terça-feira, 26 de abril de 2016
A viúva, mesmo não sendo herdeira, possui legitimidade para impugnar ação de investigação de paternidade post mortem?
terça-feira, 26 de abril de 2016
Imagine a seguinte situação
hipotética:
João, casado com Maria, morreu e
deixou dois filhos que estão registrados em seu nome: Pedro e Tiago.
Um mês após a morte, apareceu
Lucas afirmando que João era também seu pai biológico, apesar de nunca tê-lo
registrado.
Se João ainda estivesse vivo,
contra quem deveria ser proposta a ação? Contra quem é proposta a ação de
investigação de paternidade?
Contra João. A ação de
investigação de paternidade deve ser proposta em face do suposto pai.
E neste caso, em que João já está
morto, contra quem Lucas terá que ajuizar a ação? Quem deverá figurar
obrigatoriamente no polo passivo da ação de investigação de paternidade post
mortem?
A ação de investigação de
paternidade post mortem deve ser
proposta contra os herdeiros do suposto pai. Isso é o que está previsto no art.
27 do ECA:
Art. 27. O reconhecimento
do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível,
podendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer
restrição, observado o segredo de Justiça.
A ação de investigação post mortem terá que ser proposta,
obrigatoriamente, contra os herdeiros do falecido porque, se esta for julgada
procedente, o resultado da demanda irá afetar diretamente a situação dos
herdeiros, que poderão perder o direito à herança ou ficar com ela reduzida.
Em nosso exemplo, Lucas terá que
propor a ação de investigação contra Maria (a viúva)?
Depende. A viúva é herdeira
necessária (art. 1.845 do CC), mas se o falecido tiver deixado descendentes
(filhos, netos etc.), a viúva poderá não ter direito à herança, a depender do
regime de bens.
A regra está no art. 1.829, I, do
CC:
Art. 1.829. A sucessão
legítima defere-se na ordem seguinte:
I - aos descendentes, em
concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no
regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art.
1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da
herança não houver deixado bens particulares;
Esse inciso é muito confuso e mal
redigido, o que gera bastante polêmica na doutrina e jurisprudência. O que se
pode extrair dele é o seguinte: o cônjuge é herdeiro necessário, mas há
situações em que a lei deu primazia (preferência) para os descendentes do
morto. Assim, foram previstos alguns casos em que o cônjuge, a depender do
regime de bens, não irá ter direito à herança, ficando esta toda com os
descendentes. Vejamos:
I – Situações em que o cônjuge herda em concorrência
com os descendentes
|
II – Situações em que o cônjuge não herda em
concorrência com os descendentes
|
• Regime da comunhão parcial de bens, se existirem bens particulares
do falecido.
• Regime da separação convencional de bens (é aquela
que decorre de pacto antenupcial).
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• Regime da comunhão parcial de bens, se não havia bens
particulares do falecido.
• Regime da separação legal (obrigatória) de bens (é
aquela prevista no art. 1.641 do CC).
• Regime da comunhão universal de bens.
|
Assim, por exemplo, se Maria era
casada com João sob o regime da separação convencional de bens, ela terá
direito, juntamente com Pedro e Tiago, à herança deixada pelo marido. Logo,
neste caso, Lucas terá que propor a ação de investigação de paternidade contra
Maria, Pedro e Tiago.
Por outro lado, se Maria era
casada com João sob o regime da comunhão universal de bens, ela não terá
direito à herança. Neste caso ela será meeira, mas não herdeira.
Desse modo, Lucas terá que propor a ação apenas contra Pedro e Tiago.
Se os consortes são casados no
regime da comunhão universal, isso significa que, quando a pessoa morre, seu
cônjuge tem direito à meação, ou seja, metade dos bens do falecido já pertencem
obrigatoriamente ao cônjuge supérstite. A outra metade é que será a herança.
Ora, o legislador pensou o
seguinte: “se o cônjuge já vai ter direito à metade dos bens pelo fato de ser
meeiro, não é justo que ele também tenha parte da outra metade em prejuízo dos
descendentes; vamos excluir o cônjuge da herança para que ela fique toda para
os descendentes.”
