quinta-feira, 19 de novembro de 2015
Se a vítima, após a condenação transitada em julgado, volta atrás e afirma que o condenado não foi o autor do crime, o que poderá ser feito?
quinta-feira, 19 de novembro de 2015
Imagine a seguinte situação
hipotética:
João foi condenado por ter,
supostamente, praticado estupro contra Maria, fato ocorrido à noite e em um
local escuro.
Na instrução processual, a vítima
testemunhou contra o réu.
A sentença transitou em julgado.
Alguns meses depois, Maria
recordou de alguns detalhes do dia do crime que havia esquecido por conta do
trauma, e passou a ter certeza de que João não foi o autor do estupro. Isso
porque ela recordou que o criminoso possuía uma tatuagem no braço esquerdo e
uma cicatriz no rosto, sinais que João não apresentava.
Desesperada, Maria procurou o
advogado de João relatando o fato e este a levou até um cartório de tabelionato
de notas, onde foi lavrada uma escritura pública na qual a vítima declarou que ela
agora tinha certeza que o condenado não foi o autor do crime.
Diante do exposto, indaga-se: mesmo
tendo havido o trânsito em julgado, será possível tomar alguma providência em favor
do condenado?
SIM. Será possível, em tese, propor
uma revisão criminal em favor de João.
O que é revisão criminal e em quais
hipóteses ela poderá ser proposta?
Revisão criminal é...
uma ação autônoma de
impugnação
de competência originária dos
Tribunais (ou da Turma Recursal no caso dos Juizados)
por meio da qual a pessoa
condenada requer ao Tribunal
que reveja a decisão que a
condenou (e que já transitou em julgado)
sob o argumento de que
ocorreu erro judiciário.
Art. 621. A revisão dos
processos findos será admitida:
I - quando a sentença
condenatória for contrária ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos
autos;
II - quando a sentença
condenatória se fundar em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente
falsos;
III - quando, após a sentença,
se descobrirem novas provas de inocência do condenado ou de circunstância que
determine ou autorize diminuição especial da pena.
No exemplo dado acima, a situação
se enquadra na hipótese descrita no inciso III. Isso porque a retratação da vítima
é considerada uma prova substancialmente nova da inocência do condenado.
João,
por intermédio de seu advogado, poderá ajuizar a revisão criminal com base na declaração
da vítima lavrada por meio de escritura pública? Essa revisão criminal teria êxito?
NÃO. A via
adequada para nova tomada de declarações da vítima com vistas à possibilidade
de sua retratação é o pedido de justificação (art. 861 do CPC 1973 / art. 381, §
5º do CPC 2015), ainda que ela já tenha se retratado por escritura pública.
STJ. 6ª Turma.
RHC 58.442-SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 25/8/2015 (Info
569).
Assim, se o réu ajuizar direto a revisão
criminal com base apenas na escritura pública, esta não terá êxito.
Segundo a doutrina e a jurisprudência,
a justificação é o único meio que se presta para concretizar essa nova prova a
fim de instruir pedido de revisão criminal.
A declaração da vítima, ainda que
firmada em cartório, é considerada como uma prova produzida unilateralmente pela
defesa e, portanto, não serve para fundamentar o pedido de revisão criminal.
Tal prova só é válida se,
necessariamente, for produzida na justificação judicial com as cautelas legais.
Dessa forma, antes de propor a revisão
criminal, o réu deverá, por intermédio de seu advogado, propor um processo de justificação,
nos termos do art. 861 do CPC 1973 (art. 381, § 5º do CPC 2015), no qual a vítima
será ouvida perante o juiz, registrando tudo o que ela disser.
Após o processo de justificação, será
possível propor a revisão criminal.
Qual é o procedimento aplicável a
esse processo de justificação? Quem julga? O juízo cível?
NÃO. O processo de justificação possui
natureza jurídica de medida cautelar preparatória, devendo ser proposta e processada
perante o juízo criminal de 1ª instância. Assim, o condenado deverá ajuizar a ação
de justificação na vara criminal.
O CPP não traz nenhuma regra sobre
o processo de justificação, razão pela qual deve-se aplicar, por analogia (art.
3º do CPP), o procedimento previsto no CPC.
No CPC 1973, o procedimento estava
delineado nos arts. 861 a 866. No CPC 2015, o tema está tratado nos arts. 381 a
383.