Olá amigos do Dizer o Direito,
Foi publicada ontem mais uma novidade legislativa.
Trata-se da Lei 13.257/2016, que dispõe sobre políticas públicas para a primeira infância.
Aqui irei fazer umas breves observações sobre os aspectos mais importantes da nova Lei.
I – NOÇÕES GERAIS
Sobre o que trata a Lei
A Lei n.º 13.257/2016 prevê a
formulação e implementação de políticas públicas voltadas para as crianças que
estão na “primeira infância”.
Além disso, a Lei nº 13.257/2016
altera o ECA, a CLT, a Lei nº 11.770/2008 e o CPP.
Primeira infância
Para os fins da Lei, considera-se
primeira infância o período que abrange os primeiros 6 anos completos (72 meses)
de vida da criança.
Políticas públicas
O Estado tem o dever de
estabelecer políticas, planos, programas e serviços para a primeira infância.
O pleno atendimento dos direitos
da criança na primeira infância constitui objetivo comum de todos os entes da
Federação, segundo as respectivas competências constitucionais e legais, a ser
alcançado em regime de colaboração entre a União, os Estados, o Distrito
Federal e os Municípios (art. 8º).
A sociedade participa
solidariamente com a família e o Estado da proteção e da promoção da criança na
primeira infância (art. 12).
Criança como “cidadã”
Aprendemos nos manuais de Direito
Constitucional e/ou Eleitoral que “cidadão” é a pessoa que goza de direitos
políticos. Assim, é comum a distinção doutrinária entre nacional e cidadão.
Segundo esta lição, um brasileiro menor de 16 anos é nacional, mas não é
cidadão porque não goza de direitos políticos (não pode votar nem ser votado).
Chamo atenção para o fato de que
a Lei n.º 13.257/2016 menciona que a criança ostenta a condição de “cidadã”
(art. 4º, I, V e parágrafo único). Na prática, nada muda, sendo apenas um
instrumento de retórica simbólica da Lei. No entanto, cuidado nas provas
objetivas de concurso, cuja resposta irá variar de acordo com a disciplina na
qual a questão é perguntada.
Pressão consumista
Curiosidade. A Lei afirma que a
primeira infância deverá ser protegida contra toda forma de violência e de
pressão consumista (art. 5º).
II – ALTERAÇÕES DA LEI 13.257/2016 NO ECA
A Lei n. 13.257/2016 alterou diversos
dispositivos do ECA.
Não se preocupem, no entanto, que
as modificações realizadas não possuem praticamente nenhuma relevância
jurídica, não sendo importantes para fins de concurso.
Destaco apenas três delas, que
poderão ser cobradas nas provas, especialmente em questões objetivas.
Art.
13 (...)
§ 1º As gestantes ou mães que manifestem
interesse em entregar seus filhos para adoção serão obrigatoriamente
encaminhadas, sem constrangimento, à Justiça da Infância e da Juventude. (Incluído pela Lei nº 13.257/2016)
Art.
102 (...)
§ 5º Os registros e certidões necessários à
inclusão, a qualquer tempo, do nome do pai no assento de nascimento são isentos
de multas, custas e emolumentos, gozando de absoluta prioridade. (Incluído pela Lei nº 13.257/2016)
§ 6º São gratuitas, a qualquer tempo, a
averbação requerida do reconhecimento de paternidade no assento de nascimento e
a certidão correspondente. (Incluído
pela Lei nº 13.257/2016)
III – ALTERAÇÕES DA LEI 13.257/2016 NA CLT
O art. 473 do ECA prevê situações
de interrupção do contrato de trabalho, ou seja, hipóteses nas quais o
empregado é autorizado a não trabalhar e, mesmo assim, terá direito à remuneração
referente ao período.
A Lei n.º 13.257/2016 acrescenta
duas novas hipóteses ao rol do art. 473. Veja:
Art.
473. O empregado poderá deixar de comparecer ao serviço sem prejuízo do
salário:
(...)
X - até 2 (dois) dias para acompanhar
consultas médicas e exames complementares durante o período de gravidez de sua
esposa ou companheira; (Incluído pela
Lei nº 13.257/2016)
XI - por 1 (um) dia por ano para acompanhar
filho de até 6 (seis) anos em consulta médica. (Incluído pela Lei nº 13.257/2016)
IV – PRORROGAÇÃO DO TEMPO DE LICENÇA-PATERNIDADE
Programa "empresa cidadã"
(Lei nº 11.770/2008)
O prazo da licença-maternidade,
em regra, é de 120 dias, nos termos do art. 7º, XVIII, da CF/88.
Em 2008, o Governo, com o
objetivo de ampliar o prazo da licença-maternidade, editou a Lei nº 11.770/2008
por meio de um programa chamado "Empresa Cidadã".
