Dizer o Direito

sábado, 12 de março de 2016

Membros do Ministério Público que ingressaram após a CF/88 não podem exercer cargos que não tenham relação com as atividades da instituição, salvo o magistério



Nomeação de membro do MP para ser Ministro de Estado
A Presidente Dilma nomeou para ser Ministro da Justiça um Procurador de Justiça da Bahia (membro do Ministério Público estadual).
A partir daí, surgiu um grande debate sobre a constitucionalidade desta nomeação.
É permitido que um membro do MP exerça cargo no Poder Executivo?

Posição do CNMP
O CNMP proibia expressamente que os membros do MP exercessem qualquer outra função pública, salvo uma de magistério. Isso estava previsto expressamente no art. 2º da Resolução 5/2006.
Ocorre que, em 2011, esta vedação foi revogada pela Resolução 72/2011 do Conselho.
Assim, depois da Resolução 72/2011, o CNMP passou a entender que, se houver autorização do Conselho Superior do respectivo Ministério Público, não há óbice (proibição) para que o membro do Parquet se afaste temporariamente de suas funções e ocupe cargo junto ao Poder Executivo (CNMP PCA 1.00093-2016-47 e 1.00094/2016-09).
Para o CNMP, o art. 129, IX, da CF/88, autorizaria que o membro do MP exercesse cargos no Poder Executivo:
Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:
(...)
IX - exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas.

ADPF 388
Diante desse cenário, o Partido Popular Socialista (PPS) ajuizou arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF), alegando que o ato de nomeação violou a Constituição Federal, já que esta proíbe que o membro do MP exerça cargos fora do âmbito da instituição. Na ação, o Partido pediu também a declaração de inconstitucionalidade da Resolução 72/2011.

Vejamos o que o STF decidiu sobre o tema.

Inicialmente, a discussão foi de cunho PROCESSUAL: era cabível ADPF no presente caso?
SIM. O Min. Gilmar Mendes, relator do processo, afirmou que, para ser admitida a ADPF, deveriam ser analisados três aspectos que, no caso concreto, estavam preenchidos:
a) parâmetro de controle;
b) subsidiariedade;
c) relevância de interesse público.

a) Parâmetro de controle.
Na ação proposta, o requerente alegou que a nomeação violou a regra constitucional prevista no art. 128, § 5º, II, "d", da CF/88 e que esta norma tem como fundamento os preceitos fundamentais da "independência dos Poderes" (art. 2º, art. 60, §4º, III) e da "independência funcional do Ministério Público" (art. 127, §1º).
Além disso, segundo o autor, a convocação de membro do MP estadual para ocupar cargo diretamente subordinado à Presidência da República ofenderia também a "forma federativa de Estado" (art. 60, §4º, I).
Dessa forma, o requisito do parâmetro de controle da ADPF estava preenchido, considerando que na ação alegava-se a violação de três preceitos fundamentais.

b) Subsidiariedade.
A Lei nº 9.882/99 afirma que a ADPF somente será admitida se não houver outro meio eficaz de sanar a lesividade (art. 4º, § 1º). Não se pode, contudo, fazer uma interpretação literal deste dispositivo no sentido de que essa vedação é absoluta. Deve-se analisar se existe ou não outro meio eficaz de sanar a lesão de forma ampla, geral e imediata.
Assim, mesmo sendo possível ajuizar ações ordinárias em 1ª instância contra este ato de nomeação, tais demandas não teriam a mesma eficácia que a ADPF, eis que esta possui efeitos erga omnes e vinculantes.
Desse modo, mesmo sendo, em tese, possível a propositura de ações ordinárias, estas não possuem a capacidade de resolver a controvérsia constitucional de forma geral, definitiva e imediata como a ADPF.
Alguém poderia dizer que, no presente caso, caberia ADI porque o autor impugna a Resolução 72/2011. No entanto, além deste ato normativo, a ação questiona o ato de nomeação de um membro do MPE/BA para o cargo de Ministro da Justiça. Logo, questiona-se um ato normativo e também um ato concreto. Diante desta situação, percebe-se que a ADI não seria suficiente, já que ela não serve para impugnar ato de efeitos concretos (nomeação).
A utilização da ADPF para, simultaneamente, controlar atos normativos e concretos, foi recentemente admitida pelo STF no julgamento da ADPF sobre o impeachment. O Tribunal, numa única ação (ADPF), avaliou a recepção ou não da Lei nº Lei 1.079/50 e, simultaneamente, apreciou atos concretos adotados com base naquela lei (ADPF 378).

