quarta-feira, 28 de outubro de 2015
Para a configuração do delito do art. 1º, XIV, do DL 201/67 é indispensável a inequívoca ciência do Prefeito
quarta-feira, 28 de outubro de 2015
DECRETO-LEI 201/67
O Decreto-Lei 201/67 é um ato
normativo com status de lei ordinária e que prevê, em seu art. 1º, uma lista de
crimes cometidos por Prefeitos no exercício de suas funções.
O DL 201/67 traz também regras de
processo penal que deverão ser aplicadas quando ocorrerem os crimes ali
previstos.
Vale ressaltar que o DL 201/67
foi recepcionado pela CF/88 como lei ordinária (Súmula 496 do STF).
ART. 1º
O art. 1º do DL 201/67 elenca, em
seus incisos, diversos crimes de responsabilidade dos Prefeitos.
Vejamos a redação do caput:
Art. 1º São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipal,
sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento
da Câmara dos Vereadores:
O que são crimes de
responsabilidade?
Tecnicamente falando, crimes de
responsabilidade são infrações político-administrativas
praticadas por pessoas que ocupam determinados cargos públicos.
Caso o agente seja condenado por
crime de responsabilidade, ele não receberá sanções penais (prisão ou multa),
mas sim sanções político-administrativas (perda do cargo e inabilitação para o
exercício de função pública).
O art. 1º prevê realmente crimes
de responsabilidade?
NÃO. O art. 1º afirma que os
delitos nele elencados são “crimes de responsabilidade”. Apesar de ser
utilizada essa nomenclatura, a doutrina e a jurisprudência “corrigem” o
legislador e afirmam que, na verdade, esses delitos são crimes
comuns, ou seja, infrações penais iguais àquelas tipificadas no Código
Penal e em outras leis penais.
Desse modo, o que o art. 1º traz
são crimes funcionais cometidos por Prefeitos.
Vale ressaltar que os crimes de
responsabilidade (em sentido estrito) dos Prefeitos estão previstos no art. 4º
do DL 201/67. É nesse dispositivo que estão definidas as infrações
político-administrativas dos alcaides.
Nesse sentido: STF. Plenário. HC
70671, Rel. Min. Carlos Velloso, julgado em 13/04/1994.
Os crimes funcionais dos
Prefeitos estão previstos exclusivamente no art. 1º do DL 201/67?
NÃO. Os Prefeitos poderão
responder também pelos crimes funcionais previstos no Código Penal, na Lei de
Licitações (Lei n.°
8.666/93) e em outras leis penais, desde que tais condutas não estejam
descritas no art. 1º DL 201/67. Os crimes tipificados nas demais leis somente
incidirão para os Prefeitos se não estiverem previstos no DL 201/67, que é
norma específica.
Bem jurídico protegido pelos
tipos do art. 1º: o patrimônio da Administração Pública e a moralidade
administrativa.
Sujeito passivo: em
regra, é o Município. No entanto, a depender do caso concreto, poderá também
ser vítima do crime o Estado ou a União. É o caso em que o Prefeito se apropria
ou desvia de bens ou rendas públicas pertencentes ao ente estadual ou federal
(ex: Prefeito que desvia recursos de um convênio federal).
Sendo o sujeito passivo o
Município ou o Estado, a competência para julgar o crime é da Justiça Estadual.
Se o sujeito passivo for a União,
a competência será da Justiça Federal.
Sujeito ativo: trata-se
de crime próprio, uma vez que somente pode ser
praticado pelo Prefeito (ou por quem esteja no exercício desse cargo, como o
Vice-Prefeito ou o Presidente da Câmara de Vereadores).
Os crimes do art. 1º são
próprios, mas é possível que haja coautoria ou participação. Em outras
palavras, outros indivíduos podem ser coatores ou partícipes do Prefeito no cometimento
da infração. Exs: um Secretário Municipal, um contador, um assessor etc.
Término do mandato: importante
destacar que o fato de ter terminado o mandato do Prefeito não impede que ele seja
denunciado e processado pelos crimes do art. 1º do DL 201/67, desde que os
fatos tenham sido praticados durante o mandato. Essa dúvida foi tão frequente
no passado que existem duas súmulas afirmando isso:
Súmula 164-STJ: O prefeito
municipal, após a extinção do mandato, continua sujeito a processo por crime
previsto no art. 1º do Dec. lei n. 201, de 27/02/67.
Súmula 703-STF: A extinção
do mandato do Prefeito não impede a instauração de processo pela prática dos
crimes previstos no art. 1º do DL 201/67.
Elemento subjetivo: é o
dolo. Todos os tipos previstos no art. 1º exigem o dolo, não havendo modalidade
culposa no DL 201/67.
