Dizer o Direito

terça-feira, 1 de março de 2016

Embargos de declaração com efeitos infringentes não podem ser recebidos como pedido de reconsideração



Embargos de declaração
Os embargos de declaração são uma espécie de recurso, sendo julgados pelo próprio órgão que prolatou a decisão. Ex.: os embargos de declaração opostos em face de uma sentença são julgados pelo próprio juiz que proferiu a decisão.
O prazo dos embargos de declaração é de 5 dias.

Hipóteses de cabimento
Veja as hipóteses de cabimento dos embargos de declaração conforme o novo CPC:
Art. 1.022. Cabem embargos de declaração contra qualquer decisão judicial para:
I — esclarecer obscuridade ou eliminar contradição;
II — suprir omissão de ponto ou questão sobre o qual devia se pronunciar o juiz de ofício ou a requerimento;
III — corrigir erro material.

Parágrafo único. Considera-se omissa a decisão que:
I — deixe de se manifestar sobre tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de competência aplicável ao caso sob julgamento;
II — incorra em qualquer das condutas descritas no art. 489, § 1º.

Três observações importantes sobre o art. 1.022 do CPC 2015:
• ficou expressamente previsto que cabem embargos de declaração contra qualquer decisão judicial. Antes, diante da literalidade do art. 535 do CPC 1973, havia entendimentos de que não caberia embargos de declaração contra decisões interlocutórias. Com o novo CPC, não há dúvidas de que isso é possível;
• o conceito do que seja “omissão” para fins de embargos de declaração foi ampliado;
• foi acrescentada uma nova hipótese de embargos de declaração, que já era admitida pela jurisprudência: situação em que se verifica um “erro material” na decisão.

Efeito modificativo dos embargos de declaração (“embargos de declaração com efeito infringente”)
Em regra, a função dos embargos de declaração não é a de modificar o resultado da decisão, fazendo com que a parte que perdeu se torne a vencedora. Essa não é a função típica dos embargos.
Os objetivos típicos dos embargos são: a) esclarecer obscuridade; b) eliminar contradição; c) suprir omissão; d) corrigir erro material.
Vale ressaltar, no entanto, que muitas vezes, ao se dar provimento aos embargos, pode acontecer de o resultado da decisão ser alterado. Quando isso acontece, dizemos que os embargos de declaração assumem um efeito infringente.

Interrupção do prazo recursal
Os embargos de declaração interrompem o prazo para a interposição de recurso (art. 1.026 do CPC 2015).
Ex.: juiz prolatou uma sentença. Logo, a parte prejudicada teria o prazo de 15 dias para interpor o recurso cabível para o caso (apelação). No entanto, essa parte vislumbrou a existência de uma contradição no pronunciamento judicial. Desse modo, antes de interpor a apelação, decidiu opor embargos de declaração. Somente quando o juiz julgar esses embargos é que começará a contar o prazo de 15 dias para a apelação.
Vale ressaltar que os embargos de declaração, ainda que rejeitados, interrompem o prazo recursal.

Feitos os devidos esclarecimentos, imagine a seguinte situação hipotética:
João ajuizou ação de indenização contra Pedro, tendo o juiz proferido sentença negando o pedido.
Contra esta decisão, o autor possuía, em tese, duas opções de recurso: a) apelação; b) embargos de declaração.
João interpôs embargos de declaração com pedido de efeitos infringentes, alegando que o juiz afirmou que a tese proposta pelo autor não é acolhida pela jurisprudência, sendo que existiriam julgados do STJ que embasariam o pedido do requerente.
O juiz afirmou que o embargante não apontou a existência de nenhuma obscuridade, contradição, omissão ou erro material, razão pela qual o objetivo do autor seria apenas a reconsideração da sentença. Assim, o magistrado recebeu os embargos de declaração como se fossem um "pedido de reconsideração" e recusou-se a alterar o teor da sentença.
Diante disso, João interpôs apelação.
Ocorre que o magistrado não conheceu da apelação afirmando que ela era intempestiva. Isso porque a parte prejudicada pela decisão opôs embargos de declaração sem apontar nenhuma obscuridade, contradição, omissão ou erro material, mas apenas pedindo a reconsideração do que foi decidido. Assim, na visão do juiz, o que o embargante fez foi formular um pedido de reconsideração (que não tem previsão no CPC), utilizando o nome de “embargos de declaração”. Em tal caso, diante do desvirtuamento do instituto, o magistrado entendeu que esses “embargos de declaração” não teriam o condão (poder) de interromper o prazo para os demais recursos. Em outras palavras, esses embargos não deveriam ser conhecidos e a parte ainda teria perdido o prazo para interpor o recurso que seria cabível (apelação).

O raciocínio adotado pelo juiz é aceito pela jurisprudência atual do STJ? Os embargos de declaração, se forem opostos com pedido de efeitos infringentes e sem apontar obscuridade, contradição, omissão ou erro material, podem ser recebidos como se fossem um "pedido de reconsideração" (o que acarreta a perda do prazo para os demais recursos)?
NÃO.

Os embargos de declaração, ainda que contenham nítido pedido de efeitos infringentes, não devem ser recebidos como mero "pedido de reconsideração".
STJ. Corte Especial. REsp 1.522.347-ES, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 16/9/2015 (Info 575).

