Dizer o Direito

quinta-feira, 10 de março de 2016

Comentários à Lei 13.257/2016 (Estatuto da Primeira Infância)


Olá amigos do Dizer o Direito,

Foi publicada ontem mais uma novidade legislativa.

Trata-se da Lei 13.257/2016, que dispõe sobre políticas públicas para a primeira infância.

Aqui irei fazer umas breves observações sobre os aspectos mais importantes da nova Lei.


I – NOÇÕES GERAIS

Sobre o que trata a Lei
A Lei n.º 13.257/2016 prevê a formulação e implementação de políticas públicas voltadas para as crianças que estão na “primeira infância”.
Além disso, a Lei nº 13.257/2016 altera o ECA, a CLT, a Lei nº 11.770/2008 e o CPP.

Primeira infância
Para os fins da Lei, considera-se primeira infância o período que abrange os primeiros 6 anos completos (72 meses) de vida da criança.

Políticas públicas
O Estado tem o dever de estabelecer políticas, planos, programas e serviços para a primeira infância.
O pleno atendimento dos direitos da criança na primeira infância constitui objetivo comum de todos os entes da Federação, segundo as respectivas competências constitucionais e legais, a ser alcançado em regime de colaboração entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios (art. 8º).
A sociedade participa solidariamente com a família e o Estado da proteção e da promoção da criança na primeira infância (art. 12).

Criança como “cidadã”
Aprendemos nos manuais de Direito Constitucional e/ou Eleitoral que “cidadão” é a pessoa que goza de direitos políticos. Assim, é comum a distinção doutrinária entre nacional e cidadão. Segundo esta lição, um brasileiro menor de 16 anos é nacional, mas não é cidadão porque não goza de direitos políticos (não pode votar nem ser votado).
Chamo atenção para o fato de que a Lei n.º 13.257/2016 menciona que a criança ostenta a condição de “cidadã” (art. 4º, I, V e parágrafo único). Na prática, nada muda, sendo apenas um instrumento de retórica simbólica da Lei. No entanto, cuidado nas provas objetivas de concurso, cuja resposta irá variar de acordo com a disciplina na qual a questão é perguntada.

Pressão consumista
Curiosidade. A Lei afirma que a primeira infância deverá ser protegida contra toda forma de violência e de pressão consumista (art. 5º).


II – ALTERAÇÕES DA LEI 13.257/2016 NO ECA

A Lei n. 13.257/2016 alterou diversos dispositivos do ECA.
Não se preocupem, no entanto, que as modificações realizadas não possuem praticamente nenhuma relevância jurídica, não sendo importantes para fins de concurso.
Destaco apenas três delas, que poderão ser cobradas nas provas, especialmente em questões objetivas.

Art. 13 (...)
§ 1º As gestantes ou mães que manifestem interesse em entregar seus filhos para adoção serão obrigatoriamente encaminhadas, sem constrangimento, à Justiça da Infância e da Juventude. (Incluído pela Lei nº 13.257/2016)


Art. 102 (...)

§ 5º Os registros e certidões necessários à inclusão, a qualquer tempo, do nome do pai no assento de nascimento são isentos de multas, custas e emolumentos, gozando de absoluta prioridade. (Incluído pela Lei nº 13.257/2016)

§ 6º São gratuitas, a qualquer tempo, a averbação requerida do reconhecimento de paternidade no assento de nascimento e a certidão correspondente. (Incluído pela Lei nº 13.257/2016)




III – ALTERAÇÕES DA LEI 13.257/2016 NA CLT

O art. 473 do ECA prevê situações de interrupção do contrato de trabalho, ou seja, hipóteses nas quais o empregado é autorizado a não trabalhar e, mesmo assim, terá direito à remuneração referente ao período.

A Lei n.º 13.257/2016 acrescenta duas novas hipóteses ao rol do art. 473. Veja:


Art. 473. O empregado poderá deixar de comparecer ao serviço sem prejuízo do salário:

(...)

