Dizer o Direito

sexta-feira, 11 de setembro de 2015

Audiência de custódia


Olá amigos do Dizer o Direito,

Neste post irei tratar sobre a ADI 5240/SP, aproveitando para explicar, em breves linhas, em que consiste a tão falada "audiência de custódia".

Conceito
Audiência de custódia consiste...
- no direito que a pessoa presa em flagrante possui
- de ser conduzida (levada),
- sem demora,
- à presença de uma autoridade judicial (magistrado)
- que irá analisar se os direitos fundamentais dessa pessoa foram respeitados (ex: se não houve tortura)
- se a prisão em flagrante foi legal ou se deve ser relaxada (art. 310, I, do CPP)
- e se a prisão cautelar (antes do trânsito em julgado) deve ser decretada (art. 310, II) ou se o preso poderá receber a liberdade provisória (art. 310, III) ou medida cautelar diversa da prisão (art. 319).

Previsão
A audiência de custódia é prevista na Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH), que ficou conhecida como "Pacto de San Jose da Costa Rica", promulgada no Brasil pelo Decreto 678/92.
Veja o que diz o artigo 7º, item 5, da Convenção:
Artigo 7º - Direito à liberdade pessoal
(...)
5. Toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais (...)

Segundo entende o STF, os tratados internacionais de direitos humanos que o Brasil foi signatário incorporam-se em nosso ordenamento jurídico com status de norma jurídica supralegal (RE 349.703/RS, DJe de 5/6/2009). Desse modo, na visão do STF, a Convenção Americana de Direitos Humanos é norma jurídica no Brasil, hierarquicamente acima de qualquer lei ordinária ou complementar, só estando abaixo, portanto, das normas constitucionais.
Obs: na época em que a CADH foi aprovada no Brasil, ainda não havia a previsão do § 3º do art. 5º da CF/88.

Regulamentação
Apesar de existir um projeto de lei tramitando no Congresso Nacional (PLS nº 554/2011), o certo é que a audiência de custódia ainda não foi regulamentada por lei no Brasil. Isso significa que não existe uma lei estabelecendo o procedimento a ser adotado para a realização dessa audiência.
Diante desse cenário, e a fim de dar concretude à previsão da CADH, recentemente, alguns Tribunais de Justiça, incentivados pelo CNJ, passaram a regulamentar a audiência de custódia por meio de atos internos exarados pelos próprios Tribunais (provimentos e resoluções).

Procedimento para a realização da audiência de custódia (segundo o projeto do CNJ):
1) Prisão em flagrante;
2) Apresentação do flagranteado à autoridade policial (Delegado de Polícia);
3) Lavratura do auto de prisão em flagrante;
4) Agendamento da audiência de custódia (se o flagranteado declinou nome de advogado, este deverá ser intimado da data marcada; se não informou advogado, a Defensoria Pública será intimada);
5) Protocolização do auto de prisão em flagrante e apresentação do autuado preso ao juiz;
6) Entrevista pessoal e reservada do preso com seu advogado ou Defensor Público;
7) Início da audiência de custódia, que deverá ter a participação do preso, do juiz, do membro do MP e da defesa (advogado constituído ou Defensor Público);
8) O membro do Ministério Público manifesta-se sobre o caso;
9) O autuado é entrevistado (são feitas perguntas a ele);
10) A defesa manifesta-se sobre o caso;
11) O magistrado profere uma decisão que poderá ser, dentre outras, uma das seguintes:
a) Relaxamento de eventual prisão ilegal (art. 310, I, do CPP);
b) Concessão de liberdade provisória, com ou sem fiança (art. 310, III);
c) Substituição da prisão em flagrante por medidas cautelares diversas (art. 319);
d) Conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva (art. 310, II);
e) Análise da consideração do cabimento da mediação penal, evitando a judicialização do conflito, corroborando para a instituição de práticas restaurativas.

Nomenclatura
O termo "audiência de custódia", apesar de ter sido consagrado no Brasil, não é utilizado expressamente pela CADH, sendo essa nomenclatura uma criação doutrinária.
Durante os debates no STF a respeito da ADI 5240/SP, o Min. Luiz Fux defendeu que essa audiência passe a se chamar "audiência de apresentação". Desse modo, deve-se tomar cuidado com essa expressão caso seja cobrada em uma prova.

Qual é a amplitude da expressão "sem demora" prevista na CADH? Em até quanto tempo a pessoa presa deverá ser levada para a audiência de custódia?
Não existe uma previsão específica de tempo na CADH. A doutrina majoritária defende, contudo, que esse prazo deve ser de 24 horas, aplicando-se, subsidiariamente, a regra do § 1º do art. 306 do CPP.
Esse foi o prazo adotado pelo PLS nº 554/2011, em tramitação no Congresso Nacional.

