Dizer o Direito

segunda-feira, 30 de novembro de 2015

INFORMATIVO Esquematizado 570 STJ




Olá amigos do Dizer o Direito,

Já está disponível o INFORMATIVO Esquematizado 570 STJ.

Confira abaixo o índice. Bons estudos.






Livro PRINCIPAIS JULGADOS DO STF E STJ COMENTADOS 2014



Trata-se da compilação e a organização de todos os informativos esquematizados de 2014.

Além de tornar a leitura mais agradável, se comparado com a tela do computador, o livro tem outra grande vantagem: os julgados foram agrupados de acordo com os ramos do direito e, dentro de cada um deles, foram organizados segundo os respectivos assuntos. Assim, por exemplo, no capítulo sobre “Processo Civil”, temos diversos subtópicos para tratar sobre competência, petição inicial, citação, intimação, litisconsórcio, tutela antecipada, recursos etc.

Com isso, o livro foi organizado como se fosse um curso, envolvendo os principais assuntos de cada matéria, com trechos de doutrina, lei e, principalmente, a explicação dos julgados de 2014.

Vale ressaltar, ainda, que a obra conta com um extenso índice, que facilita a busca rápida dos temas.

Por fim, um grande diferencial: no último capítulo do livro estão todas as súmulas do STF e do STJ organizadas por assunto e anotadas. Abaixo de cada enunciado, o leitor é informado se aquela súmula continua válida, se é importante, se foi superada ou formalmente cancelada.

INFORMATIVO Esquematizado 570 STJ - Versão Resumida




Olá amigos do Dizer o Direito,

Já está disponível o INFORMATIVO Esquematizado 570 STJ - Versão Resumida.

Bons estudos.




Livro PRINCIPAIS JULGADOS DO STF E STJ COMENTADOS 2014



Trata-se da compilação e a organização de todos os informativos esquematizados de 2014.

Além de tornar a leitura mais agradável, se comparado com a tela do computador, o livro tem outra grande vantagem: os julgados foram agrupados de acordo com os ramos do direito e, dentro de cada um deles, foram organizados segundo os respectivos assuntos. Assim, por exemplo, no capítulo sobre “Processo Civil”, temos diversos subtópicos para tratar sobre competência, petição inicial, citação, intimação, litisconsórcio, tutela antecipada, recursos etc.

Com isso, o livro foi organizado como se fosse um curso, envolvendo os principais assuntos de cada matéria, com trechos de doutrina, lei e, principalmente, a explicação dos julgados de 2014.

Vale ressaltar, ainda, que a obra conta com um extenso índice, que facilita a busca rápida dos temas.

Por fim, um grande diferencial: no último capítulo do livro estão todas as súmulas do STF e do STJ organizadas por assunto e anotadas. Abaixo de cada enunciado, o leitor é informado se aquela súmula continua válida, se é importante, se foi superada ou formalmente cancelada.

domingo, 29 de novembro de 2015

Em que consiste a AÇÃO CONTROLADA?


Atuação retardada da autoridade responsável
Se a autoridade (seja ela policial ou administrativa) constatar que existe uma infração penal em curso, ela deverá tomar as providências necessárias para que esta prática cesse imediatamente, devendo até mesmo realizar a prisão da pessoa que se encontre em flagrante delito.
A experiência demonstrou, contudo, que, em algumas oportunidades, é mais interessante, sob o ponto de vista da investigação, que a autoridade aguarde um pouco antes de intervir imediatamente e prender o agente que está praticando o ilícito. Isso ocorre porque em determinados casos se a autoridade esperar um pouco mais, retardando o flagrante, poderá descobrir outras pessoas envolvidas na prática da infração penal, reunir provas mais robustas, conseguir recuperar o produto ou proveito do crime, enfim obter maiores vantagens para a persecução penal.

Exemplo
O exemplo típico desta técnica de investigação é o caso do tráfico de drogas. Imagine que a polícia descubra que determinado passageiro irá embarcar uma grande quantidade de droga em uma barco que seguirá de um Estado para outro. A polícia poderia prender o traficante no instante em que este estivesse embarcando o entorpecente, ou ainda, no momento do transporte. Entretanto, revela-se mais conveniente à investigação que a autoridade policial aguarde até que o agente chegue ao seu destino onde poderá descobrir e prender também o destinatário da droga. Este modo de proceder é chamado de “ação controlada”.

Conceito
Ação controlada é...
- uma técnica especial de investigação
- por meio da qual a autoridade policial ou administrativa (ex: Receita Federal, corregedorias),
- mesmo percebendo que existem indícios da prática de um ato ilícito em curso,
- retarda (atrasa, adia, posterga) a intervenção neste crime para um momento posterior,
- com o objetivo de conseguir coletar mais provas,
- descobrir coautores e partícipes da empreitada criminosa,
- recuperar o produto ou proveito da infração ou
- resgatar, com segurança, eventuais vítimas.

Nomenclatura
A ação controlada é também denominada de “flagrante prorrogado, retardado ou diferido”.

Em que consiste a chamada “entrega vigiada”?
Trata-se de uma forma de “ação controlada”, prevista na Convenção de Palermo (Decreto 5.015/2004), por meio da qual as autoridades policiais ou administrativas permitem que “remessas ilícitas ou suspeitas saiam do território de um ou mais Estados, os atravessem ou neles entrem, com o conhecimento e sob o controle das suas autoridades competentes, com a finalidade de investigar infrações e identificar as pessoas envolvidas na sua prática” (art. 2º, "i").

Previsão legislativa
A ação controlada é prevista nos seguintes dispositivos legais:
Convenção de Palermo (Decreto 5.015/2004):
Artigo 20
Técnicas especiais de investigação
1. Se os princípios fundamentais do seu ordenamento jurídico nacional o permitirem, cada Estado Parte, tendo em conta as suas possibilidades e em conformidade com as condições prescritas no seu direito interno, adotará as medidas necessárias para permitir o recurso apropriado a entregas vigiadas e, quando o considere adequado, o recurso a outras técnicas especiais de investigação, como a vigilância eletrônica ou outras formas de vigilância e as operações de infiltração, por parte das autoridades competentes no seu território, a fim de combater eficazmente a criminalidade organizada.
(...)
4. As entregas vigiadas a que se tenha decidido recorrer a nível internacional poderão incluir, com o consentimento dos Estados Partes envolvidos, métodos como a intercepção de mercadorias e a autorização de prosseguir o seu encaminhamento, sem alteração ou após subtração ou substituição da totalidade ou de parte dessas mercadorias.

Lei nº 11.343/2006 (Lei de Drogas):
Art. 53. Em qualquer fase da persecução criminal relativa aos crimes previstos nesta Lei, são permitidos, além dos previstos em lei, mediante autorização judicial e ouvido o Ministério Público, os seguintes procedimentos investigatórios:
(...)
II - a não-atuação policial sobre os portadores de drogas, seus precursores químicos ou outros produtos utilizados em sua produção, que se encontrem no território brasileiro, com a finalidade de identificar e responsabilizar maior número de integrantes de operações de tráfico e distribuição, sem prejuízo da ação penal cabível.
Parágrafo único. Na hipótese do inciso II deste artigo, a autorização será concedida desde que sejam conhecidos o itinerário provável e a identificação dos agentes do delito ou de colaboradores.

