domingo, 22 de novembro de 2015
Se a parte recebe benefício previdenciário por força de decisão judicial, mas esta é posteriormente revertida, deverá devolver os valores percebidos?
domingo, 22 de novembro de 2015
SITUAÇÃO 1:
DEVOLUÇÃO DOS BENEFÍCIOS
PREVIDENCIÁRIOS RECEBIDOS POR FORÇA DE TUTELA ANTECIPADA REVOGADA
Imagine a seguinte situação:
João propõe ação contra o INSS pedindo
a concessão de auxílio-doença, alegando que possui uma incapacidade total e temporária
para o exercício de suas funções.
O autor junta atestado médico comprovando
a incapacidade.
O juiz concede a tutela antecipada,
determinando que o INSS fique pagando mensalmente o auxílio-doença até que a
sentença seja proferida.
É realizada perícia médica judicial. O
médico-perito discorda do resultado do atestado médico apresentado pelo autor e
afirma que João tem sim condições de trabalhar.
Diante do laudo, o juiz sentencia a
demanda, revogando a tutela antecipada anteriormente concedida e julgando
improcedente o pedido.
Ocorre que João recebeu 10 meses de
auxílio-doença por força da tutela antecipada.
Indaga-se: o autor terá que devolver a
quantia recebida?
Posição do STJ e da TNU:
SIM
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Alguns julgados do
STF:
NÃO
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A reforma da decisão que
antecipa a tutela obriga o autor da ação a devolver os benefícios
previdenciários indevidamente recebidos.
Argumentos:
• O pressuposto básico do
instituto da antecipação de tutela é a reversibilidade da decisão judicial.
Havendo perigo de irreversibilidade, não há tutela antecipada (art. 273, § 2º
do CPC 1973 / art. 300, § 3º do CPC 2015). Por isso, quando o juiz antecipa a
tutela, está anunciando que a decisão não é irreversível. Mal sucedida a
demanda, o autor da ação responde pelo que recebeu indevidamente. O argumento
de que ele confiou no juiz ignora o
fato de que a parte, no processo, está representada por advogado, o qual sabe
que a antecipação de tutela tem natureza precária.
• Se a pessoa não tinha
direito ao benefício, deverá devolver o valor, sob penal de enriquecimento
sem causa.
• O art. 115, II, da Lei nº
8.213/91 prevê que os benefícios previdenciários pagos indevidamente estão
sujeitos à repetição.
STJ. 1ª Seção. REsp 1.401.560-MT,
Rel. Min. Sérgio Kukina, Rel. para acórdão Min. Ari Pargendler, julgado em
12/2/2014 (Info 570).
Para aprofundar nos
argumentos em favor dessa tese, veja o Info Esquematizado 524-STJ.
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Há
precedentes do STF neste sentido:
(...) A
jurisprudência do STF já assentou que o benefício previdenciário recebido de
boa-fé pelo segurado, em decorrência de decisão judicial, não está sujeito à
repetição de indébito, em razão de seu caráter alimentar. Precedentes. 2.
Decisão judicial que reconhece a impossibilidade de descontos dos valores
indevidamente recebidos pelo segurado não implica declaração de
inconstitucionalidade do art. 115 da Lei nº 8.213/1991. (...) (STF. 1ª Turma.
ARE 734242 AgR, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 04/08/2015.
Vale
ressaltar, por outro lado, que existem outros julgados do STF afirmando que
não cabe à Corte analisar o tema, sob o argumento de que a matéria seria de
natureza infraconstitucional: RE 798793 AgR, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em
10/02/2015.
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Obs: em provas objetivas, atentar para o
enunciado da questão para verificar se ele fala em STF ou STJ. No entanto, se não
mencionar nada, marque o entendimento do STJ (deve devolver). Isso porque no STF
o tema ainda não está consolidado enquanto que no STJ já existe até precedente em
recurso especial repetitivo.
SITUAÇÃO 2:
VALORES RECEBIDOS POR SENTENÇA POSTERIORMENTE
REFORMADA EM 2ª INSTÂNCIA
Imagine a seguinte situação:
Pedro propõe ação contra o INSS pedindo
a concessão de aposentadoria.
O juiz concede a tutela antecipada ao
autor. A sentença julga o pedido procedente e confirma a tutela.
O INSS recorre ao TRF, que reforma a
sentença e revoga a concessão do benefício.
Ocorre que Pedro já havia recebido
vários meses de benefício previdenciário.
Obs.: o processo tramitou em uma vara e
o recurso foi para o TRF (e não para a Turma Recursal) porque, em nosso
exemplo, o valor pedido era superior a 60 salários-mínimos, ou seja, estava
fora da competência do Juizado Especial.
Pedro terá que devolver a quantia recebida?
SIM. Aplica-se o mesmo raciocínio acima
(situação 1).
O beneficiário era titular de um direito
precário e, como tal, não podia considerar que aquelas quantias já estavam
incorporadas em seu patrimônio de forma irreversível.
Em outras palavras, o autor da ação
deveria saber que estava recebendo aquela verba a título provisório e que ela
poderia ser retirada de seu patrimônio caso a sentença fosse reformada.
