Dizer o Direito

segunda-feira, 7 de março de 2016

Mãe que mora em cidade diferente de seu filho menor responderá civilmente pelos danos por ele causados?



Imagine a seguinte situação hipotética:
João e Maria foram casados e tiveram um filho (Lucas). O casal se divorciou. Lucas ficou morando com o pai em Florianópolis e Maria mudou-se para Curitiba.
Vale ressaltar que, mesmo morando em Curitiba, Maria continuou detendo poder familiar sobre o filho.
Determinado dia, Lucas, com 17 anos, aproveitou-se do fato de que o pai havia saído de casa e pegou o carro escondido, sem autorização, para dar uma volta. Durante o passeio acabou atropelando Carla, que sofreu vários ferimentos.

Carla poderá cobrar indenização de João pelos danos a ela causados por seu filho? O pai do autor do ilícito tem responsabilidade civil neste caso?
SIM, nos termos do art. 932, I, do Código Civil:
Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:
I - os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia;

João poderá isentar-se da responsabilidade alegando que não teve culpa?
NÃO. A responsabilidade civil nos casos do art. 932 do CC é objetiva (independentemente de culpa). Nesse sentido:
Art. 933. As pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda que não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos.

Enunciado 451 - CJF: A responsabilidade civil por ato de terceiro funda-se na responsabilidade objetiva ou independente de culpa, estando superado o modelo de culpa presumida.

As bancas de concurso também consideram que a responsabilidade do terceiro é objetiva neste caso:
"(Juiz TJ/TO 2007 CESPE) A responsabilidade civil por ato de terceiro permite estender a obrigação de reparar o dano a pessoa diversa daquela que praticou a conduta danosa, desde que exista uma relação jurídica entre o causador do dano e o responsável pela indenização. Nessa hipótese, a responsabilidade é objetiva." (CERTO)

Segundo o STJ, o fundamento para essa responsabilidade objetiva está na chamada "teoria do risco".

Isso significa que a vítima não precisa comprovar a culpa para ser indenizada?
Calma. A vítima terá sim que provar a culpa do causador do dano (no caso, Lucas, o filho menor de idade). O que não será necessário é demonstrar a culpa do terceiro responsável pelo causador do dano (seu pai, João). Veja como o tema já foi cobrado em prova:
"(DPE/PR 2014) Ainda que a responsabilidade por fato de terceiro seja objetiva em relação aos pais, incumbe ao ofendido provar a culpa do filho menor que estiver sob a autoridade ou em companhia daqueles e que seja o causador do dano, com o que estará configurado o dever de indenizar." (CERTO)

E Maria, mãe do adolescente, que morava em outra cidade, poderá ser responsabilizada neste caso?
NÃO.

A mãe que, à época de acidente provocado por seu filho menor de idade, residia permanentemente em local distinto daquele no qual morava o menor - sobre quem apenas o pai exercia autoridade de fato - não pode ser responsabilizada pela reparação civil advinda do ato ilícito, mesmo considerando que ela não deixou de deter o poder familiar sobre o filho.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.232.011-SC, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 17/12/2015 (Info 575).

Autoridade é diferente de poder familiar
O inciso I do art. 932 do CC exige, para responsabilizar os pais, que os filhos menores estejam "sob sua autoridade e em sua companhia".
"Autoridade" não é sinônimo de "poder familiar".
Poder familiar é um conjunto de direitos e deveres conferido aos pais com relação ao filho menor de 18 anos (não emancipado), dentre eles o poder de dirigir a criação e a educação, de conceder consentimento para casar, de exigir que preste obediência, e outros previstos no art. 1.634 do CC.
"Autoridade" é expressão mais restrita que "poder familiar" e pressupõe uma ordenação, ou seja, que o pai ou mãe tenha poderes para organizar de forma mais direta e imediata a vida do filho.
Todo pai/mãe que tem autoridade sobre o filho, possui também poder familiar. Mas o contrário não é verdadeiro, ou seja, nem todo pai/mãe que possui poder familiar tem necessariamente autoridade sobre o filho.
Assim, por mais que a mãe ainda permanecesse com o poder familiar (que não foi perdido por ela estar em outra cidade), o certo é que ela não detinha "autoridade" sobre o filho.
A mãe que não exerce autoridade de fato sobre o filho, embora ainda detenha o poder familiar, não deve responder pelos danos que ele causar.

Precedentes em sentido um pouco diverso
Vale ressaltar que o tema acima é polêmico, havendo precedentes mais antigos em sentido um pouco diverso do que foi decidido. Confira um deles:
(...) 1. Os pais respondem civilmente, de forma objetiva, pelos atos dos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia (artigo 932, I, do Código Civil).
2. O fato de o menor não residir com o(a) genitor(a) não configura, por si só, causa excludente de responsabilidade civil.
3. Há que se investigar se persiste o poder familiar com todas os deveres/poderes de orientação e vigilância que lhe são inerentes. Precedentes. (...)
(STJ. 3ª Turma. AgRg no AREsp 220.930/MG, Rel. Min. Sidnei Beneti, julgado em 09/10/2012)

Em provas de concurso, deve-se adotar o julgado mais recente, noticiado no Info 575.



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