Olá amigos do Dizer o Direito,
Hoje vamos tratar sobre um tema
muito interessante envolvendo Direito Constitucional, controle de
constitucionalidade, processo legislativo e separação dos Poderes.
Iremos tratar sobre superação
legislativa da jurisprudência (reação legislativa) e ativismo congressual.
Para tanto, analisaremos o
acórdão do STF na ADI 5105/DF, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 1º/10/2015 (Info
801).
Eficácia subjetiva das decisões
proferidas em ADI: quem são as pessoas atingidas?
As decisões definitivas de mérito
proferidas pelo STF no julgamento de ADI, ADC ou ADPF possuem eficácia contra
todos (erga omnes) e efeito vinculante. Isso está previsto
no § 2º do art. 102 da CF/88:
§ 2º As decisões
definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações
diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de
constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante,
relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública
direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.
Obs: no caso da ADPF, esse efeito
está descrito no art. 10, § 3º da Lei nº 9.882/99.
O que acontece se as pessoas e
órgãos que estão vinculados à decisão do STF desrespeitarem aquilo que foi
decidido?
Neste caso, o interessado poderá
questionar esse ato diretamente no STF por meio de reclamação (art. 102, I,
"l", da CF/88). Se o ato estiver realmente violando o que foi
decidido, ele será cassado.
A decisão proferida na ADI, ADC e
ADPF vincula o próprio STF? E o Poder Legislativo?
Veja abaixo um quadro-resumo
sobre o tema:
Eficácia SUBJETIVA das decisões proferidas pelo STF em ADI, ADC e
ADPF
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Particulares
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Ficam
vinculados.
Caso
haja desrespeito, cabe reclamação.
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Executivo
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Os
órgãos e entidades do Poder Executivo ficam vinculados.
Caso
haja desrespeito, cabe reclamação.
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Judiciário
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Os
demais juízes e Tribunais ficam vinculados.
Caso
haja desrespeito, cabe reclamação.
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STF
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A
decisão vincula os julgamentos futuros a serem efetuados monocraticamente
pelos Ministros ou pelas Turmas do STF.
Essa
decisão não vincula, contudo, o Plenário do STF. Assim, se o STF decidiu, em
controle abstrato, que determinada lei é constitucional, a Corte poderá, mais
tarde, mudar seu entendimento e decidir que esta mesma lei é inconstitucional
por conta de mudanças no cenário jurídico, político, econômico ou social do
país. Isso se justifica a fim de evitar a "fossilização da
Constituição".
Esta
mudança de entendimento do STF sobre a constitucionalidade de uma norma pode
ser decidida, inclusive, durante o julgamento de uma reclamação
constitucional. Nesse sentido: STF. Plenário. Rcl 4374/PE, rel. Min. Gilmar
Mendes, 18/4/2013 (Info 702).
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Legislativo
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O
Poder Legislativo, em sua função típica de legislar, não fica vinculado.
Isso
também tem como finalidade evitar a "fossilização da Constituição".
Assim,
o legislador, em tese, pode editar nova lei com o mesmo conteúdo daquilo que
foi declarado inconstitucional pelo STF.
Se
o legislador fizer isso, não é possível que o interessado proponha uma
reclamação ao STF pedindo que essa lei seja automaticamente julgada também
inconstitucional (Rcl 13019 AgR, julgado em 19/02/2014).
Será
necessária a propositura de uma nova ADI para que o STF examine essa nova lei
e a declare inconstitucional. Vale ressaltar que o STF pode até mesmo mudar
de opinião no julgamento dessa segunda ação.
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CASO CONCRETO JULGADO PELO STF
Feitos esses esclarecimentos,
imagine a seguinte situação concreta:
Em junho de 2012, o Plenário do
STF, ao julgar as ADIs 4430 e 4795, declarou inconstitucionais determinados
dispositivos da Lei nº 9.504/97 (chamada de Lei das Eleições).
Em outubro de 2013, o Congresso
Nacional editou a Lei nº 12.875/2013, que alterou novamente a Lei nº 9.504/97
prevendo algumas regras semelhantes àquelas que já haviam sido declaradas
inconstitucionais pelo STF no julgamento das ADIs 4430 e 4795.
Dessa forma, a Lei nº 12.875/2013
foi uma reação legislativa à decisão do STF, uma forma de o Congresso Nacional
superar a interpretação legislativa dada pela Corte ao tema.
