Dizer o Direito

quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

Diferença de classes no SUS é inconstitucional



Imagine a seguinte situação hipotética:
O hospital particular “Boa Saúde” é credenciado junto ao SUS para prestar atendimento gratuito à população em geral. Em outras palavras, esse hospital recebe verbas do SUS para que uma parte de seu atendimento seja destinada a todas as pessoas, independentemente de pagamento.
João foi internado no hospital para tratamento de saúde pelo SUS, ficando no ambulatório com outros pacientes. Como foi internado pelo SUS, João não pagaria nada e o hospital receberia do governo pelos serviços realizados.
Ocorre que o médico de confiança de João (que não era do SUS) lhe deu uma dica: se ele pagasse determinado valor ao hospital poderia ter direito de ficar no quarto (em vez do ambulatório) e poderia escolher o médico que iria lhe operar (mesmo que este profissional não fosse do SUS).
Para ter direito a esse "upgrade", bastaria que João pagasse a diferença entre o tratamento já pago pelo SUS e o que seria devido em caso de tratamento particular nas acomodações melhores. Ex: o SUS paga ao hospital R$ 1 mil reais por dia que o paciente fica no ambulatório. O hospital cobra R$ 1.500 por dia de paciente no quarto. Logo, João teria que pagar apenas essa diferença (R$ 500).

Qual é o nome dessa prática?
Pagamento pela "diferença de classe".

Isso é permitido? A chamada diferença de classes no SUS é compatível com a CF/88?
NÃO. É inconstitucional a possibilidade de um paciente do Sistema Único de Saúde (SUS) pagar para ter acomodações superiores ou ser atendido por médico de sua preferência, a chamada "diferença de classes".

O SUS é baseado nos seguintes princípios:
a) UNIVERSALIDADE: o sistema garante prestação dos serviços de saúde a toda e qualquer pessoa;
b) EQUIDADE: os serviços de saúde são prestados em todos os níveis que sejam necessários, de acordo com a complexidade que o caso venha a exigir, de forma isonômica, nas situações similares;
c) INTEGRALIDADE: deve ser reconhecido que cada indivíduo é considerado como um todo indivisível e integrante de uma comunidade, o que exige do Poder Público que as ações de promoção, proteção e recuperação da saúde formem, também, um todo indivisível, atendendo os casos e observando os diversos graus de complexidade de forma integral pelas unidades prestadoras de serviços de saúde.

Subverte a lógica do sistema que tem como uma dos princípios a equidade
Para o STF, admitir que um paciente internado pelo SUS tenha acesso a melhores condições de internação ou a médico de sua confiança mediante pagamento subverte totalmente a lógica do sistema, em especial a equidade. Não se pode conceber que um atendimento público de saúde que se pretenda igualitário compreenda, dentro de si, diversas possibilidades de atendimento de acordo com a capacidade econômico-financeira do paciente, sobretudo quando esse atendimento se encontra a cargo do Estado.

Risco de os serviços prestados pelo SUS piorarem como forma de forçar o pagamento extra pelos pacientes
Se fosse permitida a diferença de classes haveria o risco de os hospitais piorarem as condições das enfermarias e das estruturas hospitalares, de maneira a constranger os indivíduos a procurarem por condições mais dignas, ainda que pagas. Além disso, não se pode eliminar a possibilidade de ocorrer superdimensionamento dos preços das acomodações superiores, de forma a que os usuários do Sistema Único de Saúde arquem integralmente com os custos do tratamento. Em outras palavras, o pagamento dessa "diferença" seria tão alto que, na verdade, o paciente estaria pagando o tratamento todo e o hospital recebendo duas vezes (uma do SUS e outra dessa "diferença").

Atendimento personalidade e dividido em classes é permitido na rede privada de saúde
A Constituição Federal não proibiu o atendimento personalizado de saúde, mas este deve ser feito na rede privada. Assim, aquele que desejar contratar médicos e acomodações diferenciados, de acordo com sua vontade e posses deve recorrer à rede privada de saúde. Os atendimentos realizados pela rede pública devem ser igualitários.

Na rede do SUS, o indivíduo deve ser atendido por médico do SUS
Segundo entendeu o STF, permitir o acompanhamento por médico particular via Sistema Único de Saúde é injusto e desleal com os próprios profissionais da rede pública, que se submetem a concursos e todos os demais requisitos exigidos para ingresso em cargos ou empregos públicos. Em última análise é uma forma de burlar os requisitos para ingresso no serviço público.
Na rede do SUS, o indivíduo deve ser atendido por profissional do SUS. Ao internar-se pelo SUS, o indivíduo aceita todo o pacote, inclusive a assistência por profissional da rede pública. A chamada relação de confiança médico-paciente será construída com o profissional do SUS que acompanhará o paciente.

Existe uma portaria do Ministério da Saúde (Portaria 113/1997) que proíbe a diferença de classe. Este ato estava sendo questionado e o STF, em recurso extraordinário, submetido à repercussão geral, declarou que ele é constitucional, firmando a seguinte tese que vale de forma ampla para todos os casos envolvendo diferença de classe:
"É constitucional a regra que veda, no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS, a internação em acomodações superiores, bem como o atendimento diferenciado por médico do próprio SUS, ou por médico conveniado, mediante o pagamento da diferença dos valores correspondentes."
STF. Plenário. RE 581488/RS, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 3/12/2015 (repercussão geral) (Info 810).




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