Dizer o Direito

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Principais aspectos jurídicos envolvendo a prisão do Senador Delcídio do Amaral


No dia de ontem (25/11), o grande acontecimento que dominou os noticiários e parou o país foi a prisão do Senador Delcídio do Amaral (PT/MS) decretada pelo Supremo Tribunal Federal.

Resumo dos fatos
O Min. do STF Teori Zavascki ordenou a prisão do Senador Delcídio do Amaral e de mais três pessoas: o advogado Edson Ribeiro, o banqueiro André Esteves, e o chefe de gabinete do parlamentar, Diogo Ferreira.

O que eles fizeram, segundo o Ministério Público?
O Senador, em conjunto com os demais investigados, estariam tentando convencer o ex-diretor Internacional da Petrobrás, Nestor Cerveró (um dos réus na Lava Jato), a não assinar acordo de colaboração premiada com o Ministério Público Federal. Isso porque Cerveró iria delatar crimes que teriam sido praticados por Delcídio e Esteves.
Em troca de seu silêncio, o Senador e o banqueiro teriam oferecido o pagamento de uma quantia mensal em dinheiro à família de Cerveró.
Além disso, o Senador teria também prometido fazer lobby junto aos Ministros do STF para que estes concedessem liberdade a Cerveró e, em seguida, com o réu solto, o parlamentar iria facilitar a fuga do ex-diretor da Petrobras para a Espanha, país do qual também tem cidadania.
Foram realizadas pelo menos quatro reuniões para tratar sobre a proposta e o plano de fuga. Nestas reuniões participavam, além do Senador, o assessor parlamentar, o advogado de Nestor Cerveró e seu filho (Bernardo Cerveró).
Ocorre que Nestor Cerveró já estava decidido a fazer o acordo de colaboração premiada e não confiava na proposta do Senador. Por isso, seu filho (Bernardo Cerveró) gravou as conversas e as propostas que foram feitas e as entregou ao Ministério Público.
Bernardo entregou também vídeos, conversas trocadas por e-mail e por whatsapp.

Vamos aqui abordar alguns aspectos jurídicos do tema. Vale ressaltar que o objetivo desta abordagem não é fazer uma análise crítica sobre a posição do STF, afirmando se ela está correta ou não, mas apenas explicar o que foi decidido.

1) O Deputado Federal ou Senador pode ser preso antes da condenação definitiva?
• Regra: NÃO. Como regra, os membros do Congresso Nacional não podem ser presos antes da condenação definitiva.
• Exceção: poderão ser presos caso estejam em flagrante delito de um crime inafiançável.

Isso está previsto no art. 53, § 2º da CF/88:
Art. 53 (...) § 2º Desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. Nesse caso, os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão.

Pela redação literal do art. 53, § 2º da CF/88, o Deputado Estadual, o Deputado Federal e o Senador somente poderão ser presos, antes da condenação definitiva, em uma única hipótese: em caso de flagrante delito de crime inafiançável. Isso significa que, pela literalidade do dispositivo constitucional, tais parlamentares não podem ter contra si uma ordem de prisão preventiva.

Trata-se da imunidade formal em relação à prisão, também chamada de “incoercibilidade pessoal relativa” (freedom from arrest).
As imunidades parlamentares são prerrogativas conferidas pela CF/88 aos parlamentares para que eles possam exercer seu mandato com liberdade e independência.
Vale ressaltar (isso será importante mais a frente) que a imunidade prevista no art. 53, § 2º da CF/88 aplica-se não apenas para Deputados Federais e Senadores, mas também para os Deputados Estaduais. Isso porque os Deputados Estaduais possuem as mesmas imunidades que os parlamentares federais por força do art. 27, § 1º da CF/88.


2) O Deputado Federal ou Senador pode ser preso se for condenado em processo criminal com trânsito em julgado?
SIM. O § 2º do art. 53 da CF/88 veda apenas a prisão penal cautelar (provisória) do parlamentar, ou seja, não proíbe a prisão decorrente da sentença transitada em julgado, como no caso de Deputado Federal condenado definitivamente pelo STF.
STF. Plenário. AP 396 QO/RO, AP 396 ED-ED/RO, rel. Min. Cármen Lúcia, 26/6/2013 (Info 712).