Lei nº 9.613/98 (Lei de Lavagem de Capitais):
Art. 4º-B. A ordem de prisão de pessoas ou as medidas assecuratórias de bens, direitos ou valores poderão ser suspensas pelo juiz, ouvido o Ministério Público, quando a sua execução imediata puder comprometer as investigações. (Incluído pela Lei nº 12.683/2012)

Lei nº 12.850 (Lei do Crime Organizado):
Art. 8º Consiste a ação controlada em retardar a intervenção policial ou administrativa relativa à ação praticada por organização criminosa ou a ela vinculada, desde que mantida sob observação e acompanhamento para que a medida legal se concretize no momento mais eficaz à formação de provas e obtenção de informações.

Para que ocorra a ação controlada é necessária prévia autorização judicial?
A resposta irá depender do tipo de crime que está sendo investigado.
Se a ação controlada envolver crimes:
da Lei de Drogas ou de Lavagem de Dinheiro: SIM. Será necessária prévia autorização judicial porque o art. 52, II, da Lei nº 11.343/2006 e o art. 4ºB da Lei nº 9.613/98 assim o exigem.

praticados por organização criminosa: NÃO. Neste caso será necessário apenas que a autoridade (policial ou administrativa) avise o juiz que irá realização ação controlada. Veja o que diz o § 1º do art. 8º da Lei nº 12.850/2013:

Art. 8º (...) § 1º O retardamento da intervenção policial ou administrativa será previamente comunicado ao juiz competente que, se for o caso, estabelecerá os seus limites e comunicará ao Ministério Público.

A previsão acima é muito importante considerando que, na antiga Lei do Crime Organizado (Lei n.° 9.034/95), não se impunha uma fiscalização prévia da ação controlada por parte do Poder Judiciário, o que gerava um perigo grande de que houvesse abusos ou, pior, que existissem atos de corrupção ou leniência praticados pelas autoridades policiais e que fossem acobertados sob o argumento de que se estava diante de uma “ação controlada”. Em outras palavras, poderia acontecer de a autoridade identificar a prática de um crime em curso e não reprimi-lo por conta de corrupção. Caso fosse descoberta e questionada sobre este fato, a autoridade alegava que estava praticando uma “ação controlada” e que iria atuar no momento certo. Isso agora não mais será possível tendo em vista que a Lei exige a comunicação prévia da ação controlada ao juiz.

A Lei nº 12.850/2013 fez bem ao dispensar a prévia autorização, exigindo tão-somente a comunicação. Isso porque algumas vezes os fatos se desenrolam de forma muito rápida e não daria tempo para se aguardar uma decisão judicial. Logo, a comunicação prévia supre a preocupação externada no parágrafo anterior (evitar que a autoridade policial "simule" uma ação controlada) e, ao mesmo tempo, não prejudica a dinâmica das investigações. Assim, protocolizada a comunicação, a ação controlada poderá ser levada a efeito pela autoridade até que venha, se vier, uma limitação imposta pelo juiz.

Em muitas situações, não haveria sequer tempo hábil para que se aguardasse uma autorização judicial para a ação controlada eis que os fatos da vida acontecem de forma célere e a execução do delito, não raras vezes, é mais célere que o tempo necessário para o magistrado autorizar o diferimento da atuação policial.

Vale ressaltar que, se o crime de tráfico de drogas ou de lavagem de capitais estiverem sendo praticados por organização criminosa que se enquadre no conceito da Lei nº 12.850/2013, será possível que a autoridade policial invoque o art. 8º, § 1º deste diploma e faça a ação controlada valendo-se da mera comunicação prévia considerando que neste caso estará sendo investigada uma organização criminosa.

Limites à ação controlada
O § 1º do art. 8º da Lei nº 12.850/2013 afirma que, depois de o juiz ser comunicado sobre a realização da ação controlada ele poderá estabelecer limites a essa prática.
Ex1: o juiz poderá estabelecer limite de tempo para a ação controlada, de forma que depois disso, a , por exemplo, a autoridade deverá obrigatoriamente intervir (24h, 2 dias, uma semana etc.).
Ex2: o magistrado poderá determinar a autoridade policial que não permita determinadas condutas que violem de forma muito intensa ou irreversível o bem jurídico. Seria o caso de o juiz alertar o Delegado: em caso de ofensa à integridade física de vítimas, a força policial deverá intervir imediatamente, evitando lesões corporais ou morte.

Apesar de o § 1º falar apenas em limites, penso que o juiz poderá também simplesmente indeferir a ação controlada, determinando a imediata intervenção policial sempre que não estiverem previstos os requisitos legais ou quando a postergação não for recomendada. Ex1: se não envolver organização criminosa considerando que não estaria previsto o requisito legal. Ex2: se a polícia descobriu o cativeiro de uma vítima e há interceptação telefônica afirmando que irão matá-la a qualquer momento.

Procedimento no caso da comunicação da ação controlada (art. 8º da Lei nº 12.850/2013)
1) A autoridade policial ou administrativa comunica o juiz sobre a realização da ação controlada, demonstrando a conveniência da medida e o planejamento de atuação;
2) No setor de protocolo da Justiça, a comunicação deverá ser sigilosamente distribuída, de forma a não conter informações que possam indicar a operação a ser efetuada;
3) O juiz comunicará o Ministério Público acerca do procedimento e poderá estabelecer limites à ação controlada;
4) Até o encerramento da diligência, o acesso aos autos será restrito ao juiz, ao Ministério Público e ao delegado de polícia, como forma de garantir o êxito das investigações;
5) Ao término da diligência, a autoridade policial ou administrativa deverá elaborar um auto circunstanciado acerca da ação controlada.

Ação controlada envolvendo transposição de fronteiras
Se a ação controlada envolver transposição de fronteiras, o retardamento da intervenção policial ou administrativa somente poderá ocorrer com a cooperação das autoridades dos países que figurem como provável itinerário ou destino do investigado, de modo a reduzir os riscos de fuga e extravio do produto, objeto, instrumento ou proveito do crime (art. 9º da Lei nº 12.850/2013).

sábado, 28 de novembro de 2015

A posse ou porte de arma quebrada configura crime?



A posse ou o porte de arma de fogo desmuniciada configura crime?
SIM. A posse (art. 12 da Lei nº 10.826/2003) ou o porte (art. 14) de arma de fogo configura crime mesmo que ela esteja desmuniciada. Trata-se, atualmente, de posição pacífica tanto no STF como no STJ.
Para a jurisprudência, a simples posse ou porte de arma, munição ou acessório de uso permitido — sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar — configura os crimes previstos nos arts. 12 ou 14 da Lei nº 10.826/2003. Isso porque, por serem delitos de perigo abstrato, é irrelevante o fato de a arma apreendida estar desacompanhada de munição, já que o bem jurídico tutelado é a segurança pública e a paz social.
STJ. 3ª Seção. AgRg nos EAREsp 260.556/SC, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 26/03/2014.
STF. 2ª Turma. HC 95073/MS, red. p/ o acórdão Min. Teori Zavascki, 19/3/2013 (Info 699).

