Imagine a seguinte situação
hipotética:
Durante assalto ocorrido em um
banco, os ladrões roubaram 50 talonários de cheques.
Tais talonários estavam impressos
com nomes de clientes e seriam ainda entregues aos correntistas para que
iniciassem seu uso.
Diante desse fato, o banco efetuou
o cancelamento dos referidos cheques.
O cancelamento de um cheque é um
procedimento realizado pelo banco no qual ele declara que aquele determinado
cheque (que possui um número de série estampado) não vale, ou seja, mesmo que
ele seja preenchido e assinado, ele não será pago quando for apresentado.
Utilização do cheque por falsário
Cerca de um mês depois do
assalto, um dos ladrões foi até o supermercado e comprou diversos produtos. A
conta, no valor de R$ 5 mil, foi paga com o cheque roubado, tendo ele falsificado
a assinatura do correntista.
No dia seguinte, o funcionário do
banco foi tentar descontar o cheque, mas ele foi devolvido, tendo a bancária
informado que aquele cheque não poderia ser pago porque havia sido cancelado
pela instituição financeira, com base no motivo 25 da Resolução 1.631/1989, do
Banco Central:
Art. 6º O cheque poderá
ser devolvido por um dos motivos a seguir classificados:
(...)
IMPEDIMENTO AO PAGAMENTO
(...)
25 - Cancelamento de
Talonário Pelo Banco Sacado;
O supermercado prejudicado
ajuizou ação de indenização contra o banco alegando que o cancelamento do
talonário ocorreu por negligência da instituição financeira, que não tomou as
cautelas necessárias na guarda do cheque, de forma que deverá responder pelo
prejuízo sofrido. O supermercado afirmou ainda que ele deveria ser considerado
consumidor por equiparação (art. 17 do CDC) e que, por se tratar de relação de
consumo, o banco deveria responder de forma objetiva.
A
tese do supermercado foi aceita pelo STJ? O banco deverá responder pelo
prejuízo do supermercado?
NÃO. A
instituição financeira não deve responder pelos prejuízos suportados por
sociedade empresária que, no exercício de sua atividade empresarial, recebera
como pagamento cheque que havia sido roubado durante o envio ao correntista e
que não pode ser descontado em razão do prévio cancelamento do talonário
(motivo 25 da Resolução 1.631/1989 do Bacen).
STJ. 3ª Turma.
REsp 1.324.125-DF, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 21/5/2015 (Info
564).
Inicialmente, o STJ entendeu que,
no caso concreto, o supermercado não poderia ser considerado consumidor por
equiparação com fundamento no art. 17 do CDC ("Para os efeitos dessa
Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento"). Segundo
a doutrina majoritária, é até possível que a pessoa jurídica seja considerada
vítima de um acidente de consumo, enquadrando-se, pois, na qualidade de
consumidor por equiparação. No entanto, para isso, é imprescindível que os
danos suportados possuam relação direta (e não meramente reflexa) de
causalidade com o acidente de consumo. No caso em tela, não houve acidente de
consumo.
Os danos suportados pelo
supermercado ocorreram no estrito desenvolvimento de sua atividade empresarial e foram causados não pelo banco, mas sim por terceiros
(falsários/estelionatários). A instituição financeira não pode ser
responsabilizada, considerando que ela agiu em conformidade com a Lei nº 7.357/85
(Lei do Cheque) e com a Resolução 1.682/1990 do Bacen.
A Lei de Cheques (Lei nº 7.357/85),
em seu art. 39, parágrafo único, reputa ser indevido o pagamento/desconto de
cheque falso, falsificado ou alterado, pela instituição financeira. Se ele
(banco) pagar um cheque que foi roubado/falsificado, terá que indenizar o
correntista. Logo, para se resguardar, ele cancela o cheque que foi apontado
como roubado e não autoriza o pagamento.
Desse modo, ao cancelar o cheque,
o banco evitou que o correntista fosse prejudicado, ou seja, ele evitou o
acidente de consumo.
Não existe norma jurídica que
autorize ou determine que o banco indenize o comerciante que aceitou como forma
de pagamento um cheque que havia sido previamente cancelado.
Aceitar ou não cheques como forma
de pagamento é uma faculdade do comerciante. A partir do momento em que decide
trabalhar com esse tipo de título de crédito, ele passa a assumir o risco de recebê-lo.
Deverá, portanto, adotar todas as cautelas e diligências com o objetivo de
conferir a idoneidade do título, assim como de seu apresentante (e suposto
emitente).