REGRA: Deputados Federais e Senadores não poderão ser presos.
Exceção 1:
Poderão ser presos em flagrante de crime inafiançável.
Exceção 2:
O Deputado ou Senador condenado por sentença judicial transitada pode ser preso para cumprir pena.
Trata-se de exceção prevista expressamente na CF/88.

Trata-se de exceção construída pela jurisprudência do STF.
Obs: os autos do flagrante serão remetidos, em até 24h, à Câmara ou ao Senado, para que se decida, pelo voto aberto da maioria de seus membros, pela manutenção ou não da prisão do parlamentar.
Obs: o parlamentar condenado por sentença transitada em julgado será preso mesmo que não perca o mandato. Poderíamos ter por exemplo, em tese, a esdrúxula situação de um Deputado condenado ao regime semiaberto que, durante o dia vai até o Congresso Nacional trabalhar e, durante a noite, fica recolhido no presídio.

Obs: existe divergência na doutrina sobre a possibilidade de o Deputado ou Senador ser preso por conta de atraso no pagamento da pensão alimentícia (prisão civil). Admitem: Uadi Bulos e Marcelo Novelino. Não admitem: Pedro Lenza e Bernardo Fernandes. Não há precedente do STF sobre o tema.
Em suma, pode-se dizer que o § 2º do art. 53 da CF/88 veda apenas a prisão penal cautelar (provisória) do parlamentar, ou seja, não proíbe a prisão decorrente da sentença transitada em julgado, como foi a hipótese do ex-Deputado Federal Natan Donadon condenado pelo STF na AP 396/RO.
No caso do Senador Delcídio, ele ainda nem foi formalmente denunciado. Dessa forma, não estamos falando em condenação definitiva.

3) Quais os crimes teriam sido praticados pelo Senador e demais envolvidos?
Segundo o Ministério Público, o Senador e as demais pessoas teriam praticado, no mínimo, dois crimes:
• integrar organização criminosa (art. 2º, caput, da Lei nº 12.850/2013);
• embaraçar investigação envolvendo organização criminosa (art. 2º, § 1º da Lei nº 12.850/2013).

Art. 2º Promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa:
Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa, sem prejuízo das penas correspondentes às demais infrações penais praticadas.

§ 1º Nas mesmas penas incorre quem impede ou, de qualquer forma, embaraça a investigação de infração penal que envolva organização criminosa.

Crime do caput do art. 2º: as declarações de Cerveró e os indícios presentes nos autos comprovariam que o Senador Delcídio faria parte da organização criminosa investigada na operação "Lava Jato" e que teria sido beneficiado em esquemas envolvendo contratos da Petrobrás.

Crime do § 1º do art. 2º: o Senador, ao tentar convencer Cerveró a não assinar o acordo de colaboração premiada e planejar a sua fuga para a Espanha, estava embaraçando as investigações dos crimes apurados na operação Lava Jato e que envolvem organização criminosa. Embaraçar significa dificultar, atrapalhar.

4) Mas o Senador estava em flagrante delito?
Para o STF, sim. O STF entendeu que as condutas do Senador configurariam crime permanente, considerando que ele, até antes de ser preso, integrava pessoalmente a organização criminosa (art. 2º, caput) e, além disso, estaria, há dias, embaraçando a investigação da Lava Jato (art. 2º, § 1º). Desse modo, ele estaria por todos esses dias cometendo os dois crimes acima, em estado, portanto, de flagrância.

Na doutrina, Rogério Sanches Cunha e Ronaldo Batista Pinto consideram que o delito do art. 2º, caput, da Lei nº 12.850/2013, um dos imputados ao Senador Delcídio, é sim crime permanente. Confira:
"(...) Infração permanente, a sua consumação se protrai enquanto não cessada a permanência. Isso significa que o agente pode ser preso em flagrante delito enquanto não desfeita (ou abandonar) a associação (art. 303 do CPP);" (Crime Organizado. Comentários à nova lei sobre o Crime Organizado - Lei nº 12.850/2013. Salvador : Juspodivm, 2013, p. 18).

5) Os crimes supostamente praticados pelo Senador (art. 2º, caput e § 1º da Lei nº 12.850/2013) são inafiançáveis?
O STF entendeu que sim. Sobre esse ponto, é importante explicar o tema com calma.

O art. 5º, incisos XLII, XLIII e XLIV e o art. 323 do CPP preveem a lista de crimes inafiançáveis:
a) Racismo;
b) Tortura;
c) Tráfico de drogas;
d) Terrorismo;
e) Crimes hediondos;
f) Crimes cometidos por ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático.