A posse ou porte apenas da munição configura crime?
SIM. A posse ou o porte apenas da munição (ou seja, desacompanhada da arma) configura crime. Isso porque tal conduta consiste em crime de perigo abstrato, para cuja caracterização não importa o resultado concreto da ação.
O objetivo do legislador foi o de antecipar a punição de fatos que apresentam potencial lesivo à população, prevenindo a prática de crimes.
STF. 2ª Turma. HC 119154, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 26/11/2013.
STJ. 6ª Turma. AgRg no REsp 1442152/MG, Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 07/08/2014.

Para que haja condenação pelo crime de posse ou porte, é necessário que a arma de fogo tenha sido apreendida e periciada?
NÃO. É irrelevante (desnecessária) a realização de exame pericial para a comprovação da potencialidade lesiva do artefato, pois basta o simples porte de arma de fogo, ainda que desmuniciada, em desacordo com determinação legal ou regulamentar, para a incidência do tipo penal. Isso porque os crimes previstos no arts. 12, 14 e 16 da Lei 10.826/03 são de mera conduta ou perigo abstrato, cujo objeto jurídico imediato é a segurança coletiva (STJ. 5ª Turma. AgRg no REsp 1294551/GO, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 07/08/2014).
Assim, a pessoa pode ser condenada por posse ou porte de arma de fogo mesmo que não tenha havido apreensão e perícia.

A posse ou porte de arma quebrada configura crime?
NÃO. Como vimos acima, não é imprescindível que seja realizada perícia na arma de fogo apreendida. No entanto, se o laudo pericial for produzido e ficar constatado que a arma não tem nenhuma condição de efetuar disparos, não haverá crime. É o que vem decidindo o STJ:
(...) Sendo a tese nuclear da defesa o fato de o objeto não se adequar ao conceito de arma, por estar quebrado e, consequentemente, inapto para realização de disparo, circunstância devidamente comprovada pela perícia técnica realizada, temos, indubitavelmente, o rompimento da ligação lógica entre o fato provado e as mencionadas presunções. Nesse contexto, impossível a manutenção do decreto condenatório por porte ilegal de arma de fogo. (...)
STJ. 5ª Turma. AgRg no AREsp 397.473/DF, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 19/08/2014.

(...) Na hipótese, contudo, em que demonstrada por laudo pericial a total ineficácia da arma de fogo (inapta a disparar) e das munições apreendidas (deflagradas e percutidas), deve ser reconhecida a atipicidade da conduta perpetrada, diante da ausência de afetação do bem jurídico incolumidade pública, tratando-se de crime impossível pela ineficácia absoluta do meio. (...)
STJ. 6ª Turma. REsp 1451397/MG, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 15/09/2015.

Vale ressaltar, no entanto, que, se a arma quebrada estiver com munição eficaz, o agente poderá ser condenado porque o simples porte de munição (eficaz) já configura o delito.
Assim, para que não seja crime, o agente tem que ter sido apreendido com arma quebrada e desmuniciada ou, então, com arma quebrada e com munições ineficazes (deflagradas e percutidas).



sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Caso ocorra dissolução da associação que ajuizou a ACP, é possível a sua substituição no polo ativo por outra associação?



Imagine a seguinte situação adaptada:
O Instituto Nacional de Defesa do Consumidor - INDC (associação civil) ajuizou ação civil pública contra o Banco "XX" postulando que fossem garantidos determinados direitos dos consumidores.
O Banco foi citado, apresentou contestação e o processo seguia seu curso regular.
Foi então que a Associação Nacional dos Consumidores de Crédito - ANCC, outra associação civil voltada à defesa dos consumidores, apresentou uma petição ao juiz da causa informando que o INDC foi extinto, razão pela qual ela (ANCC) requereu sua integração no feito na qualidade de demandante, em substituição ao INDC.
O pedido da ANCC foi fundamentado no art. 5º, § 3º da Lei nº 7.347/85:
Art. 5º (...) § 3º Em caso de desistência infundada ou abandono da ação por associação legitimada, o Ministério Público ou outro legitimado assumirá a titularidade ativa.

O pedido de substituição poderá ser aceito?
NÃO. Caso ocorra dissolução da associação que ajuizou ação civil pública, não é possível a sua substituição no polo ativo por outra associação, ainda que os interesses discutidos na ação coletiva sejam comuns a ambas.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.405.697-MG, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 17/9/2015 (Info 570).

Mas e o art. 5º, § 3º da LACP?
Segundo o STJ, o art. 5º, § 3º, da Lei nº 7.347/85 não se aplica para o caso das associações. Isso porque a quando a associação ajuíza uma ação coletiva, ela o faz na qualidade de representante de seus associados (ou seja, atua em nome alheio, na defesa de direito alheio), e não na qualidade de substituto processual (defesa de direito alheio em nome próprio).
Em uma frase, a associação autora da ACP é representante processual dos seus associados e não substituta processual.
Justamente por isso, a associação necessita de autorização expressa de seus associados para ajuizar a ação coletiva. Somente o associado que autorizou expressamente a propositura da ação é que poderá, posteriormente, executar, individualmente, a decisão favorável obtida no processo coletivo.
Foi o que decidiu o Plenário do STF no RE 573232/SC, rel. orig. Min. Ricardo Lewandowski, red. p/ o acórdão Min. Marco Aurélio, julgado em 14/5/2014 (repercussão geral) (Info 746).
Desse modo, a associação autora (INDC), quando propôs a ação, agia em nome dos seus associados. A nova associação (ANCC) não pode assumir a titularidade do polo ativo da ação civil pública porque ela (ANCC) não detém qualquer autorização para representar os associados do ente associativo que ingressou com a ação (INDC).

O Ministério Público poderia ter assumido o polo ativo da ação?
SIM, considerando que o Ministério Público, quando propõe ação civil pública, age como substituto processual (defende em nome próprio, direito alheio). Logo, ele não precisa de autorização dos associados da associação autora ou de qualquer outra pessoa.

A segunda associação (ANCC) poderá ingressar com nova ação formulando os mesmos pedidos feitos na primeira ação civil pública?
SIM. Não há nenhum óbice quanto a isso. No entanto, a associação terá que, antes disso, obter autorização específica de seus associados para ingressar com a ação.



quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Principais aspectos jurídicos envolvendo a prisão do Senador Delcídio do Amaral


No dia de ontem (25/11), o grande acontecimento que dominou os noticiários e parou o país foi a prisão do Senador Delcídio do Amaral (PT/MS) decretada pelo Supremo Tribunal Federal.

Resumo dos fatos
O Min. do STF Teori Zavascki ordenou a prisão do Senador Delcídio do Amaral e de mais três pessoas: o advogado Edson Ribeiro, o banqueiro André Esteves, e o chefe de gabinete do parlamentar, Diogo Ferreira.