É possível aplicar o princípio da
insignificância?
Sobre o tema, existe divergência
entre o STF e o STJ:
STF: SIM
|
STJ: não pode ser
aplicado
|
Ex-prefeito condenado pela
prática do crime previsto no art. 1º, II do Decreto-Lei 201/1967, por ter
utilizado máquinas e caminhões de propriedade da Prefeitura para efetuar
terraplanagem no terreno de sua residência. 3. Aplicação do princípio da
insignificância. Possibilidade. (...) (HC 104286, Rel. Min. Gilmar Mendes, 2ª
Turma, julgado em 03/05/2011)
|
Não é possível a aplicação do
princípio da insignificância a prefeito, em razão mesmo da própria condição
que ostenta, devendo pautar sua conduta, à frente da municipalidade, pela
ética e pela moral, não havendo espaço para quaisquer desvios de conduta.
(...) (HC 148.765/SP, Rel. Min. Maria Thereza De Assis Moura, 6ª Turma,
julgado em 11/05/2010)
|
CRIME DO INCISO XIV
Vamos agora estudar o crime
previsto no inciso XIV (negar execução de lei ou descumprir decisão judicial):
Art. 1º São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipal,
sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento
da Câmara dos Vereadores:
(...)
XIV - Negar execução a lei federal, estadual ou municipal, ou deixar de
cumprir ordem judicial, sem dar o motivo da recusa ou da impossibilidade, por
escrito, à autoridade competente;
(...)
§ 1º Os crimes definidos neste artigo são de ação pública, punidos os
dos itens I e II, com a pena de reclusão, de dois a doze anos, e os demais, com
a pena de detenção, de três meses a três anos.
Exemplo:
Juiz do Trabalho determina ao prefeito
que ele bloqueie o saldo que uma empresa que prestava serviços ao Município
ainda tinha para receber a fim de que esse dinheiro seja utilizado para pagar
direitos trabalhistas. Apesar de receber a ordem de forma direta e específica,
o prefeito não a cumpre e autoriza o pagamento à empresa.
Tipo especial de desobediência
O inciso XIV acima se assemelha
com o crime de desobediência (art. 330 do CP). Cuidado para não confundir: se
quem descumpriu a ordem judicial foi o Prefeito, ele não responderá pelo art.
330 do CP, mas sim pelo art. 1º, XIV, do DL 201/67.
Elemento subjetivo
O crime é punido a título de
dolo. Não se exige elemento subjetivo especial ("dolo específico"). Assim,
para o crime se consumar não é necessário que o Prefeito tenha descumprido a
lei ou a ordem judicial por causa de um motivo específico, para ajudar alguém,
ter vantagem pecuniária etc. Para que o delito se configure basta que o
Prefeito tenha negado execução à lei ou descumprido a ordem judicial, de forma
injustificada, ou seja, sem apresentar motivos, por escrito, as razões da
recusa ou da impossibilidade de cumprimento.
É indispensável
comprovar a inequívoca ciência do Prefeito
Imagine a
seguinte situação adaptada:
Em Joinville
(SC), o juiz expediu ordem judicial determinando que o Município se abstivesse
de praticar determinado ato administrativo.
A ordem
judicial foi endereçada à Procuradoria do Município.
Mesmo após a
intimação ser efetivada, o ato administrativo questionado foi praticado.
Diante disso, o
Ministério Público ofereceu denúncia contra o Prefeito, imputando-lhe a prática
do crime previsto no art. 1º, XIV, do DL 201/67.
O STF, no
entanto, absolveu o réu. Segundo entenderam os Ministros, não foram produzidas
provas de que o réu tenha tido conhecimento da ordem judicial ou que tenha
concorrido para seu descumprimento.
De acordo com a
jurisprudência do STF, para configuração do delito em tela, é indispensável que
o MP comprove a inequívoca ciência do Prefeito a respeito da ordem judicial,
não sendo suficiente que a determinação judicial tenha sido comunicada a terceiros.
Vale lembrar, ainda, que os Procuradores Municipais
representam o Município e não o Prefeito. Dessa forma, é certo que, ao intimar a
Procuradoria, houve comunicação válida para o Município, mas não para o Prefeito.
Assim, o Município poderá sofrer sanções cíveis pelo descumprimento (ex: astreintes
etc.), mas para que o Prefeito pudesse ser responsabilizado criminalmente seria
indispensável a sua intimação pessoal.
A Ministra Relatora
Rosa Weber salientou que Joinville é um município grande, com a maior população
de Santa Catarina, o que torna factível a alegação da defesa de que o prefeito
não sabia das decisões judiciais ou de seu descumprimento, pois possui
administração descentralizada.
STF. 1ª Turma. AP
555/SC, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 6/10/2015 (Info 802).