Provimento Conjunto nº 03/2015, do TJSP
Em 22/01/2015, o TJSP editou o Provimento Conjunto nº 03/2015 regulamentando a audiência de custódia no âmbito daquele Tribunal. Veja alguns dispositivos do Provimento:

Art. 1º Determinar, em cumprimento ao disposto no artigo 007°, item  5, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (pacto de San Jose da Costa Rica), a apresentação de pessoa detida em flagrante delito, até 24  horas  após  a  sua prisão, para participar de audiência de custódia.
(...)
Art. 3º A autoridade policial providenciará a  apresentação  da  pessoa detida, até 24 horas após a sua prisão, ao juiz competente, para  participar  da audiência de custódia.
§ 1º O auto de prisão em flagrante será encaminhado na forma do  artigo 306, parágrafo 1º, do Código  de  Processo  Penal,  juntamente  com  a  pessoa detida.
(...)
Art. 5º O autuado, antes da audiência de custódia, terá contato prévio e por tempo razoável com seu advogado ou com Defensor Público.
Art. 6º Na audiência de custódia, o juiz competente informará o autuado da sua possibilidade de não responder  perguntas  que  lhe  forem  feitas, e o entrevistará sobre sua qualificação, condições pessoais, tais como estado civil, grau de alfabetização, meios de vida ou profissão, local  da  residência, lugar onde exerce sua atividade, e, ainda, sobre as circunstâncias objetivas da sua prisão.
§ 1º Não serão feitas ou admitidas perguntas  que  antecipem  instrução próprio de eventual processo de conhecimento.
§ 2º Após a entrevista do autuado, o juiz ouvirá o Ministério Público que poderá se manifestar pelo relaxamento da prisão em flagrante, sua  conversão em prisão preventiva, pela concessão de liberdade provisória com  imposição, se for o caso, das medidas caulelares previstas no artigo 319 do Código de Processo Penal.
§ 3º A seguir, o juiz dará a palavra ao advogado ou ao Defensor Público para manifestação, e decidirá, na audiência, fundamentadamente, nos termos do artigo 310 do Código de Processo Penal, podendo,  quando comprovada uma das hipóteses do artigo 318 do mesmo Diploma, substituir a prisão preventiva  pela domiciliar.
(...)
Art. 7º O juiz competente, diante das informações colhidas na audiência de custódia, requisitará o exame clinico e de corpo de delito do autuado, quando concluir que a perícia é necessária para a adoção de medidas, tais como:
I - apurar possível abuso cometido durante a prisão em flagrante, ou a lavratura do auto;
II - determinar o encaminhamento assistencial, que repute devido.

ADI 5240/SP
A Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (Adepol) ajuizou ADI contra o Provimento Conjunto nº 03/2015, do TJSP.
Na ação, a referida associação defendeu que a audiência de custódia somente poderia ter sido criada por lei federal e jamais por intermédio de tal provimento autônomo, já que a competência para legislar sobre a matéria é da União (art. 22, I, da CF/88), por meio do Congresso Nacional.

O STF concordou com os argumentos da ADEPOL? A audiência de custódia disciplinada por meio de ato do Tribunal de Justiça é inconstitucional?
NÃO. O STF julgou improcedente a ADI proposta.

A Corte afirmou que o artigo 7º, item 5, da Convenção Americana de Direitos Humanos, por ter caráter supralegal, sustou os efeitos de toda a legislação ordinária conflitante com esse preceito convencional. Em outras palavras, a CADH inovou o ordenamento jurídico brasileiro e passou a prever expressamente a audiência de custódia.

Ademais, a apresentação do preso ao juiz está intimamente ligada à ideia da garantia fundamental de liberdade, qual seja, o “habeas corpus”. A essência desse remédio constitucional, portanto, está justamente no contato direto do juiz com o preso, para que o julgador possa, assim, saber do próprio detido a razão pela qual fora preso e em que condições se encontra encarcerado. Justamente por isso, o CPP estabelece que “recebida a petição de ‘habeas corpus’, o juiz, se julgar necessário, e estiver preso o paciente, mandará que este lhe seja imediatamente apresentado em dia e hora que designar” (art. 656).

Desse modo, o STF entendeu que o Provimento Conjunto do TJSP não inovou na ordem jurídica, mas apenas explicitou conteúdo normativo já existente em diversas normas da CADH e do CPP.

Por fim, o STF afirmou que não há que se falar em violação ao princípio da separação dos poderes porque não foi o Provimento Conjunto que criou obrigações para os delegados de polícia, mas sim a citada convenção e o CPP.

STF. Plenário. ADI 5240/SP, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 20/8/2015 (Info 795).



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