Assim, a lista acima é composta por crimes que são absolutamente inafiançáveis. Nunca poderá ser concedida fiança para eles. São inafiançáveis por natureza.

O art. 324 do CPP, por sua vez, traz situações nas quais não se poderá conceder fiança. Veja a redação do dispositivo, em especial o inciso IV:
Art. 324. Não será, igualmente, concedida fiança:
I - aos que, no mesmo processo, tiverem quebrado fiança anteriormente concedida ou infringido, sem motivo justo, qualquer das obrigações a que se referem os arts. 327 e 328 deste Código;
II - em caso de prisão civil ou militar;
III - (Revogado pela Lei nº 12.403/2011).
IV - quando presentes os motivos que autorizam a decretação da prisão preventiva (art. 312).

Desse modo, segundo esse inciso IV, não será concedida fiança se estiverem presentes os motivos que autorizam a decretação da prisão preventiva (garantia da ordem pública, da ordem econômica, conveniência da instrução criminal, ou necessidade de se assegurar a aplicação da lei penal).

O inciso IV prevê, portanto, situação em que a pessoa praticou um crime que, mesmo não estando na lista do art. 323 (absolutamente inafiançáveis), não poderá receber fiança por circunstâncias específicas verificadas no curso do processo.

A partir desse dispositivo, o STF construiu a seguinte tese: os crimes do art. 2º, caput e do § 1º da Lei nº 12.850/2013 que, em tese, foram praticados pelo Senador, não são, a princípio, inafiançáveis considerando que não se encontram listados no art. 323  do CPP. Não se tratam, portanto, de crimes absolutamente inafiançáveis. No entanto, como, no caso concreto, estão presentes os motivos que autorizam a decretação da prisão preventiva (tentativa de calar o depoimento de colaborador, tentativa de influenciar os julgadores e planejamento de fuga), estamos diante de uma situação que não admite fiança, com base no art. 324, IV, do CPP.

Em suma, os crimes do art. 2º, caput e do § 1º da Lei nº 12.850/2013 praticados pelo Senador são inafiançáveis, no caso concreto, não por força do art. 323 do CPP, mas sim com fundamento no art. 324, IV.

O STF criou a seguinte tese: se, no caso concreto, estiverem presentes os pressupostos para a decretação da prisão preventiva, o crime será considerado inafiançável (art. 324, IV, do CPP) mesmo que não esteja listado no art. 323 do CPP.

6) Como vimos acima, o STF reconheceu que o parlamentar estava em situação de flagrância. No entanto, vale ressaltar que o pedido do MP no presente caso foi de prisão PREVENTIVA. O Procurador Geral da República, ao fundamentar seu pedido no STF, requereu a prisão PREVENTIVA do Senador Delcídio do Amaral afirmando que o art. 53, § 2º da CF/88 não poderia ser tido como absoluto. Diante disso, indaga-se: essa tese do MP foi acolhida pelo STF? É possível prisão preventiva de Deputado Federal ou Senador?
NÃO. Não é possível a prisão preventiva de Deputado Estadual, Deputado Federal ou Senador porque a única prisão cautelar que o art. 53, § 2º da CF/88 admite é a prisão em flagrante de crime inafiançável. O Ministro Teori Zavascki não decretou a prisão preventiva do Senador Delcídio do Amaral. Digo isso não apenas com base na argumentação por ele utilizada, mas também pela forma como escreveu o comando da decisão. Vejamos:

Comando da decisão de prisão do advogado
Comando da decisão de prisão do Senador
"Ante o exposto, observadas as especificações apontadas, (a) decreto a prisão preventiva de Edson Ribeiro, qualificado nos autos, a teor dos arts. 311 e seguintes do Código de Processo Penal; (b) decreto a prisão temporária de André Esteves e Diogo Ferreira, também qualificados nos autos, nos termos do art. 1º, I e III, da Lei 7.960/1989."
"Ante o exposto, presentes situação de flagrância e os requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal, decreto a prisão cautelar do Senador Delcídio do Amaral, observadas as especificações apontadas e ad referendum  da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal."