Pedido de reconsideração não tem previsão legal e não é recurso
Os embargos de declaração são um recurso expressamente previsto no CPC e, ainda que contenham indevido pedido de efeitos infringentes, não se confundem com mero pedido de reconsideração.
Se os embargos de declaração foram tempestivamente opostos, ainda que tenham pedido de efeitos infringentes, não devem ser recebidos como "pedido de reconsideração", porque tal mudança não atende a nenhuma previsão legal, tampouco a requisito de aplicação de princípio da fungibilidade, pois este último (pedido de reconsideração) não é recurso.

Proteção da confiança como corolário da segurança jurídica
Se fosse permitido que o julgador recebesse os embargos de declaração como se fosse pedido de reconsideração, isso iria trazer enorme insegurança jurídica ao jurisdicionado, pois, apesar de ele ter interposto tempestivamente o recurso cabível, ficaria à mercê da subjetividade do magistrado, que poderia puni-lo com a perda do prazo para os demais recursos por considerar que os embargos tinham a intenção de rediscutir a matéria. Deve-se, portanto, negar essa possibilidade em nome da proteção da confiança como corolário da segurança jurídica.

Excepcionalmente, é possível a mudança do julgado por meio de embargos
Excepcionalmente, é possível a modificação do julgado por meio dos embargos de declaração desde que ele seja omisso, obscuro, contraditório ou tenha algum erro material, de forma que, a partir de sua integração, o fundamento desta acarrete, necessariamente, a alteração da decisão.

Multa do art. 1.022, § 2º do CPC 2015
Se não houver vício a ser sanado, mas apenas a pretensão do recorrente em rediscutir a decisão, o julgador poderá aplicar a multa prevista no art. 1.022, § 2º, do CPC 2015, desde que fique caracterizado que o embargante estava com intuito de procrastinar (prolongar indevidamente o processo):
Art. 1.026. (...)
§ 2º Quando manifestamente protelatórios os embargos de declaração, o juiz ou o tribunal, em decisão fundamentada, condenará o embargante a pagar ao embargado multa não excedente a dois por cento sobre o valor atualizado da causa.
§ 3º Na reiteração de embargos de declaração manifestamente protelatórios, a multa será elevada a até dez por cento sobre o valor atualizado da causa, e a interposição de qualquer recurso ficará condicionada ao depósito prévio do valor da multa, à exceção da Fazenda Pública e do beneficiário de gratuidade da justiça, que a recolherão ao final.
§ 4º Não serão admitidos novos embargos de declaração se os 2 (dois) anteriores houverem sido considerados protelatórios.

Vale ressaltar, no entanto,  que, mesmo nessa hipótese do § 2º, haverá interrupção do prazo para os demais recursos.

O que pode ser considerado como embargos de declaração manifestamente protelatórios?
Podemos apontar duas hipóteses de embargos de declaração manifestamente protelatórios:
1ª) O recorrente não aponta, de forma concreta, nenhuma das hipóteses de cabimento (obscuridade, contradição ou omissão), ficando bem claro que seu objetivo foi apenas o de prolongar indevidamente o processo.
2ª) O recorrente visa rediscutir matéria já apreciada e decidida pela Corte de origem em conformidade com súmula do STJ ou STF ou, ainda, precedente julgado pelo rito do recurso repetitivo ou da repercussão geral.

Receber os embargos como se fossem pedido de reconsideração é punição muito severa
Surpreender a parte recebendo os embargos de declaração como pedido de reconsideração acarreta para o embargante uma gravíssima sanção sem previsão legal, qual seja a não interrupção de prazo para posteriores recursos, situação que supera, em muito, a penalidade prevista no § 2º do art. 1.022 do CPC 2015.
A inesperada perda do prazo recursal é uma penalidade por demais severa, contra a qual nada se poderá fazer, porque encerra o processo. Assim, o recebimento dos aclaratórios como pedido de reconsideração aniquila o direito constitucional da parte ao devido processo legal e viola, ainda, o princípio da proibição da reformatio in pejus. Inexiste maior prejuízo para a parte do que a perda da possibilidade de recorrer, assegurada na lei processual, apresentando seus argumentos às instâncias superiores, com a legítima finalidade de buscar a reforma de julgado que entende equivocado.
O recebimento dos aclaratórios como pedido de reconsideração padece de, ao menos, duas manifestas ilegalidades, sendo a primeira a ausência de previsão legal para tal sanção subjetiva, e a segunda, a "não interrupção do prazo recursal", aniquilando o direito da parte embargante e ignorando a penalidade objetiva, estabelecida pelo legislador no § 2º do art. 1.022 do CPC 2015.

Situações em que os embargos de declaração não irão interromper o prazo para os demais recursos:
Vimos acima que, mesmo que os embargos de declaração sejam opostos com o objetivo de rediscutir a matéria (o que não é função típica dos embargos) e mesmo que eles não apontem obscuridade, contradição, omissão ou erro material, ainda assim tais embargos deverão ser conhecidos e, se for o caso, rejeitados. Portanto, haverá interrupção do prazo para os demais recursos. O máximo que o julgador poderá fazer é aplicar a multa por terem sido protelatórios.
Existem, no entanto, duas hipóteses em que os embargos de declaração não deverão ser conhecidos e, como consequência, não irão interromper o prazo (a parte embargante irá perder o prazo para os demais recursos). São elas:
1) Quando os embargos de declaração forem intempestivos (tiverem sido opostos fora do prazo);
2) Não serão admitidos novos embargos de declaração se a parte já tiver apresentados dois embargos anteriormente e estes tiverem sido considerados protelatórios (§ 4º do art. 1.026 do CP 2015). Nesse sentido:
Enunciado nº 361 do Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC): Na hipótese do art. 1.026, § 4º, não cabem embargos de declaração e, caso opostos, não produzirão qualquer efeito.




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