Voltando ao nosso exemplo:
Vamos supor que Maria era casada
sob o regime da comunhão universal de bens.
O advogado de Lucas descobriu
isso ao examinar a certidão de óbito de João, onde lá constava essa informação.
Sabendo que Maria não tinha
direito à herança, o advogado de Lucas preparou a ação de investigação de
paternidade post mortem apenas contra
Pedro e Tiago (herdeiros).
Agiu corretamente o advogado de
Lucas?
SIM. Isso porque, como vimos,
sendo a viúva casada no regime da comunhão universal de bens, ela será meeira,
mas não herdeira.
Pedro e Tiago foram citados e
apresentaram contestação. Realizou-se audiência, na qual foi ouvida uma
testemunha, e o juiz remarcou o restante da audiência em razão de as duas
testemunhas restantes estarem comprovadamente doentes.
Foi, então, que Maria soube que
estava tramitando este processo e ficou chateada porque queria participar e
provar que seu marido nunca a havia traído e que "não tinha outro filho
coisa nenhuma".
Maria, por meio de advogado,
peticiona ao juiz requerendo:
1) seu ingresso no feito no polo
passivo a fim de impugnar a ação de investigação;
2) que a instrução do processo
seja reiniciada, reabrindo o prazo para que ela apresente contestação, sendo
novamente ouvida a testemunha já inquirida.
Os pedidos de Maria deverão ser
aceitos?
Um deles sim, o outro não.
Pedido 1: SIM.
Na hipótese de a viúva não ser
herdeira do investigado, ela não ostentará, em princípio, a condição de parte
ou litisconsorte necessária na ação de investigação de paternidade post mortem. Em outras palavras, o autor
da ação não precisa propor a demanda contra ela.
A relação processual estará, em
regra, completa com a citação de todos os seus herdeiros, não havendo nulidade pela
não inclusão no polo passivo de viúva não herdeira.
Ocorre que o Código Civil
autoriza que qualquer pessoa que tenha interesse possa contestar a ação de
investigação de paternidade (art. 1.615).
No caso concreto, Maria não
possui interesse patrimonial na demanda, considerando que, mesmo que Lucas seja
reconhecido como filho, o que irá mudar é que Pedro e Tiago terão que dividir a
herança com ele. A meação de Maria permanecerá intacta.
A viúva possui, no entanto,
interesse moral na causa.
Em regra, o interesse meramente
moral não autoriza a intervenção como assistente. No entanto, a interpretação
da doutrina e da jurisprudência é que, no caso do art. 1.615 do CC, o interesse
moral permite que a viúva intervenha no polo passivo da ação de investigação de
paternidade post mortem.
Dessa forma, Maria poderá assumir
o polo passivo da ação, juntamente com os demais réus, pelo fato de possuir
interesse moral na causa, o que satisfaz a exigência do art. 1.615 do CC:
Art. 1.615. Qualquer
pessoa, que justo interesse tenha, pode contestar a ação de investigação de
paternidade, ou maternidade.
Pedido 2: NÃO
Maria,
pelo fato de não ter direito à herança, não era litisconsorte necessária. Em
outras palavras, Lucas, o autor da demanda, não era obrigado a incluí-la no polo
passivo. Ele não fez nada errado ao intentar a demanda apenas contra os
herdeiros (Pedro e Tiago). Logo, não há motivo para se retroceder o curso
processual.
Aplica-se aqui o raciocínio
expresso no parágrafo único do art. 119 do CC:
Art. 119. (...) Parágrafo
único. A assistência será admitida em
qualquer procedimento e em todos os graus de jurisdição, recebendo o assistente
o processo no estado em que se encontre.
Resumindo:
Mesmo nas hipóteses em que não ostente a condição
de herdeira, a viúva poderá impugnar ação de investigação de paternidade post mortem, devendo receber o processo
no estado em que este se encontra.
STJ. 4ª Turma. REsp 1.466.423-GO,
Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 23/2/2016 (Info 578).