7) Se era caso de prisão em flagrante, por que o Ministério Público formulou um requerimento de prisão ao STF? A prisão em flagrante não precisa de pedido...
Realmente. A prisão em flagrante não se pede ao Poder Judiciário. Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito (art. 301 do CPP). Não é necessária ordem judicial para tanto. No entanto, no caso concreto, o Procurador Geral da República não requereu ao STF a prisão em flagrante do Senador Delcídio, mas sim a sua prisão preventiva. Veja o trecho final do pedido:
"O Procurador-Geral da República requer a prisão preventiva de Delcídio Amaral e Edson de Siqueira Ribeiro Filho e a prisão temporária de André Santos Esteves e Diogo Ferreira Rodrigues.
Caso se entenda descabida a prisão preventiva de congressista, em razão de vedação constitucional, o Procurador-Geral da República requer a imposição cumulativa das seguintes medidas cautelares a Delcídio Amaral: (...)"

O STF, porém, não concordou em decretar a prisão preventiva, mas reconheceu que o Senador estava em situação de flagrância, razão pela qual ordenou o cumprimento da prisão.


8) Sendo prisão em flagrante, o STF precisaria ter expedido mandados de prisão contra o Senador?
Tecnicamente, não. Como já dito, a prisão em flagrante não precisa de ordem judicial para ser cumprida. Entretanto, no caso concreto, o STF foi provocado e precisava decidir se seria hipótese mesmo de prisão preventiva ou não. Além disso, havia a prisão preventiva de Edson Ribeiro e as prisões temporárias de André Esteves e Diogo Ferreira que precisavam ser cumpridas simultaneamente a fim de que não houvesse risco de fuga ou de destruição de provas por parte de qualquer dos investigados.
Por essas razões, o Ministro houve por bem expedir um mandado de prisão cautelar (gênero do qual a prisão em flagrante é uma espécie). Não há qualquer irregularidade nisso já que se trata de uma formalidade adicional em prol do investigado. A outra opção seria o Ministro na decisão afirmar: qualquer do povo está autorizado a prender o Senador.
Vale destacar que não é porque foi expedido um mandado de prisão que a custódia, no caso concreto, deixou de ser prisão em flagrante e passou a ser preventiva. A diferença entre essas duas espécies de custódia não se prende ao instrumento por meio do qual ela é formalizada.

9) Na chamada "Operação Dominó", deflagrada em 2006, no Estado de Rondônia, envolvendo supostos desvios praticados por Deputados Estaduais, o STJ e o STF autorizaram a prisão preventiva dos Deputados envolvidos?
NÃO. Nesta "Operação Dominó" o STJ, em situação parecida com a exposta acima, reconheceu que os Deputados Estaduais estavam em situação de flagrância pela prática do então existente crime de quadrilha (art. 288 do CP). Não foram decretadas, portanto, prisões preventivas.
Na "Operação Dominó", houve, contudo, uma relativização do art. 53, § 2º da CF/88. Essa relativização, contudo, não foi quanto à possibilidade de prisão preventiva. Isso não foi relativizado. O que o STJ e o STF decidiram foi que, naquele caso concreto, não se deveria remeter a prisão para ser analisada pela Casa (Assembleia Legislativa) em 24 horas. Entendeu-se que, pelo fato de 23 dos 24 Deputados estarem envolvidos supostamente no esquema criminosa, a ALE não teria condições de analisar a manutenção da prisão. Veja trecho da ementa:
(...) 2. Os elementos contidos nos autos impõem interpretação que considere mais que a regra proibitiva da prisão de parlamentar, isoladamente, como previsto no art. 53, § 2º, da Constituição da República. Há de se buscar interpretação que conduza à aplicação efetiva e eficaz do sistema constitucional como um todo. A norma constitucional que cuida da imunidade parlamentar e da proibição de prisão do membro de órgão legislativo não pode ser tomada em sua literalidade, menos ainda como regra isolada do sistema constitucional. Os princípios determinam a interpretação e aplicação corretas da norma, sempre se considerando os fins a que ela se destina. A Assembléia Legislativa do Estado de Rondônia, composta de vinte e quatro deputados, dos quais, vinte e três estão indiciados em diversos inquéritos, afirma situação excepcional e, por isso, não se há de aplicar a regra constitucional do art. 53, § 2º, da Constituição da República, de forma isolada e insujeita aos princípios fundamentais do sistema jurídico vigente. 3. Habeas corpus cuja ordem se denega.
(STF. 1ª Turma. HC 89417, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 22/08/2006)


10) A gravação da conversa feita por Bernardo Cerveró pode ser considerada como prova lícita?
SIM. Trata-se de entendimento pacífico do STF:
(...) É lícita a prova consistente em gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem conhecimento do outro." (STF. Plenário. RE 583937 QO-RG, Min. Rel. Cezar Peluso, julgado em 19/11/2009 - repercussão geral)

Assim, se “A” e “B” estão conversando, “A” pode gravar essa conversa mesmo que “B” não saiba. Para o STF, a gravação de conversa feita por um dos interlocutores sem o conhecimento dos demais é considerada lícita, quando ausente causa legal de sigilo ou de reserva da conversação.

