Dizer o Direito

segunda-feira, 24 de agosto de 2015

A pessoa que pediu justiça gratuita e esta foi negada, para que possa recorrer terá que pagar as custas do recurso no momento da interposição?



Garantia de assistência jurídica integral e gratuita
A CF/88 prevê a garantia da assistência jurídica integral e gratuita em seu art. 5º, LXXIV: “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”.

Esse dispositivo constitucional consagra duas garantias:

I – Assistência jurídica integral e gratuita
II – Gratuidade da justiça
(Assistência Judiciária Gratuita – AJG).
Fornecimento pelo Estado de orientação e defesa jurídica, de forma integral e gratuita, a ser prestada pela Defensoria Pública, em todos os graus, aos necessitados (art. 134 da CF).
Regulada pela Lei Complementar 80/94.
Isenção das despesas que forem necessárias para que a pessoa necessitada possa defender seus interesses em um processo judicial.
Era regulada pela Lei nº 1.060/50, mas o CPC 2015 passou a tratar sobre o tema, revogando quase toda essa lei.

Quem tem direito à gratuidade da justiça?
Tem direito à gratuidade da justiça a pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios (art. 98 do CPC-2015).

Quem está abrangido por ela?
• pessoas físicas (brasileiras ou estrangeiras);
• pessoas jurídicas (brasileiras ou estrangeiras).

A pessoa beneficiada pela justiça gratuita está dispensada do pagamento de quais verbas?
Segundo o § 1º do art. 98 do CPC-2015, a gratuidade da justiça compreende:
I - as taxas ou as custas judiciais;
II - os selos postais;
III - as despesas com publicação na imprensa oficial, dispensando-se a publicação em outros meios;
IV - a indenização devida à testemunha que, quando empregada, receberá do empregador salário integral, como se em serviço estivesse;
V - as despesas com a realização de exame de código genético - DNA e de outros exames considerados essenciais;
VI - os honorários do advogado e do perito e a remuneração do intérprete ou do tradutor nomeado para apresentação de versão em português de documento redigido em língua estrangeira;
VII - o custo com a elaboração de memória de cálculo, quando exigida para instauração da execução;
VIII - os depósitos previstos em lei para interposição de recurso, para propositura de ação e para a prática de outros atos processuais inerentes ao exercício da ampla defesa e do contraditório;
IX - os emolumentos devidos a notários ou registradores em decorrência da prática de registro, averbação ou qualquer outro ato notarial necessário à efetivação de decisão judicial ou à continuidade de processo judicial no qual o benefício tenha sido concedido.

O juiz poderá conceder de ofício o benefício da assistência judiciária gratuita?
NÃO. É vedada a concessão “ex officio” do benefício de assistência judiciária gratuita pelo magistrado. Assim, é indispensável que haja pedido expresso da parte (AgRg nos EDcl no AREsp 167.623/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 05/02/2013).

Qual é o momento em que deverá ser formulado o pedido de justiça gratuita?
Normalmente o pedido de justiça gratuita é feito na própria petição inicial (no caso do autor) ou na contestação (no caso do réu). No entanto, a orientação pacífica da jurisprudência é de que a assistência judiciária gratuita pode ser pleiteada a qualquer tempo (REsp 1261220/SP, DJe 04/12/2012).
O CPC-2015 tratou do tema no art. 99. Veja:
Art. 99. O pedido de gratuidade da justiça pode ser formulado na petição inicial, na contestação, na petição para ingresso de terceiro no processo ou em recurso.

Recurso contra a decisão que INDEFERE ou REVOGA o benefício
O juiz pode indeferir por meio de decisão interlocutória ou na própria sentença.
• Se for por decisão interlocutória: o recurso cabível é o agravo de instrumento.
• Se for por sentença: o recurso será a apelação.

