Dizer o Direito

sexta-feira, 21 de agosto de 2015

Seguro de vida e suicídio do segurado



Relembrando: nomenclaturas utilizadas nos contratos de Seguro
Risco: é a possibilidade de ocorrer o sinistro. Ex.: risco de morte.
Sinistro: o sinistro é o risco concretizado. Ex.: morte.
Apólice (ou bilhete de seguro): é um documento emitido pela seguradora no qual estão previstos os riscos assumidos, o início e o fim de sua validade, o limite da garantia e o prêmio devido e, quando for o caso, o nome do segurado e o do beneficiário.
Prêmio: é a quantia paga pelo segurado para que o segurador assuma o risco. O prêmio deve ser pago depois de recebida a apólice. O valor do prêmio é fixado a partir de cálculos atuariais e o seu valor leva em consideração os riscos cobertos.
Indenização: é o valor pago pela seguradora caso o risco se concretize (sinistro).

Seguro e suicídio
Imagine a seguinte situação:
João fez um seguro de vida por meio do qual paga R$ 50 por mês (prêmio) e, se vier a falecer na vigência do contrato, a seguradora terá que pagar R$ 500 mil reais (indenização) ao seu filho (beneficiário).
O prazo de vigência do contrato é de 5 anos.

Se João se matar, mesmo assim a seguradora terá que pagar a indenização ao beneficiário? No seguro de vida, se o segurado se suicidar, a seguradora continua tendo obrigação de pagar a indenização?
Depende:

Se o suicídio ocorreu ANTES dos
dois primeiros anos do contrato:
Se o suicídio ocorreu DEPOIS dos
dois primeiros anos do contrato:

NÃO

O beneficiário não terá direito ao capital estipulado quando o segurado se suicida nos primeiros dois anos de vigência inicial do contrato ou nos dois primeiros anos depois de o contrato ter sido reiniciado (recondução) depois de um tempo suspenso (art. 798 do CC).

Obs: o beneficiário não terá direito à indenização, mas receberá o valor da reserva técnica já formada, ou seja, terá direito à quantia que o segurado pagou a título de prêmio para a seguradora. A seguradora será obrigada a devolver ao beneficiário o montante da reserva técnica já formada mesmo que fique provado que o segurado premeditou o suicídio.


SIM

Se o suicídio ocorrer depois dos dois primeiros anos do contrato será devida a indenização, ainda que exista cláusula expressa em contrário.

Obs: é nula a cláusula contratual que exclua a indenização da seguradora em caso de suicídio ocorrido depois dos dois primeiros anos do contrato (art. 798, parágrafo único). Assim, se o suicídio ocorre depois dos dois primeiros anos, é devida a indenização ainda que exista cláusula expressa dizendo que a seguradora não deve indenizar.


Seguro e suicídio nos dois primeiros anos
Se o suicídio acontecer nos dois primeiros anos, o beneficiário poderá receber o seguro provando que o segurado não agiu de forma premeditada? Se o suicídio acontecer nos dois primeiros anos, tem alguma relevância discutir-se a premeditação do segurado?
NÃO. A redação do art. 798 do CC é muito clara e direta: se o suicídio ocorrer dentro dos dois primeiros anos do contrato, a seguradora não está obrigada a indenizar o beneficiário. Em outras palavras, durante os dois primeiros anos de vigência do contrato de seguro de vida, o suicídio é risco não coberto por força de lei.
Perceba que o legislador estabeleceu um critério objetivo para regular a matéria, sendo, portanto, irrelevante a discussão a respeito da premeditação da morte.
O art. 798 adotou critério objetivo temporal para determinar a cobertura relativa ao suicídio do segurado, afastando o critério subjetivo da premeditação.
Acontecendo o suicídio nos dois primeiros anos de contrato, o beneficiário não terá direito à indenização, quer tenha sido o suicídio premeditado, quer tenha ocorrido sem premeditação.
Essa escolha do legislador teve como objetivo conferir maior segurança jurídica evitando discussões sobre o elemento subjetivo, ou seja, a respeito da intenção do segurado.
Esse é o entendimento do STJ. 2ª Seção. AgRg nos EDcl nos EREsp 1076942⁄PR, Rel. para acórdão Min. João Otávio de Noronha, julgado em 27⁄5⁄2015.

Suicídio premeditado x Suicídio não premeditado
Para fins de contrato de seguro, suicídio premeditado é aquele no qual o segurado já faz o seguro de vida pensando na ideia de se suicidar para deixar a indenização para o beneficiário. Em outras palavras, o segurado agiu de má-fé porque, quando fez o seguro, já tinha essa intenção. Suicídio não premeditado, por sua vez, é aquele no qual o segurado, quando assinou o contrato, não tinha a intenção de se matar, tendo a vontade surgido posteriormente. Como se percebe, provar essa intenção do agente é algo extremamente difícil, razão pela qual o CC-2002, de forma acertada, abandonou esse critério.