O que eles fizeram, segundo o Ministério Público?
O Senador, em conjunto com os demais investigados, estariam tentando convencer o ex-diretor Internacional da Petrobrás, Nestor Cerveró (um dos réus na Lava Jato), a não assinar acordo de colaboração premiada com o Ministério Público Federal. Isso porque Cerveró iria delatar crimes que teriam sido praticados por Delcídio e Esteves.
Em troca de seu silêncio, o Senador e o banqueiro teriam oferecido o pagamento de uma quantia mensal em dinheiro à família de Cerveró.
Além disso, o Senador teria também prometido fazer lobby junto aos Ministros do STF para que estes concedessem liberdade a Cerveró e, em seguida, com o réu solto, o parlamentar iria facilitar a fuga do ex-diretor da Petrobras para a Espanha, país do qual também tem cidadania.
Foram realizadas pelo menos quatro reuniões para tratar sobre a proposta e o plano de fuga. Nestas reuniões participavam, além do Senador, o assessor parlamentar, o advogado de Nestor Cerveró e seu filho (Bernardo Cerveró).
Ocorre que Nestor Cerveró já estava decidido a fazer o acordo de colaboração premiada e não confiava na proposta do Senador. Por isso, seu filho (Bernardo Cerveró) gravou as conversas e as propostas que foram feitas e as entregou ao Ministério Público.
Bernardo entregou também vídeos, conversas trocadas por e-mail e por whatsapp.

Vamos aqui abordar alguns aspectos jurídicos do tema. Vale ressaltar que o objetivo desta abordagem não é fazer uma análise crítica sobre a posição do STF, afirmando se ela está correta ou não, mas apenas explicar o que foi decidido.

1) O Deputado Federal ou Senador pode ser preso antes da condenação definitiva?
• Regra: NÃO. Como regra, os membros do Congresso Nacional não podem ser presos antes da condenação definitiva.
• Exceção: poderão ser presos caso estejam em flagrante delito de um crime inafiançável.

Isso está previsto no art. 53, § 2º da CF/88:
Art. 53 (...) § 2º Desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. Nesse caso, os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão.

Pela redação literal do art. 53, § 2º da CF/88, o Deputado Estadual, o Deputado Federal e o Senador somente poderão ser presos, antes da condenação definitiva, em uma única hipótese: em caso de flagrante delito de crime inafiançável. Isso significa que, pela literalidade do dispositivo constitucional, tais parlamentares não podem ter contra si uma ordem de prisão preventiva.

Trata-se da imunidade formal em relação à prisão, também chamada de “incoercibilidade pessoal relativa” (freedom from arrest).
As imunidades parlamentares são prerrogativas conferidas pela CF/88 aos parlamentares para que eles possam exercer seu mandato com liberdade e independência.
Vale ressaltar (isso será importante mais a frente) que a imunidade prevista no art. 53, § 2º da CF/88 aplica-se não apenas para Deputados Federais e Senadores, mas também para os Deputados Estaduais. Isso porque os Deputados Estaduais possuem as mesmas imunidades que os parlamentares federais por força do art. 27, § 1º da CF/88.


2) O Deputado Federal ou Senador pode ser preso se for condenado em processo criminal com trânsito em julgado?
SIM. O § 2º do art. 53 da CF/88 veda apenas a prisão penal cautelar (provisória) do parlamentar, ou seja, não proíbe a prisão decorrente da sentença transitada em julgado, como no caso de Deputado Federal condenado definitivamente pelo STF.
STF. Plenário. AP 396 QO/RO, AP 396 ED-ED/RO, rel. Min. Cármen Lúcia, 26/6/2013 (Info 712).

REGRA: Deputados Federais e Senadores não poderão ser presos.
Exceção 1:
Poderão ser presos em flagrante de crime inafiançável.
Exceção 2:
O Deputado ou Senador condenado por sentença judicial transitada pode ser preso para cumprir pena.
Trata-se de exceção prevista expressamente na CF/88.

Trata-se de exceção construída pela jurisprudência do STF.
Obs: os autos do flagrante serão remetidos, em até 24h, à Câmara ou ao Senado, para que se decida, pelo voto aberto da maioria de seus membros, pela manutenção ou não da prisão do parlamentar.
Obs: o parlamentar condenado por sentença transitada em julgado será preso mesmo que não perca o mandato. Poderíamos ter por exemplo, em tese, a esdrúxula situação de um Deputado condenado ao regime semiaberto que, durante o dia vai até o Congresso Nacional trabalhar e, durante a noite, fica recolhido no presídio.

Obs: existe divergência na doutrina sobre a possibilidade de o Deputado ou Senador ser preso por conta de atraso no pagamento da pensão alimentícia (prisão civil). Admitem: Uadi Bulos e Marcelo Novelino. Não admitem: Pedro Lenza e Bernardo Fernandes. Não há precedente do STF sobre o tema.
Em suma, pode-se dizer que o § 2º do art. 53 da CF/88 veda apenas a prisão penal cautelar (provisória) do parlamentar, ou seja, não proíbe a prisão decorrente da sentença transitada em julgado, como foi a hipótese do ex-Deputado Federal Natan Donadon condenado pelo STF na AP 396/RO.
No caso do Senador Delcídio, ele ainda nem foi formalmente denunciado. Dessa forma, não estamos falando em condenação definitiva.

3) Quais os crimes teriam sido praticados pelo Senador e demais envolvidos?
Segundo o Ministério Público, o Senador e as demais pessoas teriam praticado, no mínimo, dois crimes:
• integrar organização criminosa (art. 2º, caput, da Lei nº 12.850/2013);
• embaraçar investigação envolvendo organização criminosa (art. 2º, § 1º da Lei nº 12.850/2013).

Art. 2º Promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa:
Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa, sem prejuízo das penas correspondentes às demais infrações penais praticadas.

§ 1º Nas mesmas penas incorre quem impede ou, de qualquer forma, embaraça a investigação de infração penal que envolva organização criminosa.

Crime do caput do art. 2º: as declarações de Cerveró e os indícios presentes nos autos comprovariam que o Senador Delcídio faria parte da organização criminosa investigada na operação "Lava Jato" e que teria sido beneficiado em esquemas envolvendo contratos da Petrobrás.

Crime do § 1º do art. 2º: o Senador, ao tentar convencer Cerveró a não assinar o acordo de colaboração premiada e planejar a sua fuga para a Espanha, estava embaraçando as investigações dos crimes apurados na operação Lava Jato e que envolvem organização criminosa. Embaraçar significa dificultar, atrapalhar.

4) Mas o Senador estava em flagrante delito?
Para o STF, sim. O STF entendeu que as condutas do Senador configurariam crime permanente, considerando que ele, até antes de ser preso, integrava pessoalmente a organização criminosa (art. 2º, caput) e, além disso, estaria, há dias, embaraçando a investigação da Lava Jato (art. 2º, § 1º). Desse modo, ele estaria por todos esses dias cometendo os dois crimes acima, em estado, portanto, de flagrância.

Na doutrina, Rogério Sanches Cunha e Ronaldo Batista Pinto consideram que o delito do art. 2º, caput, da Lei nº 12.850/2013, um dos imputados ao Senador Delcídio, é sim crime permanente. Confira:
"(...) Infração permanente, a sua consumação se protrai enquanto não cessada a permanência. Isso significa que o agente pode ser preso em flagrante delito enquanto não desfeita (ou abandonar) a associação (art. 303 do CPP);" (Crime Organizado. Comentários à nova lei sobre o Crime Organizado - Lei nº 12.850/2013. Salvador : Juspodivm, 2013, p. 18).

5) Os crimes supostamente praticados pelo Senador (art. 2º, caput e § 1º da Lei nº 12.850/2013) são inafiançáveis?
O STF entendeu que sim. Sobre esse ponto, é importante explicar o tema com calma.

