflito de atribuições porque, na
verdade, o que temos é um conflito entre dois juízes, ou seja, um conflito de
competência.
Conflito de atribuições pode se
dar tanto em matéria criminal como cível
Apesar de os exemplos acima
fornecidos envolverem a investigação de crimes, é importante esclarecer que o
conflito de atribuições poderá ocorrer também em apuração de infrações cíveis,
como o caso de improbidade, meio ambiente, consumidor e outros direitos difusos
e coletivos.
Ex: um Promotor de Justiça e um
Procurador da República divergem quanto à atribuição para a condução de inquérito
civil que investiga suposto superfaturamento na construção de conjuntos
habitacionais com recursos financeiros liberados pela Caixa Econômica Federal e
oriundos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). A Procuradoria da
República no Paraná entendeu que esta atribuição seria do Promotor de Justiça,
mas o MPE discordou e considerou que a apuração seria do MPF, já que envolvia recursos
oriundos da CEF (STF ACO 924).
Caso haja um conflito de
atribuições entre membros do Ministério Público, quem irá decidir qual dos dois
órgãos irá atuar?
Depende. Podemos identificar
quatro situações diferentes:
SITUAÇÃO
1
Se o
conflito se dá entre Promotores de Justiça do Ministério Público de um mesmo
Estado (ex: Promotor de Justiça de Iranduba/AM e Promotor de Justiça de Manaus/AM):
Neste caso, a divergência será
dirimida pelo respectivo Procurador-Geral de Justiça.
Veja:
Lei nº 8.625/93
Art. 10. Compete ao
Procurador-Geral de Justiça:
X - dirimir conflitos de
atribuições entre membros do Ministério Público, designando quem deva oficiar
no feito;
SITUAÇÃO
2
Se o
conflito se dá entre Procuradores da República (ex: um Procurador da República que
oficia em Manaus/AM e um Procurador da República que atua em Boa Vista/RR):
Nesta hipótese, o conflito será resolvido
pela Câmara de Coordenação e Revisão (órgão
colegiado do MPF), havendo possibilidade de recurso para o Procurador-Geral da
República. Confira:
LC 75/93
Art. 62. Compete às
Câmaras de Coordenação e Revisão:
VII - decidir os conflitos
de atribuições entre os órgãos do Ministério Público Federal.
Art. 49. São atribuições
do Procurador-Geral da República, como Chefe do Ministério Público Federal:
VIII - decidir, em grau de
recurso, os conflitos de atribuições entre órgãos do Ministério Público
Federal;
SITUAÇÃO
3
Se o
conflito se dá entre integrantes de ramos diferentes do Ministério Público da
União (ex: um Procurador da República e um Procurador do Trabalho):
O conflito será resolvido pelo Procurador-Geral da República:
LC 75/93
Art. 26. São atribuições
do Procurador-Geral da República, como Chefe do Ministério Público da União:
VII - dirimir conflitos de
atribuição entre integrantes de ramos diferentes do Ministério Público da
União;
SITUAÇÃO
4
Se o
conflito se dá entre Promotores de Justiça de Estados diferentes (ex: Promotor
de Justiça do Amazonas e Promotor de Justiça do Acre)? Se o conflito se dá
entre um Promotor de Justiça e um Procurador da República (ex: Promotor de
Justiça do Amazonas e Procurador da República que oficia em Manaus/AM)?
POSIÇÃO QUE ERA ADOTADA PELO STF:
Afirmava que este conflito de
atribuições deveria ser dirimido pelo próprio STF.
O Ministério Público é um órgão.
Seus membros também são órgãos. Um Promotor de Justiça é um órgão estadual. Um
Procurador da República é um órgão da União.
Se dois Promotores de Justiça de
Estados diferentes estavam divergindo sobre a atuação em uma causa, o que nós
tínhamos era uma divergência entre dois órgãos de Estados diferentes.
Se um Promotor de Justiça e um
Procurador da República discordavam sobre quem deveria atuar no caso, o que nós
tínhamos era uma dissonância entre um órgão estadual e um órgão federal.
Logo, nestas duas situações, quem
deveria resolver este conflito seria o STF, conforme previsto no art. 102, I,
"f", da CF/88:
Art. 102. Compete ao
Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
I - processar e julgar,
originariamente:
f) as causas e os
conflitos entre a União e os Estados, a União e o Distrito Federal, ou entre
uns e outros, inclusive as respectivas entidades da administração indireta;
POSIÇÃO ATUAL DO STF:
No dia de hoje (19/05/2016), o
STF alterou sua jurisprudência e passou a decidir que a competência para
dirimir estes conflitos de atribuição é do Procurador-Geral
da República (ACO 924/MG, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 19/05/2016).
Segundo restou decidido, não cabe
ao STF julgar conflitos de atribuição entre o Ministério Público Federal e os
Ministérios Públicos dos estados.
O argumento utilizado pelos
Ministros foi no sentido de que a questão não é jurisdicional, e sim
administrativa, e, por isso, a controvérsia deverá ser remetida ao Procurador-Geral
da República.
Mas o Procurador-Geral da
República é o chefe do Ministério Público estadual? Ele tem ingerência sobre o
MPE?