Imagine agora a seguinte situação:
João ingressou com ação ordinária e pediu a concessão de justiça gratuita, tendo o juiz indeferido por meio de decisão interlocutória.
Contra essa decisão, o autor deseja interpor agravo de instrumento a ser julgado pelo Tribunal de Justiça. No entanto, o advogado de João ficou com uma tremenda dúvida:

João alega que não tem condições de pagar as despesas do processo, ao interpor este recurso ele terá que fazer o preparo do recurso, ou seja, terá que pagar as custas e demais despesas relacionadas com o recurso? A pessoa que pediu justiça gratuita e esta foi negada, para que possa recorrer terá que pagar as custas do recurso comprovando o pagamento no momento da interposição?
O CPC 2015 afirma que NÃO. O recorrente não precisará fazer o recolhimento das custas até que haja uma decisão do relator sobre a questão, antes do julgamento do recurso (art. 101, § 1º).
Vamos explicar com calma:
João interpõe o agravo de instrumento e não precisará ainda, neste momento, pagar as custas do recurso.
O Desembargador que for sorteado como relator, ao receber o recurso, irá proferir uma decisão monocrática, que pode ser:
• deferindo o benefício da justiça gratuita até que se julgue o mérito do recurso pelo Tribunal.
• negando o benefício da justiça gratuita até que o Tribunal examine o recurso. Neste caso, o relator determinará ao recorrente o recolhimento das custas processuais no prazo de 5 dias, sob pena de não conhecimento do recurso.

Essa decisão do Relator é monocrática (tomada sozinho) e provisória (isso porque o tema ainda será apreciado pelo colegiado do Tribunal).

Como se trata de tema novo, vale a pena fazer a leitura dos dispositivos do novo CPC:
Art. 101.  Contra a decisão que indeferir a gratuidade ou a que acolher pedido de sua revogação caberá agravo de instrumento, exceto quando a questão for resolvida na sentença, contra a qual caberá apelação.
§ 1º O recorrente estará dispensado do recolhimento de custas até decisão do relator sobre a questão, preliminarmente ao julgamento do recurso.
§ 2º Confirmada a denegação ou a revogação da gratuidade, o relator ou o órgão colegiado determinará ao recorrente o recolhimento das custas processuais, no prazo de 5 (cinco) dias, sob pena de não conhecimento do recurso.

E antes do novo CPC, como a jurisprudência do STJ encarava o tema? A pessoa que pedia justiça gratuita e esta era negada, no momento em que ia recorrer contra a decisão estava dispensada de pagar as custas do recurso?

1ª corrente: SIM
2ª corrente: NÃO
A 1ª Turma do STJ recentemente decidiu que não se aplica a pena de deserção a recurso interposto contra julgado que indeferiu o pedido de justiça gratuita.
Entendeu-se que, se o recurso diz respeito justamente à alegação do recorrente de que ele não dispõe de condições econômico-financeiras para arcar com os custos da demanda, não faz sentido considerá-lo deserto por falta de preparo, uma vez que ainda está sob análise o pedido de assistência judiciária e, caso seja deferido, neste momento, o efeito da decisão retroagirá até o período da interposição do recurso e suprirá a ausência do recolhimento e, caso seja indeferido, deve ser dada oportunidade de regularização do preparo.
É um contrassenso exigir o prévio pagamento das custas recursais nestes casos em que a parte se insurge contra a decisão judicial que indeferiu o pedido de justiça gratuita, sob pena de incorrer em cerceamento de defesa e inviabilizar o direito de recorrer da parte, motivo pelo qual o recurso deve ser conhecido a fim de que seja examinada essa preliminar recursal.

Quem decidiu assim: STJ. 1ª Turma. AgRg no AREsp 600.215-RS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 2/6/2015 (Info 564).
A maioria do STJ é no sentido contrário.

Assim, se o pedido for negado e a parte recorrer contra esta decisão, ela deverá:
• fazer o preparo do recurso comprovando o pagamento no momento da interposição; ou
• renovar (reiterar) o pedido de justiça gratuita para o Tribunal. Neste caso, tal pedido precisará ser feito em petição avulsa, que deverá ser processada em apenso aos autos principais, e não no próprio corpo do recurso, constituindo erro grosseiro essa prática (STJ. REsp  1229778/MA, DJe 13/12/2012).

Caso não faça isso, seu recurso será considerado deserto.

Quem decide assim:
STJ. 2ª Turma. AgRg no AREsp 604.866/SC, Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 07/05/2015.
STJ. 3ª Turma. AgRg no AREsp 600.854/SP, Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 18/06/2015.
STJ. 4ª Turma. AgRg no AREsp 613.443/MS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 09/06/2015.

Quando o novo CPC entrar em vigor esta 2ª corrente estará superada.



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