Imagine a seguinte situação
hipotética:
João e Maria foram casados e
tiveram um filho (Lucas). O casal se divorciou. Lucas ficou morando com o pai
em Florianópolis e Maria mudou-se para Curitiba.
Vale ressaltar que, mesmo morando
em Curitiba, Maria continuou detendo poder familiar sobre o filho.
Determinado dia, Lucas, com 17
anos, aproveitou-se do fato de que o pai havia saído de casa e pegou o carro
escondido, sem autorização, para dar uma volta. Durante o passeio acabou
atropelando Carla, que sofreu vários ferimentos.
Carla poderá cobrar indenização
de João pelos danos a ela causados por seu filho? O pai do autor do ilícito tem
responsabilidade civil neste caso?
SIM, nos termos do art. 932, I,
do Código Civil:
Art. 932. São também
responsáveis pela reparação civil:
I - os pais, pelos filhos
menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia;
João poderá isentar-se da
responsabilidade alegando que não teve culpa?
NÃO. A responsabilidade civil nos
casos do art. 932 do CC é objetiva (independentemente de culpa). Nesse sentido:
Art. 933. As pessoas
indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda
que não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos
terceiros ali referidos.
Enunciado 451 - CJF: A
responsabilidade civil por ato de terceiro funda-se na responsabilidade
objetiva ou independente de culpa, estando superado o modelo de culpa
presumida.
As bancas de
concurso também consideram que a responsabilidade do terceiro é objetiva neste
caso:
"(Juiz
TJ/TO 2007 CESPE) A responsabilidade civil por ato de terceiro permite estender
a obrigação de reparar o dano a pessoa diversa daquela que praticou a conduta
danosa, desde que exista uma relação jurídica entre o causador do dano e o
responsável pela indenização. Nessa hipótese, a responsabilidade é
objetiva." (CERTO)
Segundo o STJ, o fundamento para
essa responsabilidade objetiva está na chamada "teoria do risco".
Isso significa que a vítima não
precisa comprovar a culpa para ser indenizada?
Calma. A
vítima terá sim que provar a culpa do causador do dano (no caso, Lucas, o filho
menor de idade). O que não será necessário é demonstrar a culpa do terceiro
responsável pelo causador do dano (seu pai, João). Veja como o tema já foi
cobrado em prova:
"(DPE/PR
2014) Ainda que a responsabilidade por fato de terceiro seja objetiva em
relação aos pais, incumbe ao ofendido provar a culpa do filho menor que estiver
sob a autoridade ou em companhia daqueles e que seja o causador do dano, com o
que estará configurado o dever de indenizar." (CERTO)
E Maria, mãe do adolescente, que
morava em outra cidade, poderá ser responsabilizada neste caso?
NÃO.
A
mãe que, à época de acidente provocado por seu filho menor de idade, residia
permanentemente em local distinto daquele no qual morava o menor - sobre quem
apenas o pai exercia autoridade de fato - não pode ser responsabilizada pela
reparação civil advinda do ato ilícito, mesmo considerando que ela não deixou
de deter o poder familiar sobre o filho.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.232.011-SC,
Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 17/12/2015 (Info 575).
Autoridade é diferente de poder
familiar
O inciso I do art. 932 do CC
exige, para responsabilizar os pais, que os filhos menores estejam "sob
sua autoridade e em sua companhia".
"Autoridade" não é
sinônimo de "poder familiar".
Poder familiar é um conjunto de
direitos e deveres conferido aos pais com relação ao filho menor de 18 anos
(não emancipado), dentre eles o poder de dirigir a criação e a educação, de
conceder consentimento para casar, de exigir que preste obediência, e outros
previstos no art. 1.634 do CC.
"Autoridade" é
expressão mais restrita que "poder familiar" e pressupõe uma
ordenação, ou seja, que o pai ou mãe tenha poderes para organizar de forma mais
direta e imediata a vida do filho.
Todo pai/mãe que tem autoridade
sobre o filho, possui também poder familiar. Mas o contrário não é verdadeiro,
ou seja, nem todo pai/mãe que possui poder familiar tem necessariamente
autoridade sobre o filho.
Assim, por mais que a mãe ainda
permanecesse com o poder familiar (que não foi perdido por ela estar em outra
cidade), o certo é que ela não detinha "autoridade" sobre o filho.
A mãe que não exerce autoridade
de fato sobre o filho, embora ainda detenha o poder familiar, não deve
responder pelos danos que ele causar.
Precedentes em sentido um pouco
diverso
Vale ressaltar que o tema acima é
polêmico, havendo precedentes mais antigos em sentido um pouco diverso do que
foi decidido. Confira um deles:
(...) 1. Os pais respondem
civilmente, de forma objetiva, pelos atos dos filhos menores que estiverem sob
sua autoridade e em sua companhia (artigo 932, I, do Código Civil).
2. O fato de o menor não
residir com o(a) genitor(a) não configura, por si só, causa excludente de
responsabilidade civil.
3. Há que se investigar se
persiste o poder familiar com todas os deveres/poderes de orientação e
vigilância que lhe são inerentes. Precedentes. (...)
(STJ. 3ª Turma. AgRg no
AREsp 220.930/MG, Rel. Min. Sidnei Beneti, julgado em 09/10/2012)
Em provas de concurso, deve-se
adotar o julgado mais recente, noticiado no Info 575.