NÃO. O Procurador-Geral da
República é o chefe do Ministério Público da União (art. 128, § 1º da CF/88). O chefe de
cada Ministério Público estadual é o seu respectivo Procurador-Geral de Justiça
(art. 128, § 3º). Justamente por isso a solução que foi adotada pelo STF sempre
foi criticada pela doutrina. Confira, por todos, Eugênio Pacelli:
"Merece registro, por fim, que a
tese no sentido de que poderia o Procurador-Geral da República resolver os
citados conflitos de atribuições (entre membros de Ministérios Públicos
diferentes), jamais foi acolhida. E, a nosso aviso, corretamente (a rejeição
dela).
É que o Procurador-Geral da República
não ocupa qualquer posição (administrativa, funcional ou operacional)
hierarquicamente superior aos Procuradores-Gerais de Justiça dos Estados."
(Curso de Processo Penal. 14ª ed.,
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 71).
O que os Ministros argumentaram
para enfrentar essas críticas que eles já conheciam?
De acordo com o Ministro Luiz Fux,
“a opinião do MPF sobrepõe-se à manifestação do MP estadual, assim como prevê
a súmula 150 [do Superior Tribunal de Justiça - STJ], segundo a qual cabe ao
juiz federal dizer se há ou não interesse da União em determinado processo”. O
relator explicou que a aplicação dessa súmula do STJ se daria por analogia.
Além disso, o Ministro afirmou
que os conflitos de atribuição são uma questão interna da instituição.
O Ministro Teori Zavascki explicou
que esta é uma divergência estabelecida interna
corporis numa instituição que a Constituição Federal subordina aos
princípios de unidade e indivisibilidade. “Divergência dessa natureza não se
qualifica como conflito federativo apto a atrair a incidência do artigo 102,
parágrafo 1º, letra “f”, da Constituição”, afirmou. Ainda de acordo com o Ministro,
cumpre ao próprio Ministério Público, e não ao Judiciário, identificar e
afirmar ou não as atribuições investigativas de cada um dos órgãos em face do
caso concreto.
O Ministro Dias Toffoli, por sua
vez, sustentou que “o MP é uma instituição una e indivisível, e conta com um
órgão central, o procurador-geral da República”.
Para Toffoli, a Constituição
Federal outorgou ao Procurador-Geral da República algumas atribuições de
caráter nacional, dentre elas as seguintes:
• possibilidade de propor Ações
Diretas de Inconstitucionalidade;
• prerrogativa de escolher o
representante dos Ministérios Públicos estaduais no Conselho Nacional de
Justiça; e
• legitimidade para apresentar ao
STF pedidos de intervenção nos estados.
Desse modo, percebe-se que a
CF/88 conferiu ao PGR um status de representante nacional do Ministério
Público.
Volume de processos no STF
A despeito do esforço teórico
para justificar a decisão, o principal motivo pelo qual o STF decidiu atribuir
ao PGR esta competência está relacionado a um aspecto bem mais pragmático:
volume de processos.
Eram inúmeros os conflitos de
atribuição que chegavam ao STF todos os dias e a Corte simplesmente não tinha
mais condições de julgá-los.
Dessa forma, o STF abriu mão
desta competência e a conferiu ao PGR por razões muito mais ligadas a política
judiciária e à racionalização de suas competências enquanto Corte Constitucional.
Novo entendimento vale tanto para
conflitos entre MPE e MPF como também para conflitos entre Promotores de
Estados diferentes
Vale ressaltar que o caso
apreciado pelo STF dizia respeito a um conflito de atribuições entre um
Procurador da República e um Promotor de Justiça. No entanto, pelos debates
entre os Ministros, percebe-se que a solução adotada vale também para os conflitos
envolvendo Promotores de Justiça de Estados-membros diferentes.
Por mais estranho que pareça, se
dois Promotores de Justiça de Estados diferentes divergirem quanto à atuação em
um caso, este conflito de atribuições será dirimido pelo PGR.
Resumindo:
QUEM
DECIDE O CONFLITO DE ATRIBUIÇÕES
ENTRE MEMBROS DO MINISTÉRIO PÚBLICO?
|
|
MPE
do Estado 1 x MPE do Estado 1
|
Procurador-Geral
de Justiça do Estado1
|
MPF
x MPF
|
CCR,
com recurso ao PGR
|
MPU
(ramo 1) x MPU (ramo 2)
|
Procurador-Geral
da República
|
MPE
x MPF
|
Procurador-Geral
da República
|
MPE
do Estado 1 x MPE do Estado 2
|
Procurador-Geral
da República
|
Vale, por fim, uma observação. O
Poder Judiciário não fica vinculado à decisão do PGR.
Assim, suponhamos que, em um
conflito de atribuições, o PGR afirme que a atribuição para investigar e
denunciar o réu é do Procurador da República.
Diante disso, o Procurador da
República oferece denúncia na Justiça Federal. O Juiz Federal estará livre para
reapreciar o tema e poderá entender que a competência não é da Justiça Federal,
declinando a competência para a Justiça Estadual. Caso o Juiz de Direito
concorde, seguirá no processamento do feito. Se discordar, deverá suscitar
conflito de competência a ser dirimido pelo STJ (art. 105, I, "d", da
CF/88).
O certo é que a decisão do PGR
produz efeitos vinculantes apenas interna
corporis, sendo uma decisão de cunho administrativo, não vinculando os juízos
que irão apreciar a causa.