ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA
“A alienação fiduciária em garantia é
um contrato instrumental em que uma das partes, em confiança, aliena a outra a
propriedade de um determinado bem, ficando esta parte (uma instituição
financeira, em regra) obrigada a devolver àquela o bem que lhe foi alienado
quando verificada a ocorrência de determinado fato.” (RAMOS, André Luiz Santa
Cruz. Direito Empresarial Esquematizado.
São Paulo: Método, 2012, p. 565).
ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE VEÍCULOS
A espécie mais comum de alienação
fiduciária é a de automóveis.
Ex: Antônio quer comprar um carro de R$
30 mil, mas somente possui R$ 10.000,00. Antônio procura o Banco “X”, que
celebra com ele contrato de financiamento
com garantia de alienação fiduciária.
Assim, o Banco “X” empresta R$ 20 mil a
Antônio, que compra o veículo. Como garantia do pagamento do empréstimo, a
propriedade resolúvel do carro ficará com o Banco “X” e a posse direta com
Antônio.
Em outras palavras, Antônio ficará
andando com o carro, mas no documento, a propriedade do automóvel é do Banco “X”
(constará “alienado fiduciariamente ao Banco X”). Diz-se que o banco tem a
propriedade resolúvel porque, uma vez pago o empréstimo, a propriedade do carro
pelo banco “resolve-se” (acaba) e o automóvel passa a pertencer a Antônio.
Registro do contrato de alienação
fiduciária no DETRAN e anotação da informação no CRV
CRV (Certificado de Registro de
Veículos) é um documento expedido pelo DETRAN no qual consta quem é o
proprietário do veículo.
A legislação determina que, quando for
realizada a alienação fiduciária de um veículo, o contrato deverá ser
registrado no DETRAN e esta informação constará no CRV do automóvel.
No CRV, existe um campo chamado
"observações" e lá constará uma frase mais ou menos com os seguintes
dizeres: "AL.FID./BANCO XXX", que significa alienado fiduciariamente
para o banco XXX. Veja a imagem abaixo:
Essa informação é uma garantia tanto
para o banco ,como também para terceiros que eventualmente se interessem por
comprar aquele carro. Isso porque, ao consultarem o documento do veículo (CRV),
verão que existe esse gravame e que a pessoa que está na posse direta do
veículo não possui ainda a propriedade plena do bem, já que aquele automóvel foi
oferecido como garantia de uma dívida. Somente após pagar todo o débito é que o
possuidor terá a propriedade plena.
Onde consta a obrigatoriedade de que o
contrato de alienação fiduciária seja registrado no DETRAN?
É o Código Civil que determina que o
contrato de alienação fiduciária seja registrado no DETRAN e que essa
informação seja anotada no CRV. Confira:
Art. 1.361. Considera-se fiduciária a
propriedade resolúvel de coisa móvel infungível que o devedor, com escopo de
garantia, transfere ao credor.
§ 1º Constitui-se a propriedade
fiduciária com o registro do contrato, celebrado por instrumento
público ou particular, que lhe serve de título, no Registro de Títulos e
Documentos do domicílio do devedor, ou, em se tratando
de veículos, na repartição competente para o licenciamento (explico: DETRAN), fazendo-se a anotação no certificado de registro
(esclareço: CRV).
Além de ser anotado no CRV, é necessário
(obrigatório) que a alienação fiduciária seja registrada no cartório de Registro
de Títulos e Documentos (RTD)?
NÃO. É desnecessário o registro
do contrato de alienação fiduciária de veículos em cartório.
O registro da alienação
fiduciária no RTD, no passado, já foi obrigatório, conforme previa o art. 66, §
1º da Lei nº 4.728/65, tendo este artigo sido revogado pela Lei nº 10.931/2004.
Além disso, para que não
houvessem dúvidas de que o registro no RTD é dispensável, o legislador editou
duas leis afirmando isso. Confira:
Lei nº 11.882/2008:
Art. 6º Em operação de
arrendamento mercantil ou qualquer outra modalidade de crédito ou financiamento
a anotação da alienação fiduciária de veículo automotor no certificado de
registro a que se refere a Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997, produz
plenos efeitos probatórios contra terceiros, dispensado qualquer outro registro
público.