c) Relevância do interesse público.
Por fim, o Min. Gilmar Mendes mencionou um terceiro requisito que normalmente não se encontra nos livros de Direito Constitucional: a relevância do interesse público.
De acordo com o Ministro, este requisito é explícito no modelo alemão e, no caso do direito brasileiro, encontra-se previsto implicitamente na legislação.
Segundo esta concepção, o STF poderá, ao lado de outros requisitos de admissibilidade, emitir juízo sobre a relevância e o interesse público contido na controvérsia constitucional, podendo recusar a admissibilidade da ADPF sempre que não vislumbrar relevância jurídica na sua propositura.
No presente caso, este requisito da relevância do interesse público também se encontra presente diante da importância de se discutir e definir o tema.

E quanto ao MÉRITO, o STF concordou com o pedido do autor da ação? Existe realmente vedação para que membro do MP exerça cargos fora do âmbito da instituição? A nomeação do Procurador de Justiça para o cargo de Ministro da Justiça violou a CF/88?
SIM.

Membros do Ministério Público não podem ocupar cargos públicos fora do âmbito da Instituição, salvo cargo de professor e funções de magistério.
A Resolução 72/2011 do CNMP, ao permitir que membro do Parquet exerça cargos fora do MP, é flagrantemente contrária ao art. 128, § 5º, II, "d", da CF/88.
Consequentemente, a nomeação de membro do MP para o cargo de Ministro da Justiça viola o texto constitucional.
STF. Plenário. ADPF 388, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 09/03/2016.

Há proibição expressa  no art. 128, § 5º, II, "d", da CF/88
A CF/88 proíbe, de forma expressa, que Promotores e Procuradores exerçam cargo ou função fora do âmbito do Ministério Público. Veja:
Art. 128 (...)
§ 5º - Leis complementares da União e dos Estados, cuja iniciativa é facultada aos respectivos Procuradores-Gerais, estabelecerão a organização, as atribuições e o estatuto de cada Ministério Público, observadas, relativamente a seus membros:
(...)
II - as seguintes vedações:
(...)
d) exercer, ainda que em disponibilidade, qualquer outra função pública, salvo uma de magistério;

Esta vedação acima imposta comporta uma única exceção: o exercício da função de magistério.

Os ocupantes de cargos na Administração Pública federal, estadual, municipal e distrital, aí incluídos os Ministros de Estado e os Secretários, exercem funções públicas. Toda pessoa que é titular de um cargo público exerce uma função pública. Logo, se um membro do MP é nomeado para o cargo de Secretário ou Ministro de Estado, ele estará exercendo outra função pública que não a de Promotor/Procurador, e isso é vedado pelo art. 128, § 5º, II, "d".

Análise do art. 129, IX, da CF/88
Não é correto o argumento utilizado pelo CNMP de que o art. 129, IX, da CF/88, deve ser lido em conjunto com o art. 128, § 5º, II, "d", como se fosse este inciso IX uma espécie de exceção à proibição. Isso porque o art. 129 trata sobre as "funções institucionais do Ministério Público", ou seja, sobre as funções da Instituição (e não de seus membros).
O objetivo do referido inciso IX é simplesmente deixar claro que o rol de funções conferidas à instituição Ministério Público é meramente exemplificativo (numerus apertus) e que a lei poderá conceder outras atribuições para a instituição Ministério Público, desde que compatíveis com as suas incumbências constitucionais. É o caso, por exemplo, do art. 178 do novo CPC, que conferiu ao Ministério Público a função de fiscal da ordem jurídica em processos judiciais que envolvam “interesse público ou social, interesse de incapaz, ou litígios coletivos pela posse de terra rural ou urbana”, atribuição que não consta do rol do art. 129, mas que é condizente com a missão constitucional do Parquet (art. 127 da CF/88).
Dessa forma, o art. 129, IX, não trata sobre os membros do MP, mas apenas, repito, permite que a instituição receba outras atribuições conferidas por lei.