O art. 5º, incisos XLII, XLIII e XLIV e o art. 323 do CPP preveem a lista de crimes inafiançáveis:
a) Racismo;
b) Tortura;
c) Tráfico de drogas;
d) Terrorismo;
e) Crimes hediondos;
f) Crimes cometidos por ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático.

Assim, a lista acima é composta por crimes que são absolutamente inafiançáveis. Nunca poderá ser concedida fiança para eles. São inafiançáveis por natureza.

O art. 324 do CPP, por sua vez, traz situações nas quais não se poderá conceder fiança. Veja a redação do dispositivo, em especial o inciso IV:
Art. 324. Não será, igualmente, concedida fiança:
I - aos que, no mesmo processo, tiverem quebrado fiança anteriormente concedida ou infringido, sem motivo justo, qualquer das obrigações a que se referem os arts. 327 e 328 deste Código;
II - em caso de prisão civil ou militar;
III - (Revogado pela Lei nº 12.403/2011).
IV - quando presentes os motivos que autorizam a decretação da prisão preventiva (art. 312).

Desse modo, segundo esse inciso IV, não será concedida fiança se estiverem presentes os motivos que autorizam a decretação da prisão preventiva (garantia da ordem pública, da ordem econômica, conveniência da instrução criminal, ou necessidade de se assegurar a aplicação da lei penal).

O inciso IV prevê, portanto, situação em que a pessoa praticou um crime que, mesmo não estando na lista do art. 323 (absolutamente inafiançáveis), não poderá receber fiança por circunstâncias específicas verificadas no curso do processo.

A partir desse dispositivo, o STF construiu a seguinte tese: os crimes do art. 2º, caput e do § 1º da Lei nº 12.850/2013 que, em tese, foram praticados pelo Senador, não são, a princípio, inafiançáveis considerando que não se encontram listados no art. 323  do CPP. Não se tratam, portanto, de crimes absolutamente inafiançáveis. No entanto, como, no caso concreto, estão presentes os motivos que autorizam a decretação da prisão preventiva (tentativa de calar o depoimento de colaborador, tentativa de influenciar os julgadores e planejamento de fuga), estamos diante de uma situação que não admite fiança, com base no art. 324, IV, do CPP.

Em suma, os crimes do art. 2º, caput e do § 1º da Lei nº 12.850/2013 praticados pelo Senador são inafiançáveis, no caso concreto, não por força do art. 323 do CPP, mas sim com fundamento no art. 324, IV.

O STF criou a seguinte tese: se, no caso concreto, estiverem presentes os pressupostos para a decretação da prisão preventiva, o crime será considerado inafiançável (art. 324, IV, do CPP) mesmo que não esteja listado no art. 323 do CPP.

6) Como vimos acima, o STF reconheceu que o parlamentar estava em situação de flagrância. No entanto, vale ressaltar que o pedido do MP no presente caso foi de prisão PREVENTIVA. O Procurador Geral da República, ao fundamentar seu pedido no STF, requereu a prisão PREVENTIVA do Senador Delcídio do Amaral afirmando que o art. 53, § 2º da CF/88 não poderia ser tido como absoluto. Diante disso, indaga-se: essa tese do MP foi acolhida pelo STF? É possível prisão preventiva de Deputado Federal ou Senador?
NÃO. Não é possível a prisão preventiva de Deputado Estadual, Deputado Federal ou Senador porque a única prisão cautelar que o art. 53, § 2º da CF/88 admite é a prisão em flagrante de crime inafiançável. O Ministro Teori Zavascki não decretou a prisão preventiva do Senador Delcídio do Amaral. Digo isso não apenas com base na argumentação por ele utilizada, mas também pela forma como escreveu o comando da decisão. Vejamos:

Comando da decisão de prisão do advogado
Comando da decisão de prisão do Senador
"Ante o exposto, observadas as especificações apontadas, (a) decreto a prisão preventiva de Edson Ribeiro, qualificado nos autos, a teor dos arts. 311 e seguintes do Código de Processo Penal; (b) decreto a prisão temporária de André Esteves e Diogo Ferreira, também qualificados nos autos, nos termos do art. 1º, I e III, da Lei 7.960/1989."
"Ante o exposto, presentes situação de flagrância e os requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal, decreto a prisão cautelar do Senador Delcídio do Amaral, observadas as especificações apontadas e ad referendum  da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal."


7) Se era caso de prisão em flagrante, por que o Ministério Público formulou um requerimento de prisão ao STF? A prisão em flagrante não precisa de pedido...
Realmente. A prisão em flagrante não se pede ao Poder Judiciário. Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito (art. 301 do CPP). Não é necessária ordem judicial para tanto. No entanto, no caso concreto, o Procurador Geral da República não requereu ao STF a prisão em flagrante do Senador Delcídio, mas sim a sua prisão preventiva. Veja o trecho final do pedido:
"O Procurador-Geral da República requer a prisão preventiva de Delcídio Amaral e Edson de Siqueira Ribeiro Filho e a prisão temporária de André Santos Esteves e Diogo Ferreira Rodrigues.
Caso se entenda descabida a prisão preventiva de congressista, em razão de vedação constitucional, o Procurador-Geral da República requer a imposição cumulativa das seguintes medidas cautelares a Delcídio Amaral: (...)"

O STF, porém, não concordou em decretar a prisão preventiva, mas reconheceu que o Senador estava em situação de flagrância, razão pela qual ordenou o cumprimento da prisão.


8) Sendo prisão em flagrante, o STF precisaria ter expedido mandados de prisão contra o Senador?
Tecnicamente, não. Como já dito, a prisão em flagrante não precisa de ordem judicial para ser cumprida. Entretanto, no caso concreto, o STF foi provocado e precisava decidir se seria hipótese mesmo de prisão preventiva ou não. Além disso, havia a prisão preventiva de Edson Ribeiro e as prisões temporárias de André Esteves e Diogo Ferreira que precisavam ser cumpridas simultaneamente a fim de que não houvesse risco de fuga ou de destruição de provas por parte de qualquer dos investigados.
Por essas razões, o Ministro houve por bem expedir um mandado de prisão cautelar (gênero do qual a prisão em flagrante é uma espécie). Não há qualquer irregularidade nisso já que se trata de uma formalidade adicional em prol do investigado. A outra opção seria o Ministro na decisão afirmar: qualquer do povo está autorizado a prender o Senador.
Vale destacar que não é porque foi expedido um mandado de prisão que a custódia, no caso concreto, deixou de ser prisão em flagrante e passou a ser preventiva. A diferença entre essas duas espécies de custódia não se prende ao instrumento por meio do qual ela é formalizada.

