terça-feira, 22 de setembro de 2015
Responsabilidade civil dos administradores de rede social por violação de direito autoral causada por seus usuários
terça-feira, 22 de setembro de 2015
Imagine a seguinte situação hipotética:
"Habeas aula" é um
curso jurídico "on line" preparatório para concursos públicos.
Determinado dia, o gerente da
instituição descobriu que havia uma comunidade na rede social Orkut® onde estavam
sendo vendidas, em DVD, as aulas do curso, de forma não autorizada
("pirataria").
Diante disso, o curso propôs ação
contra a Google® (proprietária do Orkut®) pedindo:
a) a retirada do ar da referida
comunidade;
b) a identificação do IP, ou
seja, o número do "computador" (dispositivo) de onde partiram as
publicações;
b) a reparação pelos danos morais
que sofreu durante o período em que a comunidade esteve "on line".
Quando o autor pede a retirada do
ar e a identificação do IP de determinado perfil, página ou comunidade que está
presente em uma rede social, ele precisa informar a URL da página (ex: o perfil
abusivo está no endereço www.orkut.com/xxx123yyy456)? Ou essa informação não é
necessária?
É sim necessária. O STJ tem
entendimento consolidado no sentido de que o titular que teve direito autoral
violado pela comercialização desautorizada de sua obra em rede social deve
indicar a URL específica da página na qual o ilícito foi praticado, caso
pretenda que o provedor torne indisponível o conteúdo e forneça o IP do usuário
responsável pela violação.
E o pedido de indenização por
danos materiais, deverá ser acolhido? No caso relatado, a Google® deverá ser
condenada a indenizar o autor?
NÃO. A Google® não é responsável
pelos prejuízos decorrentes de violações de direito autoral levadas a efeito por
usuários que utilizavam a rede social Orkut® para comercializar obras sem
autorização dos respectivos titulares, desde que constatado que:
(a) o provedor de internet (Google®)
não obteve lucro ou contribuiu decisivamente com a prática ilícita e
(b) os danos sofridos ocorreram
antes da notificação do provedor acerca da existência do conteúdo infringente (ou
seja, as vendas foram antes de o provedor ser notificado sobre as páginas
ilícitas).
Requisitos para responsabilidade
dos provedores de internet por pirataria
Esse tema (responsabilidade dos
provedores de internet por pirataria) já foi bastante discutido no exterior, em
especial nos EUA.
Segundo tem sido decidido no
direito comparado, a responsabilidade civil de provedores de internet por violações
de direitos autorais praticadas por terceiros somente é reconhecida se
presentes três requisitos:
• Inexistência de fair use
("uso justo") dos materiais protegidos por direitos autorais.
O primeiro requisito para
responsabilizar o provedor de internet é que o uso dos materiais protegidos por
direitos autorais não tenha sido um uso justo (fair use).
Se o uso foi justo, não há dever
de indenizar. Ex: em 1984, logo no início dos chamados videocassetes, a
Universal Studios ajuizou ação de indenização contra a Sony alegando que os
adquirentes dos videocassetes da ré estavam copiando filmes transmitidos em
canais de televisão, cujos direitos eram de titularidade da autora. A justiça
norte-americana julgou o pedido improcedente por entender que a destinação
conferida ao produto da Sony pelos usuários representava uso legítimo de
direito autoral (fair use). "Ficou
comprovado que a principal finalidade dos donos de videocassetes era copiar o
programa desejado para assisti-lo em horário mais cômodo, uso doméstico que,
segundo entendimento adotado, não configuraria violação de direitos
autorais." (SOARES, Sílvia Simões. Aspectos jurídicos do compartilhamento de
arquivos MP3 P2P via internet. In. Direito
e Internet. Vol. II. Newton de Lucca e Adalberto Simão Filho (Coord.). São
Paulo: Quartier Latin, 2008).
• Responsabilidade
contributiva: deve-se provar que o provedor de internet, de forma intencional,
induziu ou encorajou terceiros a cometerem ato ilícito utilizando a estrutura
da rede oferecida. Ex: a Justiça norte-americana condenou a rede social
Napster®, que permitia a troca de músicas entre os seus usuários por entender
que estava presente a responsabilidade contributiva da empresa já que ela sabia
e incentivava essa troca de músicas mesmo tendo consciência que em sua
esmagadora maioria se tratavam de obras protegidas por direitos autorais e que
não poderiam ser comercializadas livremente.
• Responsabilidade vicária:
a responsabilidade vicária está configurada quando fica provado que o provedor
de internet aufere lucros, ainda que indiretos, com os ilícitos praticados,
razão pela qual se nega a exercer o poder de controle ou de limitação dos
danos, quando poderia fazê-lo. O exemplo novamente é o Napster®. A Justiça
norte-americana entendeu que os responsáveis pela rede poderiam controlar os compartilhamentos
que eram feitos entre os usuários cancelando as contas dos usuários infratores
e filtrando os arquivos em seu próprio sistema. Além disso, ficou demonstrado
que o Napster® obtinha retorno financeiro com a ilegalidade cometida pelos
usuários, uma vez que estes eram atraídos exatamente pela facilidade na
obtenção gratuita de obras protegidas por copyright, ao passo que, para o
Napster®, havia a possibilidade de anúncios e propagandas patrocinadas
dirigidas aos integrantes da rede.
Inexistência de fair use
No caso concreto envolvendo o
Orkut®, o primeiro requisito está preenchido, considerando que o criador da
comunidade fez um uso não justo das aulas do curso. O fato de ele ter comprado
o curso não daria direito de ele reproduzir para revender para terceiros o
material.
Desse modo, no âmbito da rede
social oferecida pelo provedor de internet, alguns usuários estavam fazendo uso
não justo de materiais protegidos.
Inexistência de responsabilidade
contributiva
No caso em exame, o STJ entendeu
que não estava presente a responsabilidade contributiva da Google®. Isso porque
o Orkut® não era uma rede social que tinha como finalidade principal o
compartilhamento de músicas, vídeos, aulas etc. Não era uma rede para troca de
arquivos. Logo, não se pode dizer que a Google ou o Orkut® incentivavam essa
prática.
Inexistência de responsabilidade
vicária
Por fim, o STJ concluiu que não se
pode punir a Google com base na teoria da responsabilidade vicária. Isso porque
não se verificou que a empresa estivesse lucrando com os ilícitos praticados
pelos usuários. Além disso, não se identificou que o provedor tenha se negado a
exercer o poder de controle sobre os ilícitos que identificou ou limitar os
danos mesmo podendo fazê-lo.
Em suma:
O STJ entendeu que deveria ser afastada a
responsabilidade civil da Google® por duas razões:
a) a estrutura da rede social em questão -
Orkut® - e a postura do provedor não contribuíram decisivamente para a violação
de direitos autorais;
b) não se vislumbram danos materiais que
possam ser imputados à inércia do provedor de internet.
STJ. 2ª Seção.
REsp 1.512.647-MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 13/5/2015 (Info
565).