Vedação do art. 128, § 5º, II, "d" existe ainda que o membro esteja afastado de suas funções como Promotor/Procurador
Uma tese invocada pelo Governo era a de que a vedação do art. 128, § 5º, II, "d", da CF/88 somente existiria em caso de exercício concomitante de funções de Promotor/Procurador com outras funções fora da instituição. Em outras palavras, o Governo defendia que, se o membro estivesse afastado de suas funções no MP (licenciado), ele poderia exercer perfeitamente o cargo no Executivo.
Esse argumento também foi rechaçado.
O texto do art. 128, § 5º, II, "d" é muito claro: a vedação de que o membro do MP exerça outra função pública vigora ainda que ele esteja em disponibilidade. Ou seja, enquanto não for rompido o vínculo com a Instituição, a vedação persiste. Não basta ele tirar uma licença, por exemplo. Para assumir outro cargo fora do MP, ele terá que pedir exoneração ou se aposentar.

Risco de subordinação ao Poder Executivo
Ao exercer cargo no Poder Executivo, o membro do Ministério Público passa a atuar como subordinado ao Chefe da Administração. Isso fragiliza a instituição Ministério Público, que pode ser potencial alvo de captação por interesses políticos e de submissão dos interesses institucionais a projetos pessoais de seus próprios membros.
A independência em relação ao Poder Executivo é uma garantia dos membros do MP, que, com isso, podem exercer suas funções de fiscalização do exercício do Poder Público sem receios e amarras.

Precedentes anteriores do STF
Vale ressaltar que o STF já possuía outros precedentes afirmando expressamente que o membro do MP não pode exercer cargos públicos fora da instituição.  Este sempre foi o entendimento da Corte, de forma que o CNMP, ao editar a Resolução impugnada, contrariou a posição consolidada do STF. Confira:

(...) O afastamento de membro do Parquet para exercer outra função pública viabiliza-se apenas nas hipóteses de ocupação de cargos na administração superior do próprio Ministério Público. Inadmissibilidade da licença para o exercício dos cargos de Ministro, Secretário de Estado ou seu substituto imediato. (...)
(STF. Plenário. ADI 2534 MC, Rel. Min. Maurício Corrêa, julgado em 15/08/2002)

(...) Os membros do Ministério Público somente podem exercer função comissionada no âmbito da administração da própria instituição. (...)
STF. Plenário. ADI 3298, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 10/05/2007.

(...) I. O afastamento de membro do Parquet para exercer outra função pública viabiliza-se apenas nas hipóteses de ocupação de cargos na administração superior do próprio Ministério Público.
II. Os cargos de Ministro, Secretário de Estado ou do Distrito Federal, Secretário de Município da Capital ou Chefe de Missão Diplomática não dizem respeito à administração do Ministério Público, ensejando, inclusive, se efetivamente exercidos, indesejável vínculo de subordinação de seus ocupantes com o Executivo. (...)
STF. Plenário. ADI 3574, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 16/05/2007.

Prazo para afastamento
Como há muitos membros do MP que estão exercendo cargos no âmbito do Poder Executivo e como eles foram autorizados para isso pelo CNMP, o STF, em nome da segurança jurídica, decidiu fixar um prazo de 20 dias, a partir da publicação da ata do julgamento, para que haja a exoneração dos membros do MP que estejam atuando perante a administração pública em desconformidade com o entendimento fixado pela Corte.