9) Na chamada "Operação Dominó", deflagrada em 2006, no Estado de Rondônia, envolvendo supostos desvios praticados por Deputados Estaduais, o STJ e o STF autorizaram a prisão preventiva dos Deputados envolvidos?
NÃO. Nesta "Operação Dominó" o STJ, em situação parecida com a exposta acima, reconheceu que os Deputados Estaduais estavam em situação de flagrância pela prática do então existente crime de quadrilha (art. 288 do CP). Não foram decretadas, portanto, prisões preventivas.
Na "Operação Dominó", houve, contudo, uma relativização do art. 53, § 2º da CF/88. Essa relativização, contudo, não foi quanto à possibilidade de prisão preventiva. Isso não foi relativizado. O que o STJ e o STF decidiram foi que, naquele caso concreto, não se deveria remeter a prisão para ser analisada pela Casa (Assembleia Legislativa) em 24 horas. Entendeu-se que, pelo fato de 23 dos 24 Deputados estarem envolvidos supostamente no esquema criminosa, a ALE não teria condições de analisar a manutenção da prisão. Veja trecho da ementa:
(...) 2. Os elementos contidos nos autos impõem interpretação que considere mais que a regra proibitiva da prisão de parlamentar, isoladamente, como previsto no art. 53, § 2º, da Constituição da República. Há de se buscar interpretação que conduza à aplicação efetiva e eficaz do sistema constitucional como um todo. A norma constitucional que cuida da imunidade parlamentar e da proibição de prisão do membro de órgão legislativo não pode ser tomada em sua literalidade, menos ainda como regra isolada do sistema constitucional. Os princípios determinam a interpretação e aplicação corretas da norma, sempre se considerando os fins a que ela se destina. A Assembléia Legislativa do Estado de Rondônia, composta de vinte e quatro deputados, dos quais, vinte e três estão indiciados em diversos inquéritos, afirma situação excepcional e, por isso, não se há de aplicar a regra constitucional do art. 53, § 2º, da Constituição da República, de forma isolada e insujeita aos princípios fundamentais do sistema jurídico vigente. 3. Habeas corpus cuja ordem se denega.
(STF. 1ª Turma. HC 89417, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 22/08/2006)


10) A gravação da conversa feita por Bernardo Cerveró pode ser considerada como prova lícita?
SIM. Trata-se de entendimento pacífico do STF:
(...) É lícita a prova consistente em gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem conhecimento do outro." (STF. Plenário. RE 583937 QO-RG, Min. Rel. Cezar Peluso, julgado em 19/11/2009 - repercussão geral)

Assim, se “A” e “B” estão conversando, “A” pode gravar essa conversa mesmo que “B” não saiba. Para o STF, a gravação de conversa feita por um dos interlocutores sem o conhecimento dos demais é considerada lícita, quando ausente causa legal de sigilo ou de reserva da conversação.

11) Seria possível falar que houve flagrante preparado por parte de Bernardo Cerveró, o que traria hipótese de crime impossível, nos termos da Súmula 145 do STF?
NÃO. Ocorre o flagrante preparado (provocado) quando alguém instiga o indivíduo a praticar o crime com o objetivo de prendê-lo em flagrante no momento em que ele o estiver cometendo. O flagrante preparado é hipótese de crime impossível e o indivíduo instigado não responderá penalmente, sendo sua conduta considerada atípica.
No caso analisado, segundo a versão do Ministério Público com base nas informações indiciárias que constam nos autos, não houve flagrante preparado porque foi o Senador Delcídio, por intermédio de seu chefe de gabinete, Diogo Ferreira, quem teria procurado a família de Cerveró com a proposta de ajuda financeira e outras formas de auxílio em troca do silêncio do réu. Logo, neste momento, sem qualquer instigação por parte de Bernardo Cerveró, já teria havido a prática do crime do art. 2º, § 1º da Lei de Crime Organizado. Além disso, de acordo com a versão do Ministério Público, o Senador Delcídio seria beneficiário de contratos fraudulentos celebrados pela Petrobrás, inclusive a compra da refinaria de Pasadena, de forma que, em tese, há anos, ele seria integrante da suposta organização criminosa que é investigada pela operação Lava Jato. Dessa forma, mesmo antes de procurar a família de Cerveró, o Senador, em tese, já teria cometido o delito do art. 2º da Lei nº 12.850/2013.

12) Depois de concretizada a prisão em flagrante do parlamentar, qual é o procedimento que deverá ser adotado em seguida?
A Constituição Federal determina que os autos deverão ser remetidos dentro de 24 horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão (art. 53, § 2º).
Assim, ainda no dia de ontem, o STF remeteu os autos ao Senado Federal que, por 59 votos contra 13, decidiu manter a prisão do Senador.

13) O Regimento Interno do Senado afirmava que essa votação no Senado deveria ser secreta, no entanto, ela foi aberta. Por quê?
O Regimento Interno do Senado, nesta parte, é inválido porque se tornou incompatível com o texto da CF/88, que foi alterado pela EC nº 35/2001. Explico:
Na redação original da CF/88, o § 3º do art. 53 previa o seguinte:
§ 3º - No caso de flagrante de crime inafiançável, os autos serão remetidos, dentro de vinte e quatro horas, à Casa respectiva, para que, pelo voto secreto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão e autorize, ou não, a formação de culpa.

Com base nesse dispositivo, o Regimento Interno do Senado previu que a votações para se decidir sobre a manutenção ou não da prisão do parlamentar deveria ser secreta.

Ocorre que a EC nº 35/2001 modificou esse dispositivo, deslocando-o para o § 2º do art. 53 e suprimiu a expressão "pelo voto secreto". Ficou assim:
§ 2º Desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. Nesse caso, os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão.

Veja, portanto, que a redação atual não fala mais em voto secreto.

A regra é que as votações na Câmara dos Deputados e no Senado Federal sejam ABERTAS. Isso decorre do fato de o Brasil ser uma República e de adotarmos a publicidade dos atos estatais como um princípio constitucional.

Assim, a população tem o direito de saber como votam os seus representantes, considerando que eles estão exercendo o poder em nome do povo (art. 1º, parágrafo único, da CF/88).

A votação secreta somente é permitida se for expressamente prevista na CF. Em caso de silêncio, prevalece a publicidade. Tanto isso é verdade que, para as demais votações do Parlamento, o texto constitucional não precisa reafirmar que se trata de voto aberto. É o caso, por exemplo, das demais matérias previstas no art. 53 da CF/88.
Desse modo, o dispositivo do Regimento Interno que previa o voto secreto para apreciar a prisão dos parlamentares não foi recepcionado pela EC 35/2001.



Noções gerais sobre o compromisso de compra e venda



O que é um compromisso de compra e venda?
A promessa de compra e venda (ou compromisso de compra e venda) é...
- uma espécie de contrato preliminar
- por meio do qual uma pessoa (promitente vendedor) se compromete a vender o seu bem
- ao promissário comprador após este pagar integralmente o preço que foi ajustado.

Trata-se de um contrato preliminar porque após o promitente comprador pagar integralmente o preço, as partes ainda irão celebrar um outro contrato, qual seja, de compra e venda.

Obs: alguns autores, como Nelson Rosenvald, diferenciam as expressões compromisso e promessa de compra e venda. Para a maioria da doutrina e da jurisprudência, contudo, são terminologias sinônimas.

Obrigações assumidas pelas partes
O promissário comprador assume uma obrigação de dar, consistente no pagamento do preço combinado (normalmente de forma parcelada).
O promitente vendedor, por sua vez, assume uma obrigação de fazer, qual seja, assinar e outorgar escritura pública de compra e venda em favor do promissário comprador após este pagar integralmente o preço.

Forma
A promessa de compra e venda pode ser celebrada por instrumento público ou particular (art. 1.417 do CC).
O contrato principal (compra e venda) que será assinado após o pagamento integral do preço, se envolver bem imóvel de valor superior a 30 salários mínimos, deverá ser feito por escritura pública (art. 108 do CC).