X - até 2 (dois) dias para acompanhar consultas médicas e exames complementares durante o período de gravidez de sua esposa ou companheira; (Incluído pela Lei nº 13.257/2016)

XI - por 1 (um) dia por ano para acompanhar filho de até 6 (seis) anos em consulta médica. (Incluído pela Lei nº 13.257/2016)



IV – PRORROGAÇÃO DO TEMPO DE LICENÇA-PATERNIDADE

Programa "empresa cidadã" (Lei nº 11.770/2008)
O prazo da licença-maternidade, em regra, é de 120 dias, nos termos do art. 7º, XVIII, da CF/88.
Em 2008, o Governo, com o objetivo de ampliar o prazo da licença-maternidade, editou a Lei nº 11.770/2008 por meio de um programa chamado "Empresa Cidadã".
Este programa significa que a pessoa jurídica que possuir uma empregada que teve filho(a) poderá conceder a ela uma licença-maternidade não de 120, mas sim de 180 dias. Em outras palavras, a CF/88 fala que o prazo mínimo é de 120 dias, mas a empresa pode conceder 180 dias.
As empresas não são obrigadas a conceder 180 dias e a forma que o Governo idealizou de incentivar que elas forneçam esses 60 dias a mais foi por meio de incentivos fiscais.
O art. 5º da Lei nº 11.770/2008 previu que a pessoa jurídica que aderir ao programa "empresa cidadã" poderá deduzir do imposto de renda o total da remuneração integral da empregada pago nos dias de prorrogação de sua licença-maternidade. Em outras palavras, a empresa poderá descontar do imposto de renda o valor pago pelos 60 dias a mais concedidos.
O ponto negativo da Lei nº 11.770/2008 é que este incentivo foi muito tímido, já que a dedução do imposto de renda só vale para empregadores que sejam pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real (o que exclui milhares de empresas do benefício, fazendo com que elas não tenham qualquer incentivo para conceder a licença prorrogada).
Em virtude disso, a adesão ao programa é considerada baixa.

O que fez a Lei nº 13.257/2016?
A Lei nº 13.257/2016 alterou a Lei nº 11.770/2008, trazendo a possibilidade de que o prazo da licença-paternidade também seja prorrogado. Isso porque a Lei nº 11.770/2008, em sua redação original, só falava em licença-maternidade.
A licença-paternidade é uma espécie de interrupção do contrato de trabalho. Assim, o empregado que tiver um(a) filho(a) terá direito de ficar alguns dias sem trabalhar, recebendo normalmente sua remuneração, a fim de dar assistência ao seu descendente.
O prazo da licença-paternidade é, em regra, de 5 dias, nos termos do art. 7º, XIX, da CF/88 c/c o art. 10, § 1º do ADCT.
A Lei nº 13.257/2016, como já dito acima, previu a possibilidade de que esse prazo de 5 dias da licença-paternidade seja prorrogado por mais 15 dias, totalizando 20 dias de licença.
Esta prorrogação não é automática e, para que ocorra, a pessoa jurídica na qual o empregado trabalha deverá aderir ao programa "Empresa Cidadã", disciplinado pela Lei nº 11.770/2008.

Requerimento
O empregado deverá requerer o benefício no prazo de 2 dias úteis após o parto. Além disso, terá que comprovar participação em programa ou atividade de orientação sobre paternidade responsável.

Adoção e guarda judicial
A licença-paternidade de 20 dias também é garantida não apenas ao empregado que tiver filho biológico, mas também àquele que adotar ou obtiver guarda judicial para fins de adoção de criança (art. 1º, § 2º da Lei nº 11.770/2008).

Criança deve ficar sob os cuidados dos pais
No período de prorrogação da licença-paternidade, o empregado não poderá exercer nenhuma atividade remunerada, e a criança deverá ser mantida sob seus cuidados. Em caso de descumprimento, o empregado perderá o direito à prorrogação.

Prorrogação da licença-paternidade aplica-se também para os servidores públicos
Apesar de o texto da Lei não ser muito claro e deixar margem a dúvidas, penso que a prorrogação da licença-paternidade de 5 para 20 dias pode ser conferida também pela administração pública para os seus servidores que forem pais, nos termos do art. 2º da Lei nº 11.770/2008:
Art. 2º É a administração pública, direta, indireta e fundacional, autorizada a instituir programa que garanta prorrogação da licença-maternidade para suas servidoras, nos termos do que prevê o art. 1º desta Lei.

O referido art. 2º fala em "licença-maternidade" e em "servidoras". Mas, apesar disso, ele faz referência ao art. 1º da Lei (que trata tanto da licença-maternidade como da licença-paternidade). Além disso, não existe razão jurídica que justifique ser permitida a prorrogação para as servidoras e não para os servidores. Desse modo, repetindo, entendo que a prorrogação da licença-paternidade de 5 para 20 dias é aplicável também na Administração Pública.

Vale ressaltar que esta foi a interpretação que prevaleceu, pelo menos no âmbito federal.
A Presidente da República editou decreto prevendo a licença-paternidade estendida para os servidores públicos federais. Veja:

DECRETO Nº 8.737, DE 3 DE MAIO DE 2016
Institui o Programa de Prorrogação da Licença-Paternidade para os servidores regidos pela Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990.