Enunciado 187
Cuidado com o enunciado 187 da Jornada de Direito Civil, que diz o seguinte:
187 – Art. 798: No contrato de seguro de vida, presume-se, de forma relativa, ser premeditado o suicídio cometido nos dois primeiros anos de vigência da cobertura, ressalvado ao beneficiário o ônus de demonstrar a ocorrência do chamado "suicídio involuntário”

O referido enunciado está em sentido contrário à jurisprudência do STJ e NÃO deve ser adotado em provas de concurso. Risque ele dos seus materiais de estudo para não se confundir.

Reserva técnica
Vimos acima que, se o suicídio ocorrer nos dois primeiros anos, o beneficiário não terá direito à indenização, mas receberá o valor da reserva técnica já formada, ou seja, ele terá direito de receber a quantia que o segurado pagou a título de prêmio para a seguradora. Isso está previsto na parte final do art. 798 c/c art. 797, parágrafo único do CC.
Importante ressaltar que a seguradora será obrigada a devolver ao beneficiário o montante da reserva técnica já formada mesmo que fique provado que o segurado premeditou o suicídio.

Seguro e suicídio depois dos dois primeiros anos
Após o período de carência de dois anos a seguradora será obrigada a indenizar mesmo diante da prova mais cabal de premeditação. Mesmo que a seguradora prove que o segurado, no momento da contratação do seguro já pensava em se suicidar, se esse suicídio aconteceu após os dois primeiros anos de contrato, ela terá sim que indenizar.
Perceba, mais uma vez, que não importa mais essa discussão sobre premeditação.
O critério atual é apenas temporal:
• Suicídio nos dois primeiros anos: SEM direito à indenização.
• Suicídio após os dois primeiros anos: TEM direito à indenização.

Súmulas sobre o tema
Existem duas súmulas que tratam sobre o tema:
Súmula 105-STF: Salvo se tiver havido premeditação, o suicídio do segurado no período contratual de carência não exime o segurador do pagamento do seguro.
Súmula 61-STJ: O seguro de vida cobre o suicídio não premeditado.

Os enunciados acima foram aprovados ainda sob a égide do CC-1916. Atualmente, com a redação do art. 798 do CC 2002 e com o novo entendimento do STJ manifestado no REsp 1.334.005-GO, o que podemos concluir é que as duas súmulas encontram-se SUPERADAS. Isso porque, conforme já explicado, o critério adotado pelo Código Civil atual é meramente temporal (menos ou mais de 2 anos). O CC 2002 abandonou o critério da premeditação. A premeditação do suicídio não serve para nada e não deve nem sequer ser trazida para a discussão.


Resumindo:
No seguro de vida, se o segurado se suicidar, a seguradora continua tendo obrigação de pagar a indenização?

• Se o suicídio ocorreu ANTES dos dois primeiros anos do contrato: NÃO.
O beneficiário não terá direito ao capital estipulado quando o segurado se suicida nos primeiros dois anos de vigência inicial do contrato ou nos dois primeiros anos depois de o contrato ter sido reiniciado (recondução) depois de um tempo suspenso (art. 798 do CC).
Obs: o beneficiário não terá direito à indenização, mas receberá o valor da reserva técnica já formada, ou seja, terá direito à quantia que o segurado pagou a título de prêmio para a seguradora. A seguradora será obrigada a devolver ao beneficiário o montante da reserva técnica já formada mesmo que fique provado que o segurado premeditou o suicídio.

• Se o suicídio ocorreu DEPOIS dos dois primeiros anos do contrato: SIM.
Se o suicídio ocorrer depois dos dois primeiros anos do contrato será devida a indenização, ainda que exista cláusula expressa em contrário.
Obs: é nula a cláusula contratual que exclua a indenização da seguradora em caso de suicídio ocorrido depois dos dois primeiros anos (art. 798, parágrafo único). Assim, se o suicídio ocorre depois dois primeiros anos, é devida a indenização ainda que exista cláusula expressa dizendo que a seguradora não deve indenizar.

STJ. 2ª Seção. REsp 1.334.005-GO, Rel. originário Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Rel. para acórdão Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 8/4/2015 (Info 564).

Estão SUPERADAS a Súmula 105 do STF, a Súmula 61 do STJ e o Enunciado 187 da Jornada de Direito Civil.



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