O fato de o autor já ter sido vencedor
em 1ª instância não lhe garantia a segurança necessária porque em 2ª instância
a devolutividade do recurso é ampla, podendo ser reexaminadas livremente as
provas produzidas no processo (laudos periciais, documentos médicos etc.).
SITUAÇÃO 3:
VALORES RECEBIDOS POR SENTENÇA MANTIDA
EM 2ª INSTÂNCIA E REFORMADA EM RESP
A situação agora é a seguinte:
Ricardo propõe ação contra o INSS
pedindo a concessão de aposentadoria.
O juiz concede a tutela antecipada ao
autor. A sentença julga o pedido procedente e confirma a tutela.
O INSS recorre ao TRF, que, no entanto,
nega o recurso e mantém a sentença.
Contra o acórdão do TRF, a autarquia
previdenciária interpõe recurso especial.
O STJ reforma o acórdão e revoga o
benefício concedido.
Ricardo terá que devolver a quantia recebida?
NÃO. Segundo decidiu o STJ, não está
sujeito à repetição (devolução, restituição) o valor do benefício
previdenciário recebido por força de sentença que foi confirmada em 2ª
instância e, posteriormente, veio a ser reformada no julgamento do recurso
especial.
Essa “dupla conformidade” entre a
sentença e o acórdão de 2ª instância cria no vencedor a legítima expectativa de
que é titular do direito, caracterizando a sua boa-fé.
STJ. Corte Especial. EREsp
1.086.154-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 20/11/2013 (Info 536).
A situação aqui é diferente dos casos
anteriores. Isso porque o autor recebe o benefício por força de decisão proferida,
em cognição exauriente, pelo Juiz de 1º grau (sentença), a qual foi confirmada
em 2ª instância. Existe, portanto, um duplo conforme (ou dupla conformidade) entre a sentença e o acórdão. Isso gera a estabilização da decisão de primeira instância.
Nessa hipótese, o INSS, que sucumbiu,
só tem a possibilidade de interpor RE ou REsp, que são recursos de natureza
extraordinária, de fundamentação vinculada, e nos quais é vedado o reexame de
fatos e provas, além de, em regra, não possuírem efeito suspensivo.
Logo, a dupla conformidade limita a
possibilidade de recurso do vencido, tornando estável a relação jurídica
submetida a julgamento, sendo, por isso, passível de execução provisória. Além
disso, cria no vencedor a legítima expectativa de que é titular do direito
reconhecido na sentença e confirmado pelo tribunal de 2ª instância. Essa
expectativa legítima de titularidade do direito, advinda de ordem judicial com
força definitiva, é suficiente para caracterizar a boa-fé exigida de quem
recebe a verba de natureza alimentar posteriormente cassada, porque, no mínimo,
confia — e, de fato, deve confiar — no acerto do duplo julgamento.
Assim, na presente situação, se fosse
determinada a restituição de tudo o que foi recebido pelo autor, haveria uma
violação ao princípio da dignidade da pessoa humana, além de se abalar a
confiança que os jurisdicionados possuem nas decisões judiciais.
(STJ. Corte Especial. EREsp
1.086.154-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 20/11/2013.)
Situação 4: valores recebidos por sentença
transitada em julgado
Sebastião propõe ação contra o INSS
pedindo a concessão de aposentadoria.
O juiz julga procedente o pedido.
A autarquia previdenciária recorre ao
TRF, que, no entanto, nega o recurso e mantém a sentença.
Ocorre o trânsito em julgado.
Diante desse cenário, o INSS ajuíza uma
ação rescisória, que é julgada procedente, sendo revogada a aposentadoria
concedida.
Sucede que o autor recebeu durante
vários anos o benefício previdenciário.
Sebastião terá que devolver a quantia
recebida?
NÃO. Os valores que foram pagos pelo
INSS aos segurados por força de decisão judicial transitada em julgado, a qual,
posteriormente, vem a ser rescindida, não são passíveis de devolução, ante o
caráter alimentar dessa verba e pelo fato de que o segurado recebeu e gastou
tais quantias de boa-fé. (AR 3.926/RS, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze,
Terceira Seção, julgado em 11/09/2013).
Se a decisão já havia transitado em
julgado, a fruição do que foi recebido indevidamente está acobertada pela
boa-fé, considerando que o segurado poderia supor, de forma legítima, que os
valores integraram em definitivo o patrimônio do beneficiário e que não mais
iriam ser questionados (AgRg no REsp 126480/CE).
QUADRO COMPARATIVO:
Segurado recebe o benefício por força de...
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Devolverá os valores?
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1ª) tutela antecipada, que é,
posteriormente, revogada na sentença.
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STJ e TNU:
SIM
STF: NÃO
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2ª) sentença, que é,
posteriormente, reformada em 2ª instância.
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SIM
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3ª) sentença, mantida em 2ª
instância, sendo, no entanto, reformada em Resp.
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NÃO
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4ª) sentença transitada em
julgado, que posteriormente, é reformada em AR.
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NÃO
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Observação quanto à situação 1:
Em provas objetivas, atentar para o enunciado
da questão para verificar se ele fala em STF ou STJ. No entanto, se não mencionar
nada, marque o entendimento do STJ (deve devolver). Isso porque no STF o tema ainda
não está consolidado enquanto que no STJ já existe até precedente em recurso especial
repetitivo.