Dizer o Direito

quinta-feira, 29 de outubro de 2015

O que é o contrabando legislativo? Trata-se de prática aceita pelo STF?



Durante a tramitação de uma medida provisória no Congresso Nacional, os parlamentares poderão apresentar emendas?
SIM, no entanto, tais emendas deverão ter relação de pertinência temática com a medida provisória que está sendo apreciada. Em outras palavras, a emenda apresentada deverá ter relação com o assunto tratado na medida provisória.

Imagine que o Presidente da República edita medida provisória dispondo sobre matéria tributária. Durante a tramitação no Congresso Nacional, um Deputado apresenta emenda incluindo o art. 76 na medida provisória para tratar sobre os requisitos para a profissão de contador. A medida provisória é aprovada, sendo convertida em lei, inclusive com o artigo incluído. Indaga-se: esse art. 76 da lei é constitucional?
NÃO. É incompatível com a Constituição a apresentação de emendas sem relação de pertinência temática com medida provisória submetida à sua apreciação. Assim, como essa emenda versa sobre assunto diverso do que é tratado na medida provisória, deve-se considerá-lo inconstitucional.
A inserção, por meio de emenda parlamentar, de assunto diferente do que é tratado na medida provisória que tramita no Congresso Nacional é chamada de "contrabando legislativo", sendo uma prática vedada.
O uso de medidas provisórias se dá por motivos de urgência e relevância da matéria, cuja análise compete ao chefe do Poder Executivo. Assim, toda e qualquer emenda parlamentar em projeto de conversão de medida provisória em lei deve ficar restrita ao tema definido como urgente e relevante.
Vale ressaltar que a própria Resolução 1/2002, do Congresso Nacional, que trata sobre os procedimentos para tramitação das medidas provisórias, veda a apresentação de emendas sem pertinência temática com a MP. Veja:
Art. 4º (...) § 4º É vedada a apresentação de emendas que versem sobre matéria estranha àquela tratada na Medida Provisória, cabendo ao Presidente da Comissão o seu indeferimento liminar.

Assim, é até possível emenda parlamentar ao projeto de conversão da MP, no entanto, deverá ser observada a devida pertinência lógico-temática.
Essa foi a conclusão do STF ao julgar a ADI 5127/DF proposta contra o art. 76 da Lei nº 12.249/2010, inserido mediante emenda parlamentar em projeto de conversão de medida provisória em lei, e que tratava sobre assunto diferente daquele veiculado no texto da MP.
O art. 76 foi acrescentado indevidamente por emenda parlamentar durante a tramitação da MP 472/2009, convertida na Lei nº 12.249/2010. Isso porque o referido artigo dispunha sobre assunto diverso daquele tratado na MP, faltando, portanto, pertinência temática. Assim, o art. 76 foi fruto de um contrabando legislativo.

Conclusão com efeitos ex nunc
Veja agora algo bem interessante. O STF declarou que o contrabando legislativo é proibido pela CF/88, como vimos acima. No entanto, a Corte afirmou que, mesmo assim, o art. 76 da Lei nº 12.249/2010 não deveria ser declarado inconstitucional.
Segundo decidiu o STF, esse entendimento de que o contrabando legislativo é inconstitucional só deverá valer para as próximas medidas provisórias que forem convertidas em lei. Assim, ficou decidido que o STF irá comunicar ao Poder Legislativo esse seu novo entendimento e as emendas que forem aprovadas a partir de então e que não tiverem relação com o assunto da MP serão declaradas inconstitucionais.
É como se o STF tivesse dado uma chance ao Congresso Nacional e, ao mesmo tempo, um alerta: não faça mais isso.

Quais foram os fundamentos utilizados pelo STF para não declarar o art. 76 da Lei nº 12.249/2010 inconstitucional?
O STF apresentou dois argumentos para não declarar o art. 76 inconstitucional:
1) Essa foi a primeira oportunidade em que a Corte enfrentou esse tema (contrabando legislativo) e, por isso, seria necessário antes de declarar inconstitucionais todas as emendas que foram inseridas nesta mesma situação, iniciar um diálogo entre o Legislativo e o Judiciário sobre a matéria.
2) O contrabando legislativo é uma prática já arraigada em nosso processo legislativo, tendo ocorrido inúmeras outras vezes. Assim, se a decisão do STF já valesse para todos os casos, isso poderia provocar enorme insegurança jurídica, considerando que diversos dispositivos que estão em vigor e são fruto desse procedimento seriam declarados inconstitucionais.

Proclamação do resultado
Na proclamação do resultado do julgamento, a Corte decidiu cientificar ao Poder Legislativo que o STF afirmou, com efeitos ex nunc (de agora em diante), que não é compatível com a Constituição a apresentação de emendas sem relação de pertinência temática com medida provisória submetida à sua apreciação.
Ficam preservadas, até a data do julgamento, as leis oriundas de projetos de conversão de medidas provisórias, em obediência ao princípio da segurança jurídica, mesmo que contenham contrabando legislativo.

Resumindo:
Durante a tramitação de uma medida provisória no Congresso Nacional, os parlamentares poderão apresentar emendas?
SIM, no entanto, tais emendas deverão ter relação de pertinência temática com a medida provisória que está sendo apreciada. Assim, a emenda apresentada deverá ter relação com o assunto tratado na medida provisória.
Desse modo, é incompatível com a Constituição a apresentação de emendas sem relação de pertinência temática com medida provisória submetida à sua apreciação.
A inserção, por meio de emenda parlamentar, de assunto diferente do que é tratado na medida provisória que tramita no Congresso Nacional é chamada de "contrabando legislativo", sendo uma prática vedada.
O STF declarou que o contrabando legislativo é proibido pela CF/88, como vimos acima. No entanto, a Corte afirmou que esse entendimento só deverá valer para as próximas medidas provisórias que forem convertidas em lei. Assim, ficou decidido que o STF irá comunicar ao Poder Legislativo esse seu novo posicionamento e as emendas que forem aprovadas a partir de então e que não tiverem relação com o assunto da MP serão declaradas inconstitucionais.
É como se o STF tivesse dado uma chance ao Congresso Nacional e, ao mesmo tempo, um alerta: o que já foi aprovado não será declarado inconstitucional, porém não faça mais isso.
STF. Plenário. ADI 5127/DF, rel. orig. Min. Rosa Weber, red. p/ o acórdão Min. Edson Fachin, julgado em 15/10/2015 (Info 803).



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