Imagine a seguinte situação
hipotética:
O hospital particular “Boa Saúde”
é credenciado junto ao SUS para prestar atendimento gratuito à população em
geral. Em outras palavras, esse hospital recebe verbas do SUS para que uma
parte de seu atendimento seja destinada a todas as pessoas, independentemente
de pagamento.
João foi internado no hospital para
tratamento de saúde pelo SUS, ficando no ambulatório com outros pacientes. Como
foi internado pelo SUS, João não pagaria nada e o hospital receberia do governo
pelos serviços realizados.
Ocorre
que o médico de confiança de João (que não era do SUS) lhe deu uma dica: se ele
pagasse determinado valor ao hospital poderia ter direito de ficar no quarto
(em vez do ambulatório) e poderia escolher o médico que iria lhe operar (mesmo
que este profissional não fosse do SUS).
Para ter direito a esse
"upgrade", bastaria que João pagasse a diferença entre o tratamento
já pago pelo SUS e o que seria devido em caso de tratamento particular nas
acomodações melhores. Ex: o SUS paga ao hospital R$ 1 mil reais por dia que o
paciente fica no ambulatório. O hospital cobra R$ 1.500 por dia de paciente no
quarto. Logo, João teria que pagar apenas essa diferença (R$ 500).
Qual é o nome dessa prática?
Pagamento pela "diferença de
classe".
Isso é permitido? A chamada
diferença de classes no SUS é compatível com a CF/88?
NÃO.
É inconstitucional a possibilidade de um paciente do Sistema Único de Saúde
(SUS) pagar para ter acomodações superiores ou ser atendido por médico de sua
preferência, a chamada "diferença de classes".
O SUS é baseado nos seguintes
princípios:
a) UNIVERSALIDADE: o sistema
garante prestação dos serviços de saúde a toda e qualquer pessoa;
b) EQUIDADE: os serviços de saúde
são prestados em todos os níveis que sejam necessários, de acordo com a
complexidade que o caso venha a exigir, de forma isonômica, nas situações
similares;
c) INTEGRALIDADE: deve ser
reconhecido que cada indivíduo é considerado como um todo indivisível e
integrante de uma comunidade, o que exige do Poder Público que as ações de
promoção, proteção e recuperação da saúde formem, também, um todo indivisível,
atendendo os casos e observando os diversos graus de complexidade de forma
integral pelas unidades prestadoras de serviços de saúde.
Subverte a lógica do sistema que
tem como uma dos princípios a equidade
Para o STF, admitir que um
paciente internado pelo SUS tenha acesso a melhores condições de internação ou
a médico de sua confiança mediante pagamento subverte totalmente a lógica do
sistema, em especial a equidade. Não se pode conceber que um atendimento
público de saúde que se pretenda igualitário compreenda, dentro de si, diversas
possibilidades de atendimento de acordo com a capacidade econômico-financeira
do paciente, sobretudo quando esse atendimento se encontra a cargo do Estado.
Risco
de os serviços prestados pelo SUS piorarem como forma de forçar o pagamento
extra pelos pacientes
Se fosse permitida a diferença de
classes haveria o risco de os hospitais piorarem as condições das enfermarias e
das estruturas hospitalares, de maneira a constranger os indivíduos a
procurarem por condições mais dignas, ainda que pagas. Além disso, não se pode
eliminar a possibilidade de ocorrer superdimensionamento dos preços das
acomodações superiores, de forma a que os usuários do Sistema Único de Saúde
arquem integralmente com os custos do tratamento. Em outras palavras, o
pagamento dessa "diferença" seria tão alto que, na verdade, o
paciente estaria pagando o tratamento todo e o hospital recebendo duas vezes
(uma do SUS e outra dessa "diferença").
Atendimento personalidade e
dividido em classes é permitido na rede privada de saúde
A Constituição Federal não proibiu
o atendimento personalizado de saúde, mas este deve ser feito na rede privada. Assim,
aquele que desejar contratar médicos e acomodações diferenciados, de acordo com
sua vontade e posses deve recorrer à rede privada de saúde. Os atendimentos
realizados pela rede pública devem ser igualitários.
Na rede do SUS, o indivíduo deve
ser atendido por médico do SUS
Segundo entendeu o STF, permitir
o acompanhamento por médico particular via Sistema Único de Saúde é injusto e
desleal com os próprios profissionais da rede pública, que se submetem a
concursos e todos os demais requisitos exigidos para ingresso em cargos ou
empregos públicos. Em última análise é uma forma de burlar os requisitos para
ingresso no serviço público.
Na rede do SUS, o indivíduo deve
ser atendido por profissional do SUS. Ao internar-se pelo SUS, o indivíduo
aceita todo o pacote, inclusive a assistência por profissional da rede pública.
A chamada relação de confiança médico-paciente será construída com o
profissional do SUS que acompanhará o paciente.
Existe uma portaria do Ministério
da Saúde (Portaria 113/1997) que proíbe a diferença de classe. Este ato estava
sendo questionado e o STF, em recurso extraordinário, submetido à repercussão
geral, declarou que ele é constitucional, firmando a seguinte tese que vale de
forma ampla para todos os casos envolvendo diferença de classe:
"É constitucional a regra que veda, no
âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS, a internação em acomodações superiores,
bem como o atendimento diferenciado por médico do próprio SUS, ou por médico
conveniado, mediante o pagamento da diferença dos valores
correspondentes."
STF. Plenário.
RE 581488/RS, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 3/12/2015 (repercussão geral)
(Info 810).