O julgamento da ADPF 388 abrange o caso de membros do MP que assumiram antes da CF/88? Eles também estão proibidos de exercer cargos no Poder Executivo?
NÃO. Na ADPF 388 não se analisou a situação dos Promotores e Procuradores que ingressaram antes da CF/88, época em que não existia esta proibição.
Assim, mesmo sem haver um posicionamento definitivo do STF, prevalece o entendimento de que os membros do MP que foram admitidos antes da promulgação da CF/88 podem exercer cargos no Poder Executivo, desde que tenham feito opção pelo regime jurídico anterior, nos termos do art. 29, § 3º do ADCT:
§ 3º - Poderá optar pelo regime anterior, no que respeita às garantias e vantagens, o membro do Ministério Público admitido antes da promulgação da Constituição, observando-se, quanto às vedações, a situação jurídica na data desta.

Na data da promulgação da CF/88 não havia vedação para que os membros do MP exercessem cargos no Poder Executivo. Logo, para eles, isso é possível. Veja ementa do STF que deixa essa possibilidade subentendida:
MANDADO DE SEGURANÇA. RESOLUÇÃO N. 5/2006 DO CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO: EXERCÍCIO DE CARGO DE DIRETOR DE PLANEJAMENTO, ADMINISTRAÇÃO E LOGÍSTICA DO IBAMA POR PROMOTOR DE JUSTIÇA. IMPOSSIBILIDADE DE MEMBRO DO MINISTÉRIO PÚBLICO QUE INGRESSOU NA INSTITUIÇÃO APÓS A PROMULGAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO DE 1988 EXERCER CARGO OU FUNÇÃO PÚBLICA EM ÓRGÃO DIVERSO DA ORGANIZAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. VEDAÇÃO DO ART. 128, § 5º, INC. II, ALÍNEA D, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. PRECEDENTES. SEGURANÇA DENEGADA.
STF. Plenário. MS 26595, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 07/04/2010.

Em recente julgamento, o Min. Gilmar Mendes, em obiter dictum, deixa antever sua posição sobre o tema no mesmo sentido. Confira:

"Frise-se, ainda, que a Lei Complementar Estadual 31/96, ao criar o Conselho Estadual Indigenista (CONEI), impõe a participação de um membro do Ministério Público Estadual, em total afronta ao art. 128, § 5º, II, “d”, da Constituição da República. Destarte, tal norma é explícita ao vedar ao membro do Ministério Público o exercício de outra função pública. A regra constitucional é excepcionada apenas no caso do exercício de uma função de magistério ou na hipótese de que o membro do Ministério Público, admitido antes da promulgação da Constituição de 1988, tenha feito a opção pelo regime jurídico anterior, conforme o art. 29, § 3º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT)." (grifou-se) (STF. Plenário. ADI 1499, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 17/09/2014).


O julgamento da ADPF 388 tratou sobre a possibilidade dos membros do MP concorrerem a cargos eletivos?
NÃO. Isso também não foi discutido na ADPF 388. A vedação de que Promotores e Procuradores exerçam cargos eletivos está prevista no art. 128, §5º, II, “e” – não no art. 128, §5º, II, "d" (que foi analisado pelo STF na ADPF 388).
O art. 128, §5º, II, “e”, da CF/88 proíbe expressamente que os membros do MP exerçam atividade político-partidária. Ocorre que esta vedação foi imposta pela EC 45/2004. Compare:

Art. 128, §5º, II, “e”
Redação originária da CF/88
Redação atual (dada pela EC 45/2004)
Art. 128 (...)
§ 5º (...)
II - as seguintes vedações:
e) exercer atividade político-partidária, salvo exceções previstas na lei.
Art. 128 (...)
§ 5º (...)
II - as seguintes vedações:
e) exercer atividade político-partidária.

Assim, antes da EC 45/2004, a lei permitia que o membro do MP concorresse desde que se desincompatibilizasse do cargo. Depois da EC 45/2004, não mais existe qualquer exceção. A atividade político-partidária é completamente vedada.

Existe, contudo, uma discussão para saber se esta proibição vale também para os membros do MP que ingressaram antes da EC 45/2004. Este tema ainda não foi definido pelo STF.





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