Este programa significa que a pessoa
jurídica que possuir uma empregada que teve filho(a) poderá conceder a ela uma
licença-maternidade não de 120, mas sim de 180 dias. Em outras palavras, a CF/88
fala que o prazo mínimo é de 120 dias, mas a empresa pode conceder 180 dias.
As empresas não são obrigadas a
conceder 180 dias e a forma que o Governo idealizou de incentivar que elas forneçam
esses 60 dias a mais foi por meio de incentivos fiscais.
O art. 5º da Lei nº 11.770/2008
previu que a pessoa jurídica que aderir ao programa "empresa cidadã"
poderá deduzir do imposto de renda o total da remuneração integral da empregada
pago nos dias de prorrogação de sua licença-maternidade. Em outras palavras, a
empresa poderá descontar do imposto de renda o valor pago pelos 60 dias a mais
concedidos.
O ponto negativo da Lei nº
11.770/2008 é que este incentivo foi muito tímido, já que a dedução do imposto
de renda só vale para empregadores que sejam pessoas jurídicas tributadas com
base no lucro real (o que exclui milhares de empresas do benefício, fazendo com
que elas não tenham qualquer incentivo para conceder a licença prorrogada).
Em virtude disso, a adesão ao
programa é considerada baixa.
O que fez a Lei nº 13.257/2016?
A Lei nº 13.257/2016 alterou a
Lei nº 11.770/2008, trazendo a possibilidade de que o prazo da
licença-paternidade também seja prorrogado. Isso porque a Lei nº 11.770/2008,
em sua redação original, só falava em licença-maternidade.
A licença-paternidade é uma espécie
de interrupção do contrato de trabalho. Assim, o empregado que tiver um(a)
filho(a) terá direito de ficar alguns dias sem trabalhar, recebendo normalmente
sua remuneração, a fim de dar assistência ao seu descendente.
O prazo da licença-paternidade é,
em regra, de 5 dias, nos termos do art. 7º, XIX, da CF/88 c/c o art. 10, § 1º do
ADCT.
A Lei nº 13.257/2016, como já
dito acima, previu a possibilidade de que esse prazo de 5 dias da
licença-paternidade seja prorrogado por mais 15 dias, totalizando 20 dias de licença.
Esta prorrogação não é automática
e, para que ocorra, a pessoa jurídica na qual o empregado trabalha deverá
aderir ao programa "Empresa Cidadã", disciplinado pela Lei nº
11.770/2008.
Requerimento
O empregado deverá requerer o
benefício no prazo de 2 dias úteis após o parto. Além disso, terá que comprovar
participação em programa ou atividade de orientação sobre paternidade responsável.
Adoção e guarda judicial
A licença-paternidade de 20 dias também
é garantida não apenas ao empregado que tiver filho biológico, mas também àquele
que adotar ou obtiver guarda judicial para fins de adoção de criança (art. 1º, §
2º da Lei nº 11.770/2008).
Criança deve ficar sob os
cuidados dos pais
No período de prorrogação da
licença-paternidade, o empregado não poderá exercer nenhuma atividade
remunerada, e a criança deverá ser mantida sob seus cuidados. Em caso de
descumprimento, o empregado perderá o direito à prorrogação.
Prorrogação da
licença-paternidade aplica-se também para os servidores públicos
Apesar de o texto da Lei não ser
muito claro e deixar margem a dúvidas, penso que a prorrogação da
licença-paternidade de 5 para 20 dias pode ser conferida também pela administração
pública para os seus servidores que forem pais, nos termos do art. 2º da Lei nº
11.770/2008:
Art. 2º É a administração
pública, direta, indireta e fundacional, autorizada a instituir programa que
garanta prorrogação da licença-maternidade para suas servidoras, nos termos do
que prevê o art. 1º desta Lei.
O referido art. 2º fala em "licença-maternidade"
e em "servidoras". Mas, apesar disso, ele faz referência ao art. 1º da
Lei (que trata tanto da licença-maternidade como da licença-paternidade). Além
disso, não existe razão jurídica que justifique ser permitida a prorrogação
para as servidoras e não para os servidores. Desse modo, repetindo, entendo que
a prorrogação da licença-paternidade de 5 para 20 dias é aplicável também na
Administração Pública.
Vale ressaltar que esta foi a
interpretação que prevaleceu, pelo menos no âmbito federal.
A Presidente da República editou decreto
prevendo a licença-paternidade estendida para os servidores públicos federais.
Veja:
DECRETO Nº 8.737, DE 3 DE MAIO DE 2016
Institui o Programa de Prorrogação da Licença-Paternidade para os
servidores regidos pela Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990.