Foi proposta ADI contra a Lei nº
12.875/2013. Vamos verificar o que foi decidido, mas antes é importante fazer
um resumo das considerações iniciais expostas no brilhante voto do Min. Luiz
Fux, relator da ação.
Em tese, o Congresso Nacional
pode editar uma lei em sentido contrário ao que foi decidido pelo STF no
julgamento de uma ADI/ADC?
SIM. Conforme vimos acima, o
Poder Legislativo, em sua função típica de legislar, não fica vinculado aos
efeitos da decisão do STF.
O STF possui, segundo a CF/88, a
missão de dar a última palavra em termos de interpretação da Constituição. Isso
não significa, contudo, que o legislador não tenha também a capacidade de interpretação
do Texto Constitucional. O Poder Legislativo também é considerado um intérprete
autêntico da Constituição e justamente por isso ele pode editar uma lei ou EC
tentando superar o entendimento anterior ou provocar um novo pronunciamento do
STF a respeito de determinado tema, mesmo que a Corte já tenha decidido o
assunto em sede de controle concentrado de constitucionalidade. A isso se dá o
nome de "reação legislativa" ou "superação legislativa".
A reação legislativa é uma forma
de "ativismo congressual" com o objetivo de o Congresso Nacional
reverter situações de autoritarismo judicial ou de comportamento antidialógico
por parte do STF, estando, portanto, amparado no princípio da separação de
poderes.
O ativismo congressual consiste na
participação mais efetiva e intensa do Congresso Nacional nos assuntos
constitucionais.
Mas se houver uma "reação
legislativa", com toda a certeza o STF irá julgar novamente a nova lei
inconstitucional, não é verdade?
NÃO. Em tese, ou seja, na teoria,
isso não é verdade. É possível que o STF repense seu entendimento anterior e
evolua para uma nova interpretação, chegando a conclusão diferente daquilo que
havia decidido e, assim, concorde com a nova lei editada com o mesmo conteúdo
da anterior.
Veja
o que dizem Daniel Sarmento e Cláudio Pereira de Souza Neto, citados pelo Min.
Luiz Fux em seu voto:
“(...) não é salutar atribuir a
um único órgão qualquer a prerrogativa de dar a última palavra sobre o sentido
da Constituição. (...). É preferível adotar-se um modelo que não atribua a
nenhuma instituição – nem do Judiciário, nem do Legislativo – o “direito de
errar por último”, abrindo-se a permanente possibilidade de correções
recíprocas no campo da hermenêutica constitucional, com base na ideia de
diálogo, em lugar da visão tradicional, que concede a última palavra nessa área
ao STF.
(...)
As decisões do STF em matéria
constitucional são insuscetíveis de invalidação pelas instâncias políticas.
Isso, porém, não impede que seja editada uma nova lei, com conteúdo similar
àquela que foi declarada inconstitucional. Essa posição pode ser derivada do
próprio texto constitucional, que não estendeu ao Poder Legislativo os efeitos
vinculantes das decisões proferidas pelo STF no controle de constitucionalidade
(art. 102, § 2º, e art. 103-A, da Constituição). Se o fato ocorrer, é muito
provável que a nova lei seja também declarada inconstitucional. Mas o resultado
pode ser diferente. O STF pode e deve refletir sobre os argumentos adicionais
fornecidos pelo Parlamento ou debatidos pela opinião pública para dar suporte
ao novo ato normativo, e não ignorá-los, tomando a nova medida legislativa como
afronta à sua autoridade. Nesse ínterim, além da possibilidade de alteração de
posicionamento de alguns ministros, pode haver também a mudança na composição
da Corte, com reflexões no resultado do julgamento.”
(SARMENTO, Daniel; SOUZA NETO,
Cláudio Pereira de. Direito
Constitucional. Teoria, história e métodos de trabalho. Belo Horizonte:
Fórum, 2012, p. 402-405)
Existem exemplos de "reação
legislativa" que foram consideradas exitosas, ou seja, que foram acolhidas
pelo STF gerando uma "correção jurisprudencial"?
SIM. Um exemplo emblemático diz
respeito à chamada Lei da Ficha Limpa (LC 135/2010). Antes dessa Lei, o TSE e o
STF possuíam jurisprudência consolidada no sentido de que não era possível
reconhecer a inelegibilidade do candidato a não ser que houvesse contra ele uma
condenação transitada em julgado. O fundamento para esse entendimento residia
no princípio da presunção de inocência.