Art. 1º Fica instituído o Programa de Prorrogação da Licença Paternidade para os servidores regidos pela Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990.

Art. 2º A prorrogação da licença-paternidade será concedida ao servidor público que requeira o benefício no prazo de dois dias úteis após o nascimento ou a adoção e terá duração de quinze dias, além dos cinco dias concedidos pelo art. 208 da Lei nº 8.112, de 1990.
§ 1º A prorrogação se iniciará no dia subsequente ao término da licença de que trata o art. 208 da Lei nº 8.112, de 1990.
§ 2º O disposto neste Decreto é aplicável a quem adotar ou obtiver guarda judicial para fins de adoção de criança.
§ 3º Para os fins do disposto no § 2º, considera-se criança a pessoa de até doze anos de idade incompletos.

Art. 3º O beneficiado pela prorrogação da licença-paternidade não poderá exercer qualquer atividade remunerada durante a prorrogação da licença-paternidade.
Parágrafo único. O descumprimento do disposto neste artigo implicará o cancelamento da prorrogação da licença e o registro da ausência como falta ao serviço.

Art. 4º O servidor em gozo de licença-paternidade na data de entrada em vigor deste Decreto poderá solicitar a prorrogação da licença, desde que requerida até o último dia da licença ordinária de cinco dias.



V – ALTERAÇÕES NO CPP

A Lei nº 13.257/2016 promoveu alterações até mesmo no Código de Processo Penal. Vejamos as mudanças efetuadas.

V.1 OBRIGAÇÃO DAS AUTORIDADES DE AVERIGUAREM A SITUAÇÃO DOS FILHOS MENORES DAS PESSOAS PRESAS

Obrigação do Delegado de Polícia averiguar se a pessoa presa possui filhos e quem é o responsável por seus cuidados, fazendo este registro no auto de prisão em flagrante
O art. 6º do CPP traz uma série de providências que deverão ser tomadas pela autoridade policial (Delegado de Polícia) logo após ele ter conhecimento da prática da infração penal.
A Lei nº 13.257/2016 acrescenta o inciso X ao art. 6º estabelecendo mais uma obrigação para o Delegado. Veja:
Art. 6º Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá:
(...)
X - colher informações sobre a existência de filhos, respectivas idades e se possuem alguma deficiência e o nome e o contato de eventual responsável pelos cuidados dos filhos, indicado pela pessoa presa. (Incluído pela Lei nº 13.257/2016)

O art. 304, que trata sobre da prisão em flagrante, também foi modificado para que esta informação colhida pelo Delegado agora conste expressamente do auto:
Art. 304 (...)
§ 4º Da lavratura do auto de prisão em flagrante deverá constar a informação sobre a existência de filhos, respectivas idades e se possuem alguma deficiência e o nome e o contato de eventual responsável pelos cuidados dos filhos, indicado pela pessoa presa. (Incluído pela Lei nº 13.257/2016)

Obrigação do magistrado, de, durante o interrogatório judicial, averiguar se o réu possui filhos e quem está responsável por seus cuidados
Art. 185 (...)
(...)
§ 10. Do interrogatório deverá constar a informação sobre a existência de filhos, respectivas idades e se possuem alguma deficiência e o nome e o contato de eventual responsável pelos cuidados dos filhos, indicado pela pessoa presa. (Incluído pela Lei nº 13.257/2016)

Trata-se, portanto, de nova pergunta obrigatória a ser formulada pelo Juiz durante o interrogatório.
Constatando o Delegado de Polícia ou o Juiz que os filhos menores da pessoa presa estão em situação de risco, deverão encaminhar a criança ou o adolescente para programa de acolhimento familiar ou institucional.


V.2 NOVAS HIPÓTESES DE PRISÃO DOMICILIAR

Prisão domiciliar
O CPP, ao tratar da prisão domiciliar, prevê a possibilidade de o réu, em vez de ficar em prisão preventiva, permanecer recolhido em sua residência. Trata-se de uma medida cautelar que substitui a prisão preventiva pelo recolhimento da pessoa em sua residência.

Art. 317. A prisão domiciliar consiste no recolhimento do indiciado ou acusado em sua residência, só podendo dela ausentar-se com autorização judicial.