Art. 1º Fica instituído o
Programa de Prorrogação da Licença Paternidade para os servidores regidos pela
Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990.
Art. 2º A prorrogação da
licença-paternidade será concedida ao servidor público que requeira o benefício
no prazo de dois dias úteis após o nascimento ou a adoção e terá duração de
quinze dias, além dos cinco dias concedidos pelo art. 208 da Lei nº 8.112, de
1990.
§ 1º A prorrogação se
iniciará no dia subsequente ao término da licença de que trata o art. 208 da
Lei nº 8.112, de 1990.
§ 2º O disposto neste
Decreto é aplicável a quem adotar ou obtiver guarda judicial para fins de
adoção de criança.
§ 3º Para os fins do
disposto no § 2º, considera-se criança a pessoa de até doze anos de idade
incompletos.
Art. 3º O beneficiado pela
prorrogação da licença-paternidade não poderá exercer qualquer atividade remunerada
durante a prorrogação da licença-paternidade.
Parágrafo único. O
descumprimento do disposto neste artigo implicará o cancelamento da prorrogação
da licença e o registro da ausência como falta ao serviço.
Art. 4º O servidor em gozo
de licença-paternidade na data de entrada em vigor deste Decreto poderá
solicitar a prorrogação da licença, desde que requerida até o último dia da
licença ordinária de cinco dias.
V – ALTERAÇÕES NO CPP
A Lei nº 13.257/2016 promoveu
alterações até mesmo no Código de Processo Penal. Vejamos as mudanças efetuadas.
V.1 OBRIGAÇÃO DAS AUTORIDADES DE AVERIGUAREM
A SITUAÇÃO DOS FILHOS MENORES DAS PESSOAS PRESAS
Obrigação do Delegado de Polícia averiguar
se a pessoa presa possui filhos e quem é o responsável por seus cuidados,
fazendo este registro no auto de prisão em flagrante
O art. 6º do CPP traz uma série
de providências que deverão ser tomadas pela autoridade policial (Delegado de
Polícia) logo após ele ter conhecimento da prática da infração penal.
A Lei nº 13.257/2016 acrescenta o
inciso X ao art. 6º estabelecendo mais uma obrigação para o Delegado. Veja:
Art.
6º Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade
policial deverá:
(...)
X - colher informações sobre a existência
de filhos, respectivas idades e se possuem alguma deficiência e o nome e o
contato de eventual responsável pelos cuidados dos filhos, indicado pela pessoa
presa. (Incluído pela Lei nº 13.257/2016)
O art. 304, que trata sobre da
prisão em flagrante, também foi modificado para que esta informação colhida
pelo Delegado agora conste expressamente do auto:
Art.
304 (...)
§ 4º Da lavratura do auto de prisão em
flagrante deverá constar a informação sobre a existência de filhos, respectivas
idades e se possuem alguma deficiência e o nome e o contato de eventual
responsável pelos cuidados dos filhos, indicado pela pessoa presa. (Incluído pela Lei nº 13.257/2016)
Obrigação do magistrado, de,
durante o interrogatório judicial, averiguar se o réu possui filhos e quem está
responsável por seus cuidados
Art.
185 (...)
(...)
§ 10. Do interrogatório deverá constar a
informação sobre a existência de filhos, respectivas idades e se possuem alguma
deficiência e o nome e o contato de eventual responsável pelos cuidados dos
filhos, indicado pela pessoa presa. (Incluído
pela Lei nº 13.257/2016)
Trata-se, portanto, de nova
pergunta obrigatória a ser formulada pelo Juiz durante o interrogatório.
Constatando o Delegado de Polícia
ou o Juiz que os filhos menores da pessoa presa estão em situação de risco,
deverão encaminhar a criança ou o adolescente para programa de acolhimento
familiar ou institucional.
V.2 NOVAS HIPÓTESES DE PRISÃO
DOMICILIAR
Prisão domiciliar
O CPP, ao tratar da prisão
domiciliar, prevê a possibilidade de o réu, em vez de ficar em prisão
preventiva, permanecer recolhido em sua residência. Trata-se de uma medida
cautelar que substitui a prisão preventiva pelo recolhimento da pessoa em sua
residência.
Art. 317. A prisão
domiciliar consiste no recolhimento do indiciado ou acusado em sua residência,
só podendo dela ausentar-se com autorização judicial.
As hipóteses em que a prisão
domiciliar é permitida estão elencadas no art. 318 do CPP. A Lei nº 13.257/2016
promoveu importantíssimas alterações neste rol. Veja:
Inciso IV - prisão domiciliar
para GESTANTE independente do tempo de gestação e de sua situação de saúde
CPP
|
|
ANTES
|
ATUALMENTE
|
Art.
318. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o
agente for:
(...)
IV
- gestante a partir do 7º (sétimo) mês de gravidez ou sendo esta de alto
risco.
|
Art.
318. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o
agente for:
(...)
IV - gestante;
|
Desse modo, agora basta que a
investigada ou ré esteja grávida para ter direito à prisão domiciliar. Não mais
se exige tempo mínimo de gravidez nem que haja risco à saúde da mulher ou do
feto.
Inciso V - prisão domiciliar para
MULHER que tenha filho menor de 12 anos
Art. 318. Poderá o juiz
substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for:
(...)
V - mulher com filho de até 12 (doze)
anos de idade incompletos;
Esta hipótese não existia e foi
incluída pela Lei nº 13.257/2016.
Inciso VI - prisão domiciliar
para HOMEM que seja o único responsável pelos cuidados do filho menor de 12
anos
Art. 318. Poderá o juiz
substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for:
(...)
VI - homem, caso seja o único
responsável pelos cuidados do filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos.
Esta hipótese não existia e foi
incluída pela Lei nº 13.257/2016.
Ponto polêmico.
As hipóteses de prisão domiciliar
previstas nos incisos do art. 318 do CPP são sempre obrigatórias? Em outras
palavras, se alguma delas estiver presente, o juiz terá que, automaticamente, conceder
a prisão domiciliar sem analisar qualquer outra circunstância?
Renato Brasileiro entende que não.
Para o referido autor,
"(...) a
presença de um dos pressupostos indicados no art. 318, isoladamente
considerado, não assegura ao acusado, automaticamente, o direito à substituição
da prisão preventiva pela domiciliar.
O princípio da
adequação também deve ser aplicado à substituição (CPP, art. 282, II), de modo
que a prisão preventiva somente pode ser substituída pela domiciliar se se
mostrar adequada à situação concreta. Do contrário, bastaria que o acusado
atingisse a idade de 80 (oitenta) anos par que tivesse direito automático à
prisão domiciliar, com o que não se pode concordar. Portanto, a presença de um
dos pressupostos do art. 318 do CPP funciona como requisito mínimo, mas não
suficiente, de per si, para a substituição, cabendo ao magistrado verificar se,
no caso concreto, a prisão domiciliar seria suficiente para neutralizar o
periculum libertatis que deu ensejo à decretação da prisão preventiva do
acusado." (Manual de Direito
Processual Penal. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 998).
Esta é a posição também de Eugênio
Pacelli e Douglas Fischer (Comentários ao
Código de Processo Penal e sua jurisprudência. 4ª ed., São Paulo: Atlas,
2012, p. 645-646) e de Norberto Avena (Processo
Penal. 7ª ed., São Paulo: Método, p. 487) para quem é necessário analisar
as circunstâncias do caso concreto para saber se a prisão domiciliar será suficiente.
Desse modo, segundo o
entendimento doutrinário acima exposto, não basta, por exemplo, que a
investigada ou ré esteja grávida (inciso IV) para ter direito, obrigatoriamente, à prisão domiciliar. Ela
estando grávida será permitida a sua
prisão domiciliar, mas para tanto é necessário que a concessão desta medida
substitutiva não acarrete perigo à garantia da ordem pública, à conveniência da
instrução criminal ou implique risco à aplicação da lei penal. Assim, além da
presença de um dos pressuposto listados nos incisos do art. 318 do CPP,
exige-se que, analisando o caso concreto, não seja indispensável a manutenção
da prisão no cárcere.
De igual modo, no caso do inciso V,
não basta que a mulher presa tenha um filho menor de 12 anos de idade para que
receba, obrigatoriamente, a prisão domiciliar. Será necessário examinar as
demais circunstâncias do caso concreto e, principalmente, se a prisão
domiciliar será suficiente ou se ela, ao receber esta medida cautelar, ainda
colocará em risco os bens jurídicos protegidos pelo art. 312 do CPP.
As novas hipóteses dos incisos V,
VI e VII do art. 318 do CPP aplicam-se às pessoas acusadas por crimes
praticados antes da vigência da Lei nº 13.257/2016?
SIM. A Lei nº 13.257/2016, no
ponto que altera o CPP, é uma norma de caráter processual, de forma que se
aplica imediatamente aos processos em curso. Além disso, como reforço de
argumentação, ela é mais benéfica, de sorte que pode ser aplicada às pessoas
atualmente presas mesmo que por delitos perpetrados antes da sua vigência.
VI - VIGÊNCIA
A Lei 13.257/2016 não possui vacatio legis, de forma que entrou em
vigor na data de sua publicação (09/03/2016).
Márcio André Lopes Cavalcante
Professor.