A promessa de compra e venda precisa ser registrada em cartório para ser válida?
NÃO. A promessa de compra e venda é válida mesmo sem registro no cartório.
Quando a promessa de compra e venda é registrada em cartório, esse compromisso passa a ter natureza jurídica de direito real à aquisição. Veja o que diz o Código Civil:
Art. 1.417. Mediante promessa de compra e venda, em que se não pactuou arrependimento, celebrada por instrumento público ou particular, e registrada no Cartório de Registro de Imóveis, adquire o promitente comprador direito real à aquisição do imóvel.

(...) A promessa de compra e venda identificada como direito real ocorre quando o instrumento público ou particular é registrado no cartório de registro de imóveis, o que não significa que a ausência do registro retire a validade do contrato. (...)
(STJ. 4ª Turma. REsp 1185383/MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 08/04/2014)

A importância do registro em cartório está na eficácia da promessa de compra e venda perante terceiros:
• Se a promessa não foi registrada: ela é válida, mas produz efeitos apenas entre as partes.
Ex: João (promitente vendedor) celebra um contrato de promessa de compra e venda de um imóvel com Pedro (promitente comprador). Esta promessa não é registrada em cartório. João começa a pagar as prestações mensais. Ocorre que João, de forma desonesta, vende à vista o mesmo imóvel para Carlos que, de posse da escritura pública, vai até o cartório e registra o imóvel em seu nome. Pedro, ao descobrir a venda, não poderá pleitear o imóvel de Carlos. Restará a ele ajuizar ação de indenização contra João. Não significa que a promessa de compra e venda era inválida. O problema é que ela, mesmo sendo válida, não produzia efeitos para terceiros. Logo, Pedro não tem direito de sequela porque a promessa de compra e venda, neste caso, não é direito real.

• Se a promessa foi registrada: ela é válida e, além disso, produz efeitos perante terceiros.
Ex: utilizando o mesmo exemplo acima, se a promessa de compra e venda celebrada entre João e Pedro tivesse sido registrada em cartório, Carlos nem teria conseguido registrar o imóvel em seu nome, considerando que haveria essa restrição na matrícula do imóvel. No entanto, ainda que Carlos tivesse conseguido registrar, Pedro poderia ajuizar ação de adjudicação compulsória contra Carlos, desconstituindo esse registro. Isso porque a promessa de compra e venda produz efeitos para terceiros (no caso, Carlos) e a alienação de João para Carlos é ineficaz perante Pedro.
Nesse sentido, confira o art. 1.418 do CC:
Art. 1.418. O promitente comprador, titular de direito real, pode exigir do promitente vendedor, ou de terceiros, a quem os direitos deste forem cedidos, a outorga da escritura definitiva de compra e venda, conforme o disposto no instrumento preliminar; e, se houver recusa, requerer ao juiz a adjudicação do imóvel.

Enunciado 253 CJF: O promitente comprador, titular de direito real (art. 1.417), tem a faculdade de reivindicar de terceiro o imóvel prometido à venda.

Irretratável ou retratável
A promessa de compra e venda, em regra, é irretratável.
As partes, contudo, com base na autonomia privada, podem inserir uma cláusula de arrependimento, prevendo a possibilidade de desistirem de continuar o negócio jurídico. Se não previrem cláusula nesse sentido, a promessa será irretratável.

Se o promitente vendedor, mesmo após receber o preço integral combinado, recusar-se a outorgar a escritura pública, o que o promissário comprador poderá fazer?
Poderá ajuizar ação de adjudicação compulsória.
A adjudicação compulsória é a ação proposta pelo promissário comprador contra o promitente vendedor  que se recusa a cumprir sua obrigação de outorgar a escritura definitiva de compra e venda. O autor da ação pede que o juiz prolate uma sentença que supra (substituta) a declaração de vontade do promitente vendedor. Assim, a sentença já irá produzir o mesmo efeito da escritura pública que o promitente vendedor não outorgou, podendo o autor até mesmo fazer o registro no Cartório de Registro de Imóveis.

O pedido formulado na adjudicação compulsória era previsto de forma expressa no art. 466-B do CPC 1973:
CPC 1973
CPC 2015
Art. 466-B. Se aquele que se comprometeu a concluir um contrato não cumprir a obrigação, a outra parte, sendo isso possível e não excluído pelo título, poderá obter uma sentença que produza o mesmo efeito do contrato a ser firmado.
Art. 466-C. Tratando-se de contrato que tenha por objeto a transferência da propriedade de coisa determinada, ou de outro direito, a ação não será acolhida se a parte que a intentou não cumprir a sua prestação, nem a oferecer, nos casos e formas legais, salvo se ainda não exigível.
Não há dispositivo no novo CPC que reproduza expressamente a previsão do art. 466-B do CPC 1973. Apesar disso, a parte poderá continuar pedindo ao Judiciário a providência nele prevista com base no art. 501 do CPC 2015:
Art. 501. Na ação que tenha por objeto a emissão de declaração de vontade, a sentença que julgar procedente o pedido, uma vez transitada em julgado, produzirá todos os efeitos da declaração não emitida.

O compromisso de compra e venda pode ou não ser registrado no cartório de registro de imóveis. Se a promessa não for registrada no cartório, ainda assim o promissário comprador poderá ajuizar ação de adjudicação compulsória?
SIM. O registro do compromisso de compra e venda não é condição para o ajuizamento da ação de adjudicação compulsória. Mesmo sem o registro, é possível a adjudicação compulsória. Nesse sentido:
Súmula 239-STJ: O direito à adjudicação compulsória não se condiciona ao registro do compromisso de compra e venda no cartório de imóveis.

Enunciado 95 da I Jornada de Direito Civil: O direito à adjudicação compulsória (art. 1.418 do novo Código Civil), quando exercido em face do promitente vendedor, não se condiciona ao registro da promessa de compra e venda no cartório de registro imobiliário (Súmula n. 239 do STJ).

Vantagem no caso de a promessa ter sido registrada para fins de adjudicação compulsória
Se a promessa estiver registrada no RI, o promissário comprador tem uma vantagem: ele poderá ajuizar a ação de adjudicação compulsória com base em um rito sumário (mais rápido e simples) previsto no art. 25 da Lei nº 6.766/79 e art. 15 do DL nº 58/37. Já se o contrato não estiver registrado, a ação de adjudicação compulsória será proposta como uma ação de conhecimento, de rito ordinário. (FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Vol. 5. Salvador : Juspodivm, 2014, p. 840).
Além disso, conforme já explicado acima, se a promessa estiver registrada, a adjudicação compulsória poderá ser proposta inclusive contra terceiros.

Existe um prazo para que o promissário comprador proponha a ação de adjudicação compulsória? Depois de pago integralmente o preço, se o promitente vendedor se recusar a outorgar a escritura pública, qual o prazo que o promissário comprador possui para requerer a adjudicação compulsória?
Não há prazo. O promitente comprador, amparado em compromisso de compra e venda de imóvel cujo preço já tenha sido integralmente pago, tem o direito de requerer judicialmente, a qualquer tempo, a adjudicação compulsória do imóvel.
STJ. 4ª Turma. REsp 1.216.568-MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 3/9/2015 (Info 570).

