Dizer o Direito

segunda-feira, 11 de abril de 2016

Crime "insider trading" (art. 27-D da Lei 6.385/76)



Imagine a seguinte situação adaptada:
Em 2006, a Sadia decidiu fazer uma grande proposta para comprar a Perdigão.
As reuniões internas na Sadia para decidir o assunto eram confidenciais e somente participavam alguns poucos diretores. A fim de manter o sigilo, a Sadia era chamada pelo codinome blue e a Perdigão era a red.
Depois de acertarem os detalhes, ficou decidido que a proposta seria formalizada no dia 7 de abril.
João era Diretor de Finanças da Sadia e, em razão de seu cargo, sabia que a proposta seria concretizada naquele dia, quando, então, a ideia deixaria de ser sigilosa e se tornaria de conhecimento público.
Diante disso, João, um dia antes que a informação da compra fosse divulgada, comprou, na Bolsa de Valores de Nova Iorque (NYSE), milhares de ações da Perdigão, ao valor de 10 dólares.
No dia seguinte, com o anúncio da proposta, o valor das ações da sociedade empresária Perdigão na NYSE passou para 30 dólares.
João, que era rico, ficou milionário em um dia.
Vale ressaltar que, em razão do cargo que exercia, ele tinha que manter sigilo sobre esta informação.

João praticou algum crime? Em caso positivo, qual a tipificação?
João praticou o crime previsto no art. 27-D da Lei nº 6.385/76:
Uso Indevido de Informação Privilegiada
Art. 27-D. Utilizar informação relevante ainda não divulgada ao mercado, de que tenha conhecimento e da qual deva manter sigilo, capaz de propiciar, para si ou para outrem, vantagem indevida, mediante negociação, em nome próprio ou de terceiro, com valores mobiliários:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa de até 3 (três) vezes o montante da vantagem ilícita obtida em decorrência do crime.

Insider Trading
O crime do art. 27-D da Lei nº 6.385/76 é chamado de "uso indevido de informação privilegiada", mais conhecido como Insider Trading, considerando que é inspirado no direito norte-americano.
Segundo os ensinamentos de Nelson Eizirik, "insider trading é, simplificadamente, a utilização de informações relevantes sobre uma companhia, por parte das pessoas que, por força do exercício profissional, estão 'por dentro' de seus negócios, para transacionar com suas ações antes que tais informações sejam de conhecimento do público".
Acrescenta o autor, ainda, que "o insider compra ou vende no mercado a preços que ainda não estão refletindo o impacto de determinadas informações sobre a companhia, que são de seu conhecimento exclusivo" (Revista de Direito Mercantil Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: RT, 1983, p. 43).
Este art. 27-D foi introduzido pela Lei nº 10.303/2001 com o objetivo de que todos os investidores tenham o direito à igualdade de informação, fazendo com que possam confiar no mercado de capitais, já que se não houver esta confiança não se conseguirá atrair investidores para as grandes companhias.
Como se trata de um crime recente e de pouca ocorrência na prática, não existe, ainda, no Brasil, um posicionamento jurisprudencial pacífico acerca da conduta descrita no aludido dispositivo, tampouco consenso doutrinário a respeito do tema.

A sociedade empresária e as pessoas que detêm informação privilegiada devem informá-la ao público
As companhias que possuem ações na Bolsa têm o dever de comunicar os fatos relevantes que possam ter influência sobre as decisões dos investidores de comprar ou não as ações (arts. 3º e 6º, parágrafo único, da IN 358/2002 da CVM, bem como o art. 157, § 4º, da Lei nº 6.404/76.
De igual modo, o insider que detiver informações relevantes sobre sua companhia, deverá informá-las ao mercado tão logo seja possível (arts. 3º da Instrução Normativa n. 358/2002 da CVM e 157, § 4º, da Lei n. 6.404/1976), ou, no caso em que não puder fazê-lo, por entender que sua revelação colocará em risco interesse da empresa (art. 6º da Instrução Normativa), deverá abster-se de negociar com os valores mobiliários referentes às informações privilegiadas, enquanto não forem divulgadas.

Informação relevante
A legislação penal brasileira não definiu o que vem a ser informação relevante, fazendo com que o intérprete tenha que recorrer a outras leis ou atos normativos para saber o alcance da norma incriminadora.
Segundo a doutrina, informação relevante é toda aquela capaz de "influir, de modo ponderável, na decisão dos investidores do mercado", gerando "apetência pela compra ou venda de ativos", de modo a "influenciar a evolução da cotação" (CASTELLAR, João Carlos. Insider Trading e os novos crimes corporativos Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008, p. 112-113).

Existem três requisitos para que a informação possa ser considerada relevante, para os fins do tipo penal em questão. Informação relevante é aquela que:
a) não foi tornada pública;
b) é capaz de influir de modo ponderável na cotação de títulos ou valores mobiliários (price sensitive);
c) seja precisa ou concreta.
(BALTAZAR JUNIOR, José Paulo. Crimes Federais. 10ª ed., São Paulo: Saraiva, 2015, p. 572).

Em suma, no caso concreto, o STJ manteve a condenação do referido Diretor, afirmando que:
Subsume-se à figura típica prevista no art. 27-D da Lei nº 6.385/76 a conduta de quem, em função do cargo de alta relevância que exercia em sociedade empresária, obteve informação sigilosa acerca da futura aquisição do controle acionário de uma companhia por outra (operação cujo estudo de viabilidade já se encontrava em estágio avançado) - dado capaz de influir de modo ponderável nas decisões dos investidores do mercado, gerando apetência pela compra dos ativos da sociedade que seria adquirida - e, em razão dessa notícia, adquiriu, no mesmo dia, antes da divulgação do referido dado no mercado de capitais, ações desta sociedade, ainda que antes da conclusão da operação de aquisição do controle acionário.
STJ. 5ª Turma. REsp 1.569.171-SP, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 16/2/2016 (Info 577).

ressaltar destaque-se que esta foi a primeira condenação ocorrida no Brasil pela prática do crime do art. 27-D da Lei nº 6.385/76.

Competência
Vale ressaltar, ainda, que a competência para julgar o crime do art. 27-D da Lei nº 6.385/76 é da Justiça Federal, nos termos do art. 109, IV, da CF/88, conforme já decidiu o STJ:
(...) A princípio, o crime em questão - insider trading -, tipificado no art. 27-D da Lei n. 6.385/76, não atrairia a competência da Justiça Federal, levando-se em conta o art. 109, VI, da CF, cujo texto reza que compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes praticados contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira nas hipóteses determinadas por lei; a Lei n. 6.385/76 assim não dispõe.
Ocorre que, a despeito da Lei n. 6.385/76 não prever a competência da Justiça Federal, mostra-se claro que a conduta delituosa prevista no seu art. 27-D afeta diretamente o interesse da União, porquanto a utilização de informação privilegiada pode gerar lesão ao Sistema Financeiro Nacional, ao pôr em risco a confiabilidade dos investidores no mercado de capitais, aniquilando a confiança e a lisura de suas atividades.
Nesse caso, aplica-se o inciso IV do art. 109 da Carta Magna, que fixa a competência da Justiça Federal quando o delito ofender bens, serviços ou interesses da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas. (...)
(STJ. 3ª Seção. CC 135.749/SP, Rel. Min. Ericson Maranho (Desembargador convocado do TJ/SP), julgado em 25/03/2015).



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