As hipóteses em que a prisão domiciliar é permitida estão elencadas no art. 318 do CPP. A Lei nº 13.257/2016 promoveu importantíssimas alterações neste rol. Veja:

Inciso IV - prisão domiciliar para GESTANTE independente do tempo de gestação e de sua situação de saúde

CPP
ANTES
ATUALMENTE
Art. 318. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for:
(...)
IV - gestante a partir do 7º (sétimo) mês de gravidez ou sendo esta de alto risco.
Art. 318. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for:
(...)
IV - gestante;


Desse modo, agora basta que a investigada ou ré esteja grávida para ter direito à prisão domiciliar. Não mais se exige tempo mínimo de gravidez nem que haja risco à saúde da mulher ou do feto.

Inciso V - prisão domiciliar para MULHER que tenha filho menor de 12 anos

Art. 318. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for:
(...)
V - mulher com filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos;

Esta hipótese não existia e foi incluída pela Lei nº 13.257/2016.


Inciso VI - prisão domiciliar para HOMEM que seja o único responsável pelos cuidados do filho menor de 12 anos

Art. 318. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for:
(...)
VI - homem, caso seja o único responsável pelos cuidados do filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos.

Esta hipótese não existia e foi incluída pela Lei nº 13.257/2016.

Ponto polêmico.
As hipóteses de prisão domiciliar previstas nos incisos do art. 318 do CPP são sempre obrigatórias? Em outras palavras, se alguma delas estiver presente, o juiz terá que, automaticamente, conceder a prisão domiciliar sem analisar qualquer outra circunstância?

Renato Brasileiro entende que não. Para o referido autor,

"(...) a presença de um dos pressupostos indicados no art. 318, isoladamente considerado, não assegura ao acusado, automaticamente, o direito à substituição da prisão preventiva pela domiciliar.
O princípio da adequação também deve ser aplicado à substituição (CPP, art. 282, II), de modo que a prisão preventiva somente pode ser substituída pela domiciliar se se mostrar adequada à situação concreta. Do contrário, bastaria que o acusado atingisse a idade de 80 (oitenta) anos par que tivesse direito automático à prisão domiciliar, com o que não se pode concordar. Portanto, a presença de um dos pressupostos do art. 318 do CPP funciona como requisito mínimo, mas não suficiente, de per si, para a substituição, cabendo ao magistrado verificar se, no caso concreto, a prisão domiciliar seria suficiente para neutralizar o periculum libertatis que deu ensejo à decretação da prisão preventiva do acusado." (Manual de Direito Processual Penal. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 998).

Esta é a posição também de Eugênio Pacelli e Douglas Fischer (Comentários ao Código de Processo Penal e sua jurisprudência. 4ª ed., São Paulo: Atlas, 2012, p. 645-646) e de Norberto Avena (Processo Penal. 7ª ed., São Paulo: Método, p. 487) para quem é necessário analisar as circunstâncias do caso concreto para saber se a prisão domiciliar será suficiente.

Desse modo, segundo o entendimento doutrinário acima exposto, não basta, por exemplo, que a investigada ou ré esteja grávida (inciso IV) para ter direito, obrigatoriamente, à prisão domiciliar. Ela estando grávida será permitida a sua prisão domiciliar, mas para tanto é necessário que a concessão desta medida substitutiva não acarrete perigo à garantia da ordem pública, à conveniência da instrução criminal ou implique risco à aplicação da lei penal. Assim, além da presença de um dos pressuposto listados nos incisos do art. 318 do CPP, exige-se que, analisando o caso concreto, não seja indispensável a manutenção da prisão no cárcere.

De igual modo, no caso do inciso V, não basta que a mulher presa tenha um filho menor de 12 anos de idade para que receba, obrigatoriamente, a prisão domiciliar. Será necessário examinar as demais circunstâncias do caso concreto e, principalmente, se a prisão domiciliar será suficiente ou se ela, ao receber esta medida cautelar, ainda colocará em risco os bens jurídicos protegidos pelo art. 312 do CPP.
  
As novas hipóteses dos incisos V, VI e VII do art. 318 do CPP aplicam-se às pessoas acusadas por crimes praticados antes da vigência da Lei nº 13.257/2016?
SIM. A Lei nº 13.257/2016, no ponto que altera o CPP, é uma norma de caráter processual, de forma que se aplica imediatamente aos processos em curso. Além disso, como reforço de argumentação, ela é mais benéfica, de sorte que pode ser aplicada às pessoas atualmente presas mesmo que por delitos perpetrados antes da sua vigência.


VI - VIGÊNCIA
A Lei 13.257/2016 não possui vacatio legis, de forma que entrou em vigor na data de sua publicação (09/03/2016).
  
Márcio André Lopes Cavalcante
Professor.





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