Natureza da ação de adjudicação
Por meio da propositura de ação de adjudicação, o juiz profere uma sentença que substitui a vontade do promitente vendedor e tal decisão já valerá como título para o registro da compra no cartório de imóveis.
Assim, verifica-se que a ação de adjudicação compulsória não condena o réu (promitente vendedor) a entregar a escritura. A sentença na adjudicação compulsória não tem natureza condenatória.
O pedido na adjudicação compulsória é para que seja constituída determinada situação jurídica. Logo, a sentença possui natureza constitutiva.
No que tange aos prazos, as ações são divididas da seguinte forma:
·       Ações condenatórias: sujeitam-se a prazos prescricionais;
·       Ações constitutivas: obedecem a prazos decadenciais;
·       Ações declaratórias: não se sujeitam nem à prescrição nem à decadência.

Desse modo, não vamos falar em prazo prescricional para a ação de adjudicação compulsória (porque ela é uma ação constitutiva). Devemos, então, procurar se a lei prevê um prazo decadencial para essa espécie de ação. Ocorre que nem no Código Civil de 1916 nem no de 2002 existe a previsão de um prazo decadencial para a ação de adjudicação compulsória. Vale ressaltar que, quanto aos prazos de decadência, o legislador previu prazos específicos para cada uma das situações que quis regular. Quando não trouxe prazo decadencial para determinada ação, significa que a parte poderá propor a ação a qualquer tempo. Veja o que diz a doutrina:
"(...) os direitos potestativos sem prazo fixado em lei são perpétuos, podendo, desse modo, ser exercidos a qualquer tempo, seja por meio de simples declaração de vontade, seja via ação constitutiva." (CAHALI, Yussef Said. Prescrição e decadência. São Paulo: RT, 2008, p. 76)

Dessa forma, tratando-se de direito potestativo, sujeito a prazo decadencial, para cujo exercício a lei não previu prazo especial, prevalece a regra geral da inesgotabilidade ou da perpetuidade, segundo a qual os direitos não se extinguem pelo não uso. Assim, à míngua de previsão legal, o pedido de adjudicação compulsória, quando preenchidos os requisitos da medida, poderá ser realizado a qualquer tempo.
STJ. 4ª Turma. REsp 1216568/MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 03/09/2015.

Só um alerta: se o promitente comprador não estiver na posse do imóvel, ele tem que ter cuidado para que o possuidor não fique morando lá tempo suficiente para adquiri-lo por usucapião. Se isso acontecer, o promitente comprador perderá seu direito real à aquisição pelo fato de o possuidor ter adquirido outro direito real (o de propriedade).


quarta-feira, 25 de novembro de 2015

O condomínio pode multar o condômino que apresenta comportamento antissocial?



Sanção por comportamento antissocial do condômino
O Código Civil prevê que, se o condômino apresentar reiterado comportamento antissocial, poderá ser punido com sanção pecuniária. Veja:
Art. 1.337 (...)
Parágrafo único. O condômino ou possuidor que, por seu reiterado comportamento anti-social, gerar incompatibilidade de convivência com os demais condôminos ou possuidores, poderá ser constrangido a pagar multa correspondente ao décuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, até ulterior deliberação da assembleia.

Para que o condomínio aplique essa multa, é necessário que garanta ao condômino direito ao contraditório e à ampla defesa?
SIM. A sanção prevista para o comportamento antissocial reiterado de condômino (art. 1.337, parágrafo único, do CC) não pode ser aplicada sem que antes lhe seja conferido o direito de defesa.
Atualmente, o Código Civil deve ser lido a partir de uma visão civil-constitucional, de forma que se deve reconhecer a aplicação imediata dos princípios e garantias constitucionais também nas relações entre particulares. Isso é chamado de "eficácia horizontal dos direitos fundamentais".
A garantias constitucionais também devem incidir nas relações condominiais, devendo ser assegurados, na medida do possível, a ampla defesa e o contraditório. A aplicação de punição ao condômino antissocial, sem que lhe seja garantida ampla defesa, contraditório ou devido processo legal prejudica consideravelmente o suposto infrator, considerando que ele ficará impossibilitado de demonstrar que seu comportamento não era antijurídico nem afetou a harmonia, a qualidade de vida e o bem-estar geral. Dessa forma, em última análise estaria sendo violado até mesmo seu direito de propriedade.
A doutrina especializada também possui o mesmo entendimento. Nesse sentido, confira a conclusão da I Jornada de Direito Civil do CJF:
Enunciado 92-CJF: Art. 1.337: As sanções do art. 1.337 do novo Código Civil não podem ser aplicadas sem que se garanta direito de defesa ao condômino nocivo.

Sobre o tema, o STF já enfrentou algo parecido ao decidir que devem ser garantidos o contraditório e a ampla defesa no caso em que uma associação desejava expulsar de seus quadros um associado pela prática de infrações. Na oportunidade, o STF afirmou que "o espaço de autonomia privada garantido pela Constituição às associações não está imune à incidência dos princípios constitucionais que asseguram o respeito aos direitos fundamentais de seus associados. A autonomia privada, que encontra claras limitações de ordem jurídica, não pode ser exercida em detrimento ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros, especialmente aqueles positivados em sede constitucional, pois a autonomia da vontade não confere aos particulares, no domínio de sua incidência e atuação, o poder de transgredir ou de ignorar as restrições postas e definidas pela própria Constituição, cuja eficácia e força normativa também se impõem, aos particulares, no âmbito de suas relações privadas, em tema de liberdades fundamentais." (STF. 2ª Turma. RE 201819, Relator p/ Acórdão Min. Gilmar Mendes, julgado em 11/10/2005).

A lei prevê um procedimento para a garantia do direito de defesa neste caso?
NÃO. Não há previsão de um procedimento na lei para a garantia desse direito. Vale ressaltar que não se exige formalidades muito rigorosas semelhantes a de um processo judicial ou administrativo. Basta que seja assegurado o mínimo de oportunidade para que o condômino possa se defender e contraditar a imputação que lhe é feita. Como explica a Min. Isabel Galloti:
"(...) não há de ser uma notificação com os rigores de um processo cível ou criminal, mas apenas que se dê ciência ao condômino de que estará em votação em assembléia da qual deva ser ele cientificado e de cujo edital conste essa imputação passível de aplicação de penalidade." (REsp 1.365.279-SP).

Se a multa prevista no art. 1.337, parágrafo único, do CC não se mostrar efetiva, o condomínio poderá tomar medidas mais drásticas contra o condômino antissocial?
SIM. Caso seja aplicada a multa e mesmo assim o infrator continue apresentando reiteradamente o comportamento ofensivo, a doutrina sustenta que será possível que o condomínio ajuíze ação para expulsar o condômino antissocial. Foi a conclusão da V Jornada de Direito Civil do CJF:
Enunciado 508-CJF: Verificando-se que a sanção pecuniária mostrou-se ineficaz, a garantia fundamental da
função social da propriedade (arts. 5º, XXIII, da CRFB e 1.228, § 1º, do CC) e a vedação ao abuso do direito (arts. 187 e 1.228, § 2º, do CC) justificam a exclusão do condômino antissocial, desde que a ulterior assembleia prevista na parte final do parágrafo único do art. 1.337 do Código Civil delibere a propositura de ação judicial com esse fim, asseguradas todas as garantias inerentes ao devido processo legal.



Dizer o Direito!