Lei nº 11.795/2008:
Art. 14 (...) § 7º A
anotação da alienação fiduciária de veículo automotor ofertado em garantia ao
grupo de consórcio no certificado de registro a que se refere o Código de
Trânsito Brasileiro, Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997, produz efeitos probatórios contra terceiros, dispensado qualquer outro
registro público.
ADIs 4333 e 4227/DF
Os Registradores de Títulos e
Documentos não ficaram satisfeitos com as alterações legislativas acima
expostas e ajuizaram, juntamente com um determinado partido político, duas ADIs
no STF contra os arts. 1.361, § 1º, do Código Civil, art. 14, § 7º, da Lei nº 11.795/2008,
e art. 6º da Lei nº 11.882/2008.
Segundo argumentaram, tais leis
violaram o art. 236 da CF/88, uma vez que não poderiam dispensar a realização
do registro público dos contratos de alienação fiduciária em garantia de
veículos automotores pelas serventias extrajudiciais de registro de títulos e
documentos.
Essa tese foi aceita? Houve
inconstitucionalidade das referidas leis ao dispensarem o registro da alienação
fiduciária no RTD?
NÃO. Não havia nada que impedisse
o legislador de extinguir, como o fez, essa obrigatoriedade. Não há nenhum dispositivo
na CF/88 que obrigue o registro do contrato de alienação fiduciária no cartório.
Na verdade, os requisitos relacionados
com a formação, validade e eficácia de contratos privados são assuntos para
serem tratados pela legislação federal e não pelo texto constitucional.
O legislador entendeu, de forma
correta, que a exigência do registro da alienação fiduciária na serventia
extrajudicial (RTD) acarretaria ônus e custos desnecessários ao consumidor,
além de não conferir ao ato a publicidade adequada. Para o leigo que irá
comprar um carro, é muito mais provável que ele procure no DETRAN e no CRV se
há restrições ao veículo, sendo improvável que ele vá atrás dessa informação no
RTD ou em qualquer outro cartório.
Convênios entre DETRAN e RTD
Antes de 2008, era comum que os
DETRANs fizessem convênios com os cartórios de RTD para que o licenciamento dos
veículos ocorresse nos próprios cartórios. A Lei nº 11.882/2008 proibiu essa
prática:
Art. 7º (...)
§ 1º Consideram-se nulos
quaisquer convênios celebrados entre entidades de títulos e registros públicos
e as repartições de trânsito competentes para o licenciamento de veículos, bem
como portarias e outros atos normativos por elas editados, que disponham de
modo contrário ao disposto no caput deste artigo.
§ 2º O descumprimento do
disposto neste artigo sujeita as entidades e as pessoas de que tratam,
respectivamente, as Leis nºs 6.015, de 31 de dezembro de 1973, e 8.935, de 18
de novembro de 1994, ao disposto no art. 56 e seguintes da Lei nº 8.078, de 11
de setembro de 1990, e às penalidades previstas no art. 32 da Lei nº 8.935, de
18 de novembro de 1994.
Essa proibição também foi
questionada por meio das ADIs, mas o STF entendeu que não havia nenhuma
inconstitucionalidade na proibição.
O STF, no entanto, a fim de
respeitar o ato jurídico perfeito e a segurança jurídica, afirmou que a vedação
imposta pela Lei nº 11.882/2008 não poderia ser aplicada aos convênios
celebrados antes da publicação dessa norma.
Assim, os convênios já pactuados
por ocasião da edição da lei foram preservados até o fim do prazo da sua
vigência, sendo vedada qualquer prorrogação.
RESUMINDO:
Quando for realizada a alienação fiduciária
de um veículo, o contrato deverá ser registrado no DETRAN e esta informação
constará no CRV do automóvel.
É desnecessário o registro do contrato de
alienação fiduciária de veículos em cartório.
STF. Plenário.
RE 611639/RJ, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 21/10/2015 (repercussão
geral).
STF. Plenário.
ADI 4333/DF e ADI 4227/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, julgados em 21/10/2015
(Info 804).