A LC 135/2010 foi editada com o
objetivo de superar esse entendimento. Segundo previu essa lei, não é
necessário que a decisão condenatória tenha transitado em julgado para que o
condenado se torne inelegível. Basta que tenha sido proferida por órgão
colegiado (exs: TRE, TJ, TRF).
O STF, superando seus antigos
precedentes, entendeu que a reação legislativa foi legítima e que a Lei da
Ficha Limpa é constitucional e não viola o princípio da presunção de inocência.
(STF. Plenário. ADC 29/DF, ADC 30/DF, ADI 4578/DF, Rel. Min. Luiz Fux, julgados
em 15 e 16/2/2012).
Esse
caso, dentre outros, demonstra que, na teoria, não existe uma supremacia
judicial do STF e que é possível, em tese, a existência de um diálogo (abertura
dialógica) por meio do qual o Legislativo proponha, por meio de leis, correções
à jurisprudência do Supremo, alterando a forma de a Corte interpretar a
Constituição.
Mas sempre se disse que o STF
possui a última palavra na interpretação da Constituição...
É verdade. Sempre se afirmou
isso. Contudo, esse dogma vem sendo rediscutido pelos constitucionalistas.
Entende-se atualmente que a decisão do STF em matéria constitucional deve ser
compreendida como "última palavra provisória", nas palavras do Min.
Luiz Fux. Isso porque depois que o STF decidir, reiniciam-se as rodadas de
debates entre as instituições e os demais atores da sociedade civil sobre o
tema.
Algumas conclusões do STF sobre o
tema:
a) O STF não subtrai ex ante a faculdade de correção
legislativa pelo constituinte reformador ou legislador ordinário. Em outras
palavras, o STF não proíbe que o Poder Legislativo edite leis ou emendas
constitucionais em sentido contrário ao que a Corte já decidiu. Não existe uma
vedação prévia a tais atos normativos. O legislador pode, por emenda
constitucional ou lei ordinária, superar a jurisprudência. Trata-se de uma
reação legislativa à decisão da Corte Constitucional com o objetivo de reversão
jurisprudencial.
b) No caso de reversão
jurisprudencial (reação legislativa) proposta por meio de emenda
constitucional, a invalidação somente ocorrerá nas restritas hipóteses de
violação aos limites previstos no art. 60, e seus §§, da CF/88. Em suma, se o
Congresso editar uma emenda constitucional buscando alterar a interpretação
dada pelo STF para determinado tema, essa emenda somente poderá ser declarada
inconstitucional se ofender uma cláusula pétrea ou o processo legislativo para
edição de emendas.
c) No caso de reversão
jurisprudencial proposta por lei ordinária, a lei que frontalmente colidir com
a jurisprudência do STF nasce com presunção relativa de inconstitucionalidade,
de forma que caberá ao legislador o ônus de demonstrar, argumentativamente, que
a correção do precedente se afigura legítima.
A novel legislação que
frontalmente colida com a jurisprudência (leis in your face) se submete a um controle de constitucionalidade mais
rigoroso.
Para ser considerada válida, o Congresso
Nacional deverá comprovar que as premissas fáticas e jurídicas sobre as quais
se fundou a decisão do STF no passado não mais subsistem. O Poder Legislativo
promoverá verdadeira hipótese de mutação constitucional pela via legislativa.
Voltando ao caso concreto:
No caso concreto da Lei nº 12.875/2013,
o Congresso Nacional procurou superar o precedente fixado pelo STF nas ADIs
4.430 e 4.795. Todavia, o STF, examinando as justificativas do projeto que deu
origem à lei e analisando a inocorrência de mudanças na sociedade entre a data
da decisão passada e os dias atuais, entendeu que não foi legítima a tentativa
de reversão da interpretação fixada pelo Tribunal.
Para o STF, os argumentos
invocados pelo Legislativo não são capazes de infirmar (retirar à força) a tese
jurídica fixada no julgamento das ADIs 4.430 e 4.795.
Por essa razão, o Plenário da
Corte, por maioria, julgou inconstitucional a Lei nº 12.875/2013.
STF. Plenário. ADI 5105/DF, Rel.
Min. Luiz Fux, julgado em 1º/10/2015 (Info 801).