11) Seria possível falar que houve flagrante preparado por parte de Bernardo Cerveró, o que traria hipótese de crime impossível, nos termos da Súmula 145 do STF?
NÃO. Ocorre o flagrante preparado (provocado) quando alguém instiga o indivíduo a praticar o crime com o objetivo de prendê-lo em flagrante no momento em que ele o estiver cometendo. O flagrante preparado é hipótese de crime impossível e o indivíduo instigado não responderá penalmente, sendo sua conduta considerada atípica.
No caso analisado, segundo a versão do Ministério Público com base nas informações indiciárias que constam nos autos, não houve flagrante preparado porque foi o Senador Delcídio, por intermédio de seu chefe de gabinete, Diogo Ferreira, quem teria procurado a família de Cerveró com a proposta de ajuda financeira e outras formas de auxílio em troca do silêncio do réu. Logo, neste momento, sem qualquer instigação por parte de Bernardo Cerveró, já teria havido a prática do crime do art. 2º, § 1º da Lei de Crime Organizado. Além disso, de acordo com a versão do Ministério Público, o Senador Delcídio seria beneficiário de contratos fraudulentos celebrados pela Petrobrás, inclusive a compra da refinaria de Pasadena, de forma que, em tese, há anos, ele seria integrante da suposta organização criminosa que é investigada pela operação Lava Jato. Dessa forma, mesmo antes de procurar a família de Cerveró, o Senador, em tese, já teria cometido o delito do art. 2º da Lei nº 12.850/2013.

12) Depois de concretizada a prisão em flagrante do parlamentar, qual é o procedimento que deverá ser adotado em seguida?
A Constituição Federal determina que os autos deverão ser remetidos dentro de 24 horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão (art. 53, § 2º).
Assim, ainda no dia de ontem, o STF remeteu os autos ao Senado Federal que, por 59 votos contra 13, decidiu manter a prisão do Senador.

13) O Regimento Interno do Senado afirmava que essa votação no Senado deveria ser secreta, no entanto, ela foi aberta. Por quê?
O Regimento Interno do Senado, nesta parte, é inválido porque se tornou incompatível com o texto da CF/88, que foi alterado pela EC nº 35/2001. Explico:
Na redação original da CF/88, o § 3º do art. 53 previa o seguinte:
§ 3º - No caso de flagrante de crime inafiançável, os autos serão remetidos, dentro de vinte e quatro horas, à Casa respectiva, para que, pelo voto secreto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão e autorize, ou não, a formação de culpa.

Com base nesse dispositivo, o Regimento Interno do Senado previu que a votações para se decidir sobre a manutenção ou não da prisão do parlamentar deveria ser secreta.

Ocorre que a EC nº 35/2001 modificou esse dispositivo, deslocando-o para o § 2º do art. 53 e suprimiu a expressão "pelo voto secreto". Ficou assim:
§ 2º Desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. Nesse caso, os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão.

Veja, portanto, que a redação atual não fala mais em voto secreto.

A regra é que as votações na Câmara dos Deputados e no Senado Federal sejam ABERTAS. Isso decorre do fato de o Brasil ser uma República e de adotarmos a publicidade dos atos estatais como um princípio constitucional.

Assim, a população tem o direito de saber como votam os seus representantes, considerando que eles estão exercendo o poder em nome do povo (art. 1º, parágrafo único, da CF/88).

A votação secreta somente é permitida se for expressamente prevista na CF. Em caso de silêncio, prevalece a publicidade. Tanto isso é verdade que, para as demais votações do Parlamento, o texto constitucional não precisa reafirmar que se trata de voto aberto. É o caso, por exemplo, das demais matérias previstas no art. 53 da CF/88.
Desse modo, o dispositivo do Regimento Interno que previa o voto secreto para apreciar a prisão dos parlamentares não foi recepcionado pela EC 35/2001.



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