Imagine a seguinte situação
hipotética:
A União possui um contrato com a
empresa privada "XXX Vigilância Ltda".
Por meio deste contrato, a
empresa, com seus funcionários, obrigou-se a fazer a vigilância armada do
prédio onde funciona o órgão público federal, recebendo, em contraprestação, R$
200 mil mensais.
Desse modo, a União terceirizou
os serviços de vigilância, algo extremamente comum na administração pública
federal, sendo, inclusive, uma recomendação expressa no Decreto nº 2.271/97:
Art. 1º No âmbito da
Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional poderão ser
objeto de execução indireta as atividades materiais acessórias, instrumentais
ou complementares aos assuntos que constituem área de competência legal do
órgão ou entidade.
§ 1º As atividades de conservação, limpeza, segurança, vigilância,
transportes, informática, copeiragem, recepção, reprografia, telecomunicações e
manutenção de prédios, equipamentos e instalações serão, de
preferência, objeto de execução indireta.
Trata-se, portanto, de hipótese
de "terceirização lícita".
Ocorre que a empresa
"XXX", por estar enfrentando dificuldades financeiras, passou a não
mais pagar os salários e demais verbas trabalhistas de seus funcionários.
Diante da inadimplência da
empresa contratada perante seus funcionários, a responsabilidade pelo pagamento
dos salários e demais verbas trabalhistas é transferida automaticamente para a
União (contratante dos serviços)?
NÃO. A situação atualmente é a
seguinte:
• EM REGRA, a inadimplência do contratado,
com referência aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à
Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento (art. 71, § 1º, da
Lei nº 8.666/93). Esse dispositivo foi declarado constitucional pelo STF na ADC
16 (DJe 9/9/2011).
• EXCEÇÃO: a Administração
Pública terá responsabilidade subsidiária se ficar demonstrada a sua culpa
"in vigilando", ou seja, somente será responsabilidade se ficar
comprovado que o Poder Público deixou de fiscalizar se a empresa estava cumprindo
pontualmente suas obrigações trabalhistas, fiscais e comerciais.
Assim, a Administração Pública
tem o dever de fiscalizar se a empresa contratada (prestadora dos serviços)
está cumprindo fielmente seus encargos trabalhistas, fiscais e comerciais.
• Se houve fiscalização, não
haverá responsabilidade subsidiária do Poder Público em caso de inadimplemento.
• Se não houve fiscalização, o
Poder Público deverá responder subsidiariamente pelas dívidas deixadas pela
empresa, considerando que houve culpa "in vigilando".
Sobre o tema:
(...) Na sessão do dia 24
de novembro de 2010, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADC
16, afirmou a constitucionalidade do § 1º do art. 71 da Lei 8.666/1993. (...)
No entanto, ao declarar a constitucionalidade do referido § 1º do art.
71 da Lei 8.666/1993, a Corte consignou que se, na análise do caso concreto,
ficar configurada a culpa da Administração em fiscalizar a execução do contrato
firmado com a empresa contratada, estará presente sua responsabilidade
subsidiária pelos débitos trabalhistas não adimplidos. Em outras palavras,
vedou-se, apenas, a transferência automática ou a responsabilidade objetiva da
Administração Pública por essas obrigações. (...)
(STF. Decisão Monocrática.
Rcl 12925, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgado em 21/11/2012)
No âmbito da Justiça do Trabalho,
existe um enunciado do TST que espelha esse entendimento:
Súmula 331-TST: CONTRATO
DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE
(...)
IV - O inadimplemento das
obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade
subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja
participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.
V - Os entes integrantes
da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas
mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa
no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na
fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora
de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de
mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa
regularmente contratada.
VI - A responsabilidade
subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da
condenação referentes ao período da prestação laboral.
A fim de evitar a sua condenação subsidiária,
a Administração Pública tem exigido que as empresas contratantes apresentem, mensalmente,
comprovação de que estão cumprindo seus encargos, especialmente os trabalhistas
e fiscais.
Voltando
ao exemplo hipotético. A União, percebendo que a empresa estava atrasando os salários
e com receio de ser condenada por responsabilidade subsidiária, decidiu suspender
o pagamento da contraprestação mensal devida e ajuizar ação de consignação em pagamento
a fim de depositar em juízo os R$ 200 mil previstos no contrato. Surgiu, no entanto,
uma dúvida: onde deverá ser proposta essa ação, na Justiça Federal comum ou na Justiça
do Trabalho?
Justiça do Trabalho. A Justiça do Trabalho
é competente para processar e julgar ação de consignação em pagamento movida
pela União contra sociedade empresária por ela contratada para a prestação de
serviços terceirizados, caso a demanda tenha sido proposta com o intuito de
evitar futura responsabilização trabalhista subsidiária da Administração nos
termos da Súmula 331 do TST.
A partir da análise do pedido e pela causa
de pedir deduzidos, verifica-se que a
lide tem natureza predominantemente trabalhista. Ademais, deve-se destacar que
a EC 45/2004 ampliou a competência da Justiça do Trabalho, tornando
incontroversa a competência desta para, nos termos do art. 114, IX, da CF,
conhecer e julgar "outras controvérsias decorrentes da relação de
trabalho", como a aqui analisada.
Além disso, nessa hipótese, a Justiça do
Trabalho é quem terá melhores condições de apreciar as alegações da autora, bem
como de extrair e controlar suas consequências jurídicas.
STJ. 2ª Seção.
CC 136.739-RS